Ao fechar, por se haver revelado inútil, o inquérito dos atos antidemocráticos, o ministro relator abriu imediatamente outro com o mesmo perfil. Não se requer muita experiência e sensibilidade para entender que o ministro e seus colegas se agradaram do escudo protetor de que agora dispõem para coibir manifestações contra atos do poder.
Para justificar a abertura desse novo inquérito, Alexandre de Moraes escreveu
que as investigações “apontaram fortes indícios da existência de uma
organização criminosa voltada a promover diversas condutas para desestabilizar
e, por que não, destruir os Poderes Legislativo e Judiciário a partir de uma
insana lógica de prevalência absoluta de um único poder nas decisões do
Estado”. Não acreditei até ler o mesmo texto, entre aspas, em vários veículos.
Acumulando funções de modo até hoje indisponível a qualquer outro membro do
Poder Judiciário nacional, o ministro relator identifica “indícios” de
“organização criminosa” orientada por “lógica insana” que pretende a
“prevalência de um único poder”. Não sei se isso existe, mas parece pouco
sólida a motivação. Ademais, ao inserir em seu texto uma estranha interrogação
acusatória – “desestabilizar e, por que não, destruir os Poderes Legislativo e
Judiciário” – o ministro viaja na instável canoa da mera suspeita e da
subjetividade.
Tirados os adjetivos e a imagem de “organização criminosa”, sem a qual não
haveria motivo real para qualquer inquérito, o intuito descrito corresponde, em
grande parte, ao que parcela expressiva da sociedade vê como sendo o caminho
para onde o ativismo judicial tantas vezes arrasta a nação.
Nesta mesma pista da história por onde trafegamos, atrás de nós, vem um
caminhão carregado de decisões em que ministros constitucionalizam seu querer e
inconstitucionalizam seu não querer, alardeiam seu caráter “contramajoritário”
e suas aspirações a se tornar Poder Moderador da República, função de Estado
inexistente no nosso gabarito constitucional.
No mesmo caminhão entram, agora:
- o absurdo comportamento de um hacker, tão
curioso quanto consciencioso, que nenhum efeito ou dano causou nas entranhas
dos computadores do TSE,
- os passos desse audacioso, apagados, por descuido,
durante um serviço terceirizado;
- o caráter pouco comum do sigilo
imposto pelo TSE, maior interessado em que o burlesco acontecimento de três
anos atrás não chegasse ao público.
Até que haja sólida motivação para uma reforma institucional promovida com
virtuosas intenções, assim anda e assim andará o Brasil, de crise em crise, de
bolha em bolha, em conflito consigo mesmo, cativo de um sistema político feito
para dar errado.
Percival Puggina - membro da Academia
Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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