Acredito que todos nós assistimos assustados e estamos preocupados com a nova dominação e controle do território Afegão pelo conhecido Talibã.
Recordo-me que em meados de setembro de 2019, me surpreendi com a notícia que o Presidente Trump “tricotava” com os militantes do Talibã para uma retirada pacífica de seus soldados e de outros participantes da OTAN, que gerou em seguida um acordo formal.
Na época, pensei que se houvesse algum retorno do movimento político Talibã ao Poder, as mulheres seriam totalmente escravizadas pelo grupo, pois notório o extremismo e desumanidade deste governo, pelo qual mulheres quase não têm direitos.
Em seguida, me surpreendi de novo, mas agora com o novo Presidente Biden que
ratificou a ideia e a colocou como promessa de campanha, ratificada em seus
discursos já como Presidente.
As falas de Biden são desapontantes, pois sabia que a retirada das tropas
geraria um enorme problema humanitário, sendo que no dia de hoje (16-08-21),
defendeu: “Os EUA não podem participar e morrer em uma guerra em que nem o
próprio Afeganistão está disposto a lutar”.
Desde o primeiro momento de diálogo entre EUA e Talibã, a interpretação
apresentada à sociedade era a de que a medida seria um ato para encerrar a
guerra mais longa da história americana e o fim do intervencionismo dos Estados
Unidos em todo o mundo.
Contudo, o que já estamos vendo não é uma dominação e retomada do território pelo grupo extremista de forma tão pacífica e protetora dos mínimos direitos humanos frente aos homens e principalmente às mulheres.
Após o Talibã tomar o poder em Cabul, algumas imagens de publicidade com fotos de mulheres começaram a ser retiradas das fachadas das lojas.
Nas regiões dominadas antes de Cabul, algumas mulheres conseguiram fugir dessas áreas controladas pelo Talibã, e relataram que os militantes exigiam que as famílias entregassem meninas e mulheres solteiras para se tornarem esposas de seus combatentes. Exigiram também a retomada da utilização da burca.
O que se inicia nada mais é do que a retomada de uma interpretação literal, violenta, desumana e extremista da “sharia” pelo governo Talibã que inclui apedrejamento por adultério, amputação de membros por roubo e proibição de meninas com mais de 12 anos de ir à escola.
Infelizmente, o regime brutal do movimento deve ser progressivo e poderemos voltar a assistir vídeos de mulheres sendo presas, torturadas, forçadas a casar com militantes, açoitadas publicamente ou até executadas.
A escravidão sexual é crime contra a humanidade, e limitar direitos mínimos humanos às afegãs, também deve ser interpretado como atos criminosos humanitários.
O retrocesso dos direitos conquistados pelas mulheres afegãs é uma consequência natural e absurda diante desta dominação.
Notório que as afegãs perderão seus direitos à educação, a ensinar e a trabalhar, e serem consideradas como objeto e suscetíveis às violências de todas as formas.
Assim, podemos afirmar que houve um fracasso da missão americana no Afeganistão, pois houve a perda da liberdade e da autonomia, e dos mínimos direitos humanos das mulheres afegãs.
A deterioração das liberdades para as mulheres e meninas afegãs é um míssil que
explodiu no colo dos EUA, e que gerou esse fracasso militar.
Esperando estar errado em minha sustentação nas linhas pretéritas, na data de
hoje (16-08-21), o Conselho de Segurança da ONU “expressou profunda
preocupação” com as violações de direitos humanos e “destacou a necessidade
urgente e imperativa de levar os perpetradores à Justiça”.
Todavia, entendo que uma simples manifestação do referido Conselho não será acatada pelo Talibã, e as afegãs sofrerão muito com essa nova dominação.
Indispensável um movimento mundial de tutela das mulheres afegãs, um movimento
social jurídico internacional, gerador de um perfume de esperança com inúmeras
denúncias junto ao Tribunal Penal Internacional de Haia, sendo que o
Afeganistão é um país-membro do Estatuto de Roma e, portanto, o TPI tem
jurisdição para investigar e processar qualquer crime de guerra ou crimes
contra a Humanidade que ocorram nesse território, independentemente de serem
cometidos pelo Estado ou por um Estado terceiro.
Professor Marcelo Válio - graduado
em 2001 PUC/SP, especialista em direito constitucional pela ESDC,
especialista em direito público pela EPD/SP, mestre em direito do trabalho pela
PUC/SP, doutor em filosofia do direito pela UBA (Argentina), doutor em direito
pela FADISP, pós doutor em direito pelo Universidade de Messina (Itália) e pós
doutorando em direito pela Universidade de Salamanca (Espanha), e é referência
nacional na área do direito dos vulneráveis (pessoas com deficiência, autistas,
síndrome de down, doenças raras, burnout, idosos e doentes).
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