Os esportes eletrônicos ou E-sports são uma verdadeira febre no Brasil e com uma proporção gigantesca no cenário esportivo. Muitos jovens estão se tornando jogadores profissionais de diversas categorias. Existem empresas especializadas em treinar atletas para disputar campeonatos que atraem milhões de pessoas em todo o mundo através da internet e que oferecem contratos milionários para estes jogadores, com cifras que já se aproximam com os valores pagos atualmente no futebol.
Para
se ter uma ideia da dimensão desta categoria, a expectativa é que a indústria
dos games e E-sports movimente cerca de US$ 180 bilhões em 2021, segundo o
Newzoo’s.
Diante
deste cenário, os atletas de esportes eletrônicos precisam necessariamente
conhecer seus direitos trabalhistas básicos. E as equipes precisam ter cuidado
no momento de realizar a contratação dos atletas.
Entretanto,
existe legislação específica para os atletas de E-sports?
Não
existe uma lei específica que regulamente a atividade destes profissionais. O
mercado tem utilizado uma combinação de normas da CLT – Consolidações das Leis
do Trabalho -, do Código Civil e da Lei 9.615/1998, a Lei Pelé, legislações que
definem regras para a prática de esportes no Brasil. Basicamente, a mesma
legislação utilizada nas relações desportivas tradicionais.
As
regras previstas na CLT são as mais utilizadas pelo Judiciário, pois, de forma
ampla, essa legislação define toda forma de relação de emprego.
Na
prática, as equipes de E-sports necessitam que os jogadores tenham
disponibilidade para representar o time em campeonatos, jogos patrocinados e
eventos e outros diversos tipos de competições disponíveis no mercado. Neste
caso, é inegável que o jogador tenha que ser um profissional especializado, que
treine de forma periódica, que receba uma remuneração definida e siga as regras
e condutas do time, características que personalizam uma relação de emprego.
Todos
estes requisitos que os times buscam em um jogador estão previstos na CLT e são
definidos como pressupostos de vínculo empregatício, como:
Pessoalidade
– Que é quando somente o atleta de forma específica pode realizar as atividades
ou representar a instituição.
Não
eventualidade – Que se caracteriza pelo fato de o jogador treinar de forma
periódica em favor do time.
Onerosidade
- É definida pelo recebimento de remuneração para competir e estar à sempre
disposição do time
Subordinação
– Que se caracteriza pelo fato de o atleta seguir regras e condutas definidas
pela equipe que o contrata.
Vale
ressaltar que a contratação dos atletas sob o regime da CLT segue o mesmo
padrão de qualquer contratação tradicional, sendo necessário que o atleta
assine um contrato de trabalho desportivo e tenha a sua carteira de trabalho
assinada pela equipe, bem como, terá todos os direitos previstos na legislação
trabalhista. Essa é a modalidade de contratação juridicamente mais segura, pois
todos os impostos necessários serão recolhidos no ato do pagamento do salário e
registrados perante os órgãos fiscalizadores.
De
outro lado, existe a possibilidade de as equipes contratarem os jogadores como
prestadores de serviços, através de Pessoas Jurídicas (PJs) constituídas pelos
atletas. Neste caso as regras serão definidas pelo código Civil nos artigos 593
a 609, modalidade menos custosa, mas extremamente arriscada sob a ótica da
legislação trabalhista, pois pode configurar uma fraude as leis trabalhistas.
Nesta
hipótese, a equipe irá contratar o atleta para que atue em favor do time na
figura de uma empresa prestadora de serviços constituída pelo jogador. A equipe
pagará um valor fixo e não há encargos trabalhistas a serem recolhidos pela
equipe, basta apenas pagar os valores determinados no contrato entre a equipe e
o atleta. Esta contratação é formalizada através de um contrato de prestação de
serviços, onde definirá regras para as atividades e teoricamente não haverá
qualquer vínculo empregatício entre as partes.
Porém,
sabemos que os jogadores precisam de treinamento diário, além de seguir as
regras determinadas pelas equipes. Neste caso, se durante a rotina do dia-a-dia
o jogador reunir os requisitos do vínculo empregatício, este poderá
posteriormente ingressar com uma ação judicial, requerer o reconhecimento do
vínculo e o pagamento de todas as verbas trabalhistas desde o início de sua
relação com a equipe.
Já
a Lei 9.615 ou Lei Pelé é usada com menos frequência para estes casos, uma vez
que na data da elaboração da lei, os esportes eletrônicos não eram definidos ou
reconhecidos como atividade esportiva. Porém, no artigo 3ª, inciso III da Lei Pelé
existe uma definição que pode ser aplicada aos atletas de E-sports:
“Art.
3ª O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações.
Inciso
III – desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta lei e
regras práticas desportiva, nacionais ou internacionais, com a finalidade de
obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de
outras nações.”
Outro
ponto importante é a questão do direito de imagem de atletas. Tema que há muito
tempo vem sendo discutido na Justiça do Trabalho, com o enraizamento de
entendimentos que não condizem com a evolução legislativa sobre o tema e do
desporto em si.
Devido
aos altos valores que esses direitos podem alcançar, muitos times pagam os
direitos de imagem diretamente para uma empresa pertencente ao jogador, que
possui um contrato de trabalho ativo, para não pagar os impostos
necessários. Essa prática muito comum nos esportes de alto rendimento
também vem sendo explorada no E-sports.
Porém,
a luz a legislação, pode ser caracterizada também como fraude a legislação
trabalhista.
A
respeito desse tema, a Lei Pelé sofreu uma nova modificação, trazida pela Lei
nº 13155, de 4 de agosto de 2015, com a inclusão do parágrafo único ao artigo
87-A, com a seguinte redação:
“Quando
houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a
entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho
desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40%
(quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do
salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem.”
Portanto,
pela falta de uma legislação específica, todas essas categorias de contratação
vêm sendo utilizadas para a contratação de atletas de esportes eletrônicos.
Assim, existe a grande necessidade de se avaliar previamente os riscos de cada
modalidade de contratação. E para cada situação deve ser redigido um bom
contrato para segurança jurídica de todos os envolvidos.
Bruno Gallucci - advogado
especialista em Direito Desportivo e do Trabalho e sócio do escritório
Guimarães e Gallucci Advogados
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