Durante a pandemia de
covid-19, aumentou o número de casos de crianças com diagnóstico de miopia no
País, bem como foi registrado o avanço do problema em pacientes já em
acompanhamento. Estas são percepções reveladas a partir de pesquisa inédita
realizada pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO). O estudo, baseado em
informações colhidas junto aos especialistas no atendimento dessa população,
revela o impacto do coronavírus na saúde ocular da população infanto-juvenil.
Durante esse período
de emergência epidemiológica, de acordo com 71,9% dos oftalmologistas
entrevistados cresceu a quantidade de pacientes com idades de 0 a 19 anos com
diagnóstico de miopia. Para 75,6% dos especialistas, essa situação tem como
causa principal a exposição das crianças e dos adolescentes às telas dos
aparelhos eletrônicos, seja por conta do ensino à distância, seja em atividades
de lazer, como assistir televisão ou jogar videogames.
Essa situação exige
que a exposição dos jovens às TVs, smartphones, tablets e computadores seja
reduzida, afirmam os 98,6% oftalmologistas brasileiros. A recomendação é
reduzir esse tempo diante das telas e também buscar atividades externas como
forma de prevenir a miopia. Na avaliação de 43,2% dos especialistas, os jovens
devem ter pelo menos duas horas de práticas off-line por dia. Outros 31%
recomendam uma hora e 8% um mínimo de 30 minutos por período. No entanto, na
percepção de 7,7% seriam necessárias ao menos três horas diárias longe das
telas.
Para o coordenador da
pesquisa, Fábio Ejzenbaum, que é especialista do CBO e presidente da Sociedade
Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP), temos uma epidemia de miopia e
para contê-la, além da redução do uso de telas, é preciso também cuidado com os
fatores ambientais. "É comprovado que se você ficar em média pelo menos
duas horas em ambiente externo sua chance de ser míope pode ser reduzida em até
40%. O sol libera neurotransmissores que fazem o olho crescer menos. Por isso,
recomendo menos telas e mais atividades ao ar livre, como jogar bola e andar de
bicicleta. Não é tomar sol no olho, mas ficar em ambiente externo é muito
importante. Atividade ao ar livre reduz a progressão da miopia", salienta.
Preocupação - Os dados foram coletados
entre abril e junho deste ano, junto a 295 oftalmologistas. O Conselho
Brasileiro de Oftalmologia (CBO) considera a situação preocupante, pois revela
que as mudanças de hábitos geradas pela pandemia estão afetando a saúde ocular
dos jovens, com possibilidade de complicações no futuro. Isso ocorre porque o
diagnóstico de miopia aponta uma situação de "fragilidade do olho"
que pode avançar na forma de outras doenças, como descolamento de retina,
catarata e glaucoma, que leva à cegueira. "Como na miopia o comprimento do
olho é maior, é como se todas as estruturas oculares estivessem mais esticadas,
alargadas. É um olho que tem um risco estatístico, a partir de 5, 6 graus de
miopia a ter chances de problemas graves oftalmológicos, como estrabismo em
adultos, entre outras doenças", explica Ejzenbaum.
O caminho apontado
para contornar este problema está no reforço às medidas de prevenção. Além da
redução no tempo de exposição às telas e o estímulo à prática de atividades ao
ar livre, os oftalmologistas consideram importante que pais e professores
fiquem atentos ao comportamento das crianças e adolescentes para encaminhá-los
para avaliação médica de forma precoce.
Sinais como queda no
rendimento escolar, mudança de comportamento social, apertar/fechar os olhos
para ver objetos ou ler e mesmo se aproximar para identificar letreiros,
situações ou objetos podem sugerir a existência de problemas. Com o
diagnóstico, o paciente poderá iniciar o tratamento para controlar o
transtorno.
O presidente do CBO,
José Beniz Neto, acredita que o diagnóstico precoce da miopia, assim como de
qualquer outro problema, seja ele estrutural ou de doença, tem melhor desfecho
quanto mais cedo for descoberto. E aconselha como os pais e responsáveis devem
se comportar diante da suspeita de um caso de miopia entre os filhos e qual o
papel do médico oftalmologista neste processo.
"Os pais são os
primeiros que podem detectar sinais e sintomas de baixa acuidade visual. Assim
como os professores, em suas funções de reconhecimento de erros refracionais,
os pais ao reconhecer tais atitudes dos filhos, devem imediatamente marcar uma
consulta com médico oftalmologista para que seja feito o diagnóstico e o
tratamento de possíveis problemas visuais. Esse profissional tem papel
fundamental em reconhecer erros refracionais e fazer a prescrição de lentes ou
associar a pretensa baixa de acuidade visual a outros problemas de saúde do
olho, que não sejam apenas ametropias, ou seja, defeitos de correção dos graus
de óculos", explica.
Políticas - Os cuidados com a
prevenção são importantes, mas o CBO entende que o enfrentamento da miopia
depende de ações apoiadas pelo Governo, em suas diferentes instâncias de
gestão. Por isso, busca interlocução com os Ministérios da Saúde e da Educação
para desenvolver estratégias que atinjam as crianças e os adolescentes em casa
e na escola.
A proposta, que inclui
o treinamento ou capacitação dos professores para a triagem de casos suspeitos
em sala de aula, prevê parcerias com o Sistema Único de Saúde (SUS) para o
aproveitamento das agendas livres nos consultórios privados. O CBO estima que
um acordo neste sentido pode permitir o atendimento de cerca de 15 milhões de
pessoas.
"O CBO, através
de suas gestões anteriores, sempre lutou para que o atendimento oftalmológico
da população brasileira fosse contemplado na atenção primária de saúde. Assim,
buscamos sempre parcerias com os ministérios, como o Ministério da Saúde, para
desenvolver estratégias que possam viabilizar o atendimento da nossa população
na atenção primária. No momento, o CBO possui o programa Brasil que Enxerga e
negocia com o Ministério da Saúde a possibilidade de inclusão da oftalmologia
nesse tipo de atendimento", diz Beniz Neto.
Visão - A miopia é um erro de
refração bastante comum. Ela acontece quando a imagem se forma antes da retina.
A sua principal característica é a visão embaçada, que impede de enxergar com
clareza o que está longe. Em alguns casos também pode provocar cansaço visual e
dores de cabeça.
De acordo a
Organização Mundial de Saúde (OMS), 2,6 bilhões de pessoas convivem com a
miopia em todos os países. Dessas, 59 milhões estão no Brasil. A projeção é de
que em 2050 metade da população mundial pode ser afetada pelo problema.
Entre as causas da
miopia, a herança genética é apontada como principal. Porém, hábitos ou o
ambiente podem também influenciar em sua manifestação. Trata-se de uma doença
cercada de mitos, que influenciam na forma como as famílias se relacionam com
diagnósticos dentro de casa.
"O aparecimento
ou desenvolvimento da miopia ocorre devido ao aumento, mesmo que milimétrico,
do diâmetro ântero-posterior do olho. Isso ocorre mais em crianças,
adolescentes e adultos jovens. Essa concentração em telas de aparelhos
eletrônicos promove a liberação de agentes químicos no interior do olho que
pode levar a esse aumento do globo ocular e consequente acréscimo na miopia. Há
de se dizer que o principal fator da presença da miopia no ser humano é sua
herança genética. Porém, alguns hábitos, como a questão da leitura em excesso,
podem influenciar e aumentar a sua manifestação", afirma Beniz.
Mitos - Uma percepção
incorreta é de que o uso de óculos pode piorar o problema. No entanto, este
acessório é fundamental para corrigi-lo, assim como as lentes de contato. A
cirurgia refrativa, outra alternativa de tratamento, só pode ser realizada após
os 18 anos. "Os óculos são fundamentais para aliviar o desconforto da
baixa acuidade visual e devem ser utilizados quando a pessoa tem o
problema", enfatiza Cristiano Caixeta Umbelino, vice-presidente do CBO.
O consumo de cenoura é
outro mito sobre miopia. Apesar de ser rica em betacaroteno, que é muito
importante para a saúde dos olhos e do organismo como um todo, esta hortaliça
não cura ou impede o avanço do comprometimento da visão. Também não é verdade
que exercícios oculares resolvem o problema. A fisioterapia ocular atua nos
músculos dos olhos, que nada têm a ver com a miopia.
"Notícias falsas
são sempre um problema para deturpar a informação adequada que o ser humano
deve seguir como pauta de ações em sua vida. Especificamente sobre a ingestão
da cenoura, realmente é um mito achar que comer muita cenoura vai resolver o
seu problema. Porque o organismo precisa apenas daquela quantidade de vitaminas
e substâncias essenciais para o funcionamento dos nossos órgãos, de acordo com
o que é absorvido pelo nosso intestino e passado para as outras partes do nosso
corpo. Então, deficiências vitamínicas graves, sim, são problema. Mas,
normalmente isso não ocorre em pessoas saudáveis, que têm uma alimentação normal
e adequada", desmitifica Umbelino.
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