Quem mente é mentiroso, não importa a gravidade da mentira. Quem rouba um alfinete e quem rouba um carro são iguais, ambos ladrões. O motivo pelo qual cada um deles praticou o roubo, pode ser diferente tanto quanto serão menor ou maior as penas imputadas pela Justiça. Mas, são dois criminosos. Prevalece o princípio, o caráter, a índole e não o valor do bem roubado. Não há régua nem balança para medir mentira ou roubo.
É também criminoso quem furta sonhos? Sim. E
esse bem é de um valor muito significativo, em especial para os que têm na
esperança o seu último recurso de crença num mundo melhor, mais justo. Assim,
penso que deveríamos ir à Delegacia de Proteção ao Consumidor registrar uma
queixa contra o político que, eleito com o nosso voto conquistado por falsas
promessas, não cumpriu com nada que ofereceu na campanha. E ainda se meteu em
corrupção. Ou seja, propaganda enganosa. Falsidade ideológica. Crimes de lesa
esperança.
Por que os políticos trocam de partido, e com
tanta facilidade? Porque não têm compromissos programáticos, porque não estão
empenhados no cumprimento de um ideário? Estão, é claro, apenas buscando espaço
para melhor exercitar o poder. E, nesses casos, geralmente em proveito próprio.
Há quem, em menos de três décadas, tenha trocado de partido 10 vezes. Qual
seria o compromisso assumido com os eleitores?
Fico muito irritado ao ver a hipocrisia de
alguns quando se espantam com a notícia de que parlamentares foram descobertos
recebendo dinheiro para votar favoravelmente nos projetos do executivo. Ou
recebendo cargos públicos para colocar seus cabos eleitorais que, claro,
trabalharão para atender interesses nada coletivos dos seus padrinhos. Num país
como o nosso, vítima de uma colonização extrativista, o princípio da cidadania,
respeito e amor à pátria são praticamente inexistentes.
E a prova disso está na própria legislação e no
seu cumprimento. Como podem ser sérios os políticos que não têm compromisso de
fidelidade partidária? Homens e mulheres eleitos sem nenhum pacto com as
agremiações que lhes deram a obrigatória legenda para disputar uma cadeira no
parlamento, em qualquer dos três níveis de poder. Neste momento de crise
sanitária, com problemas na compra de vacinas e outros itens necessários para
salvar vidas, são propostos R$ 5,7 bilhões para campanhas políticas e criados
mais ministérios para atender o insaciável apetite fisiologista dos políticos
que, no mais velho estilo "toma lá, dá cá", pressionam o Governo
Federal.
Assim, para a necessária governabilidade, seria
mais importante que a primeira das reformas constitucionais fosse a política.
Como não foi, continuamos experimentando o dissabor de sucessivos escândalos,
da ausência danosa do princípio ético na vida pública nacional. A corrupção é
gerada por um sistema altamente sofisticado, algo científico e que se vale de
um instrumental dinâmico, um movimento de amplitude internacional e sob o
comando de pessoas inteligentes, criativas, organizadas e que empregam
eficientes estratégias.
Corrupção não é episódica ou, até mesmo,
decorrência da desonestidade pessoal do político. É doença, grave, que corrói o
tecido social e mata. Não há outra forma de combater esse mal sistêmico, do que
com a educação. Somente a constante vigilância, o combate firme e a punição
exemplar dos culpados poderão ajudar no estabelecimento de uma consciência
pública contra os corruptos.
O banalizado desperdício de bilhões de dólares
em superfaturamentos de obras, emprego de materiais inadequados, subornos,
desvios de recursos e outras práticas criminosas de roubo do dinheiro público
para fins escusos, é um dos maiores responsáveis pela miséria dos povos latino-americanos.
É a miséria moral causando a miséria física de nossos países condenados ao não
desenvolvimento, ao eterno desequilíbrio social sem desenvolvimento.
O que agora se está tentando apurar nos
escândalos das vacinas são casos de polícia. Temas que devem ser tratados pela
Polícia Federal, pela promotoria pública. As Comissões Parlamentares de
Inquérito, CPIs, são instrumentos de aperfeiçoamento do legislativo e apenas
como tal deveriam ser utilizadas. Roubo é questão de polícia, promotoria e magistratura.
Tomara que a CPI da Covid-19 traga, de fato, resultados que respeitem a
sociedade brasileira.
Que sejam investigadas as denúncias, dado o
direito amplo de defesa aos acusados, realizados os julgamentos e punidos os
culpados. E que acima de tudo, os recursos roubados sejam recuperados e
entregues aos cofres públicos. É insuportável saber que notórios malandros do
colarinho branco, embora presos, continuam com seus milionários bens tomados à
sociedade esperando pela liberdade após o cumprimento da pena.
Chega de corrupção, de impunidade, de
incompetência. Como disse o filósofo alemão Friedrich Nietzsche: "Pessoas
usadas para um empreendimento que deu errado devem ser pagas em dobro". Ou
é resgatada a dívida social com o povo brasileiro, ou devolvam os votos que
elegeram os candidatos das falsas promessas colocando os estelionatários para
fora do poder. Que devolvam o produto do roubo e cumpram pena pelo que fizeram.
Não apenas as mais de 550.000 mil famílias dos mortos pela pandemia, mas todo o
povo brasileiro espera por justiça.
Ricardo Viveiros - jornalista,
escritor e professor. Doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor de vários livros, entre os quais:
"Justiça Seja Feita", "A Vila que Descobriu o Brasil" e
"Pelos Caminhos da Educação".
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