A pandemia da Covid-19 nos afeta
profundamente. Para além da grave crise de saúde, com mortes e sofrimentos
plurais, nos colocou dentro de casa, impediu que saíssemos às ruas, nos
encontrássemos com amigos e que nos tocássemos, nem o simples e protocolar
aperto de mãos era possível. Ainda seguimos na pandemia, mas temos alguma
possibilidade de vislumbrar uma condição de vida um pouco melhor, em função de
atuações específicas de contenção e isolamento social, do desenvolvimento
rápido e efetivo das vacinas graças as nossas instituições de pesquisas e dos
programas de distribuição e aplicação dos imunizantes em todo o país.
Passados quase dezoito meses dos primeiros casos da Covid-19 no país, notamos
alterações de comportamento, não mais conectadas à condição pandêmica marcada
pelo consumo de produtos de higiene e limpeza doméstica, pequenas reformas e
decoração da casa, aquisição de mobiliário para conforto que garantisse as
longas jornadas de trabalho e estudo, mas sim, uma busca que revela o desejo de
mudança no estado de espírito, por meio de outros consumos, agora mais
identitários. Uma das manifestações emblemáticas deste caminho é o que estamos
chamando de "dopamine dressing".
Mais um estrangeirismo para a nossa coleção, a dopamina é um neurotransmissor
produzido pelo nosso organismo, que quando liberado gera a sensação de
bem-estar, o que também pode ser interpretado como felicidade, uma vez que
melhora nossa disposição e humor, assim seria possível produzir uma concreta
alteração da nossa condição psíquica e social para melhor por meio das roupas e
acessórios que usamos. Dopamine dressing é uma espécie de estímulo à mudança da
nossa condição interna a partir de fora e, ainda mais, à disposição e ao sabor
da nossa própria criatividade ao vestir-se. Assim, dopamine dressing se
manifesta no uso de signos cromáticos vibrantes, no diálogo entre cores
complementares no mesmo look, como saia azul com uma blusa laranja ou mesmo com
cores vizinhas, como vem acontecendo com a combinação recorrente da cor pink
com várias tonalidades da cor vermelha. Este caminho eufórico já dava sinais
nas semanas internacionais de moda deste ano e chega recentemente para acesso
ao grande público. As cores são signos muito potentes, uma vez que encapsulam
dimensões fisiológicas, culturais e psicológicas, por isso, atuam do universal
ao simbólico e à particularidade e ao gosto de cada um.
A relação entre o jeito de se vestir, incluindo os acessórios e o nosso humor é
estudada por diferentes regionalidades científicas. Assim como a relação com as
nossas intencionalidades, ou seja, o efeito que queremos gerar e a escolha do
que vamos vestir, incluindo os acessórios a maquiagem e o perfume. Nos vestimos
com discrição quando não queremos ser notados ou com exuberância quando a
presença e o brilhar são desejáveis.
Esta relação é indissociável das cores, uma vez que estão presentes tanto nas
vestimentas e acessórios, quanto nos vínculos e conexões com os diferentes tons
de pele, cabelo, olhos. Cores vibrantes, estampas, imagens, sobreposições de
texturas, grafismos, expressam emblematicamente esta nova tendência do
vestir-se. Depois da contenção e do sofrimento, a exaltação.
No entanto, não há como deixar de lado a relação com uma certa ocultação, como
um aplique, algo externo que tem a intenção de afetar nossa intimidade e nossos
sentimentos, um pouco como um curativo que protege e tenta estimular a cura.
Nada mais oportuno do que curativo para quem anda tão machucado física e
emocionalmente. Dopamine dressing é a manifestação clara do desespero revestido
de entusiasmo.
Clotilde Perez - professora titular de
semiótica e publicidade da ECA USP
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