Opinião
Há 13
anos, passo um grande pedaço do meu dia em um ambiente que, infelizmente,
passou a fazer parte da história de muitas famílias a partir do ano passado: a
Unidade de Terapia Intensiva. Talvez os significados das palavras desse nome
nunca fizeram tanto sentido. Unidade de profissionais que não fazem nada
sozinhos, que precisam uns dos outros tanto para as ações “operacionais”
como para virar um paciente de bruços ou para discutir os procedimentos
cada vez mais multidisciplinares. Terapia atualizada e individualizada com uma
rapidez jamais vista, graças à agilidade e ao esforço da ciência. E intensiva
em todos os detalhes.
Nas
últimas semanas, esses ambientes estão diferentes do que vivenciamos ao longo
de quase 20 meses. Vemos as altas de pacientes sem que seus leitos sejam
imediatamente ocupados por outros e novos - e em determinado momento da pandemia,
literalmente, cada vez mais novos - pacientes. Em alguns dias, deixamos
inclusive de ter casos ativos de covid-19. Isso significa que, pela primeira
vez, em mais de 500 dias, não havia pacientes com potencial de transmissão da
doença. Para os profissionais de saúde esse é um marco que nos emociona e enche
de esperança.
Ao
olhar os leitos vazios, não podemos nos esquecer da trajetória até aqui. Uma
realidade que nem os mais experientes profissionais estavam preparados. Foram
dias em que precisamos encarar como principal desafio manter o paciente vivo
para que o próprio corpo pudesse ter forças para combater o coronavírus. E,
para isso, recorremos a procedimentos complexos. Em algumas instituições, o uso
da ECMO, por exemplo, chegou a ser nove vezes mais frequente do que antes da
pandemia. O aparelho que funciona como coração e pulmão artificial representou
novos suspiros para muitos homens e mulheres. Já as diálises, ainda no leito de
UTI, cresceram quase 60%.
O
médico intensivista reconhece o seu papel como divisor de águas no tratamento
de um paciente. A entrada dele em ação deve ser precisa no momento em que o
quadro do paciente se agrava e que pode ser irreversível sem esse suporte. E
assim, também ser o momento da saída. Mas talvez essa definição nunca foi tão
nebulosa quanto na covid-19. Como doença sistêmica e imprevisível, em cada
paciente ela agia de uma forma. E foi a união entre assistência e pesquisa que
nos deu o suporte para seguir.
Em
muitos momentos, tivemos que lutar com os braços que tínhamos. E eles eram
escassos de norte a sul do Brasil. Apenas 1,6% dos médicos brasileiros
registrados são intensivistas. A Associação de Medicina Intensiva Brasileira
(Amib) estima que o país precisaria ter, pelo menos, cinco vezes mais
profissionais da área para atender toda a demanda de leitos de UTI. A
matemática deixa claro o cansaço, mas as súplicas para voltar da intubação
escancaram o peso que esses braços carregaram.
No
início, observamos como a doença se comportava e compartilhamos conhecimento com
o mundo. Agora, experimentamos os resultados desse movimento, que passa a ser
coletivo. Vacinas em tempo recorde, adesão da população e a esperança de volta.
As
ligações para as famílias e as longas semanas - até meses - de
internamento nos aproximaram de cada um que venceu ou perdeu essa luta. Lidamos
como uma tragédia social e humanitária e, apesar de acreditarem que somos
heróis, sairemos dela mais humanos.
Jarbas
da Silva Motta Junior - médico intensivista e coordenador da UTI do Hospital
Marcelino Champagnat
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