As medidas restritivas de direitos que tem sido enunciadas por gestores estaduais e municipais durante a Pandemia da COVID-19 foram objetos de inúmeros questionamentos e até mesmo taxadas por alguns como "medidas ditatoriais".
Nesse sentido, questionou-se, dentre outras providências, a restrição à
circulação de pessoas, a utilização obrigatória de máscaras, o fechamento
temporário de comércios, e, por óbvio, a obrigatoriedade da vacina.
É da natureza humana não gostar de se deparar com limites na sua atuação. Não
por outra razão, todo o sistema que hoje se conhece da separação de poderes
estatais, pensada há vários séculos por diversos filósofos, calcou-se na
necessidade de se estabelecer limites aos poderes, ante a constatação de que
todo aquele que tem o poder tende a dele abusar, se não tiver mecanismos de contenção.
A própria existência da vida em sociedade, baseia-se na abdicação de parcela da
liberdade individual, em prol da segurança que a coletividade proporciona.
Entretanto, embora pareça óbvio que a vida em sociedade pressupõe o sacrifício
de parte da liberdade individual em favor do interesse coletivo, o que não é
novidade em qualquer sociedade civilizada do mundo, ainda persiste uma
perplexidade considerável quanto a este ponto na nossa sociedade, como se pôde
constatar em vários movimento e falas contra as medidas restritivas adotadas na
pandemia.
Neste diapasão, até mesmo integrantes do Poder Legislativo se insurgiram contra
as medidas de contenção à pandemia, mediante a edição proposições legislativas
em sentido contrário, a exemplo do projeto de lei nº 5412, de 2020, que
pretendeu abolir a obrigatoriedade do uso da máscara, ao argumento da
necessidade de preservação dos direitos individuais, ou seja, do livre arbítrio
de cada cidadão, no tocante ao uso ou não da máscara.
Agora, temos uma nova medida que tem sido objeto de críticas por, supostamente,
atentar contra a liberdade individual: o Decreto 60.442, da Prefeitura de São
Paulo, publicada no Diário Oficial da cidade no último dia 07l08, o qual
estabelece que os funcionários de autarquias, fundações e a administração
indireta devem se vacinar contra Covid-19, sob pena de incorrer em faltar
grave, que poderá resultar em aplicação das sanções previstas em leis, como
repreensão, suspensão e, no limite, até mesmo demissão.
O mencionado Decreto do Executivo Estadual tem como suporte legal o artigo 3º
da Lei Federal 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, conhecida como "Lei da
Pandemia", o qual dispõe que:
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as
seguintes medidas:
I - isolamento;
II - quarentena;
III - determinação de realização compulsória de:
(...)
d) vacinação e outras medidas profiláticas. (...)
Quanto ao tema da vacinação, importante frisar a posição do Supremo Tribunal
Federal (STF), no sentido de que, embora o Estado não possa compelir
fisicamente os cidadãos a tomarem a vacina, poderá impor medidas restritivas no
caso de recusas injustificadas. Ou seja, a vacina é obrigatória, mas não é
compulsória.
O dever cívico da vacina, em hipóteses específicas, bem longe de constituir uma
novidade no nosso país e no mundo, é medida que visa a preservar a saúde
coletiva. Dessa forma, o descumprimento da obrigação possibilita a restrição de
direitos individuais, como, por exemplo, matrícula em creches e pré-escolas;
entrada em alguns países e instituições etc.
Na órbita internacional, muito se tem falado nos últimos tempos no
"passaporte da vacina", adotado pelo governo francês, que exigirá um
comprovante da vacinação como requisito para que pessoas adentrem recintos em
que há aglomeração, como museus, bares e restaurantes.
Vislumbra-se, nessa toada, que a medida adotada pelo governo de São Paulo é
assente no Poder de Polícia do Estado, que autoriza a adotar mecanismos de
restrição dos interesses individuais em prol da proteção do interesse coletivo.
Tal medida é também consentânea com a autorização que a própria Lei do
Coronavírus previu como medida de contenção da pandemia. Portanto, não se trata
de medida ditatorial que atenta de forma imotivada contra o exercício dos
direitos individuais dos particulares.
Marilene Matos -
advogada, presidente da Comissão de Direito Administrativo da Associação
Brasileira dos Advogados (ABA) e mestre em Direito Público pelo Instituto
Brasiliense de Direito Público
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