Durante os anos 90, quase acabou
dicionarizada a palavra "cartilhista" muito em voga para designar
certa forma de comunicação utilizada pelo partido que hegemonizava a esquerda
no Brasil. Era admirável! Seus representantes e militantes evidenciavam dispor
de afirmações e respostas prévias para tudo. A unidade do discurso, a
coincidência dos vocábulos e sua incansável repetição como que saíam de uma
cartilha distribuída conforme a necessidade.
Assim
como o castilhismo (palavra que refere o período de domínio de Júlio de
Castilhos na política sul-rio-grandense), o cartilhismo foi muito bem sucedido
como estratégia de comunicação do Partido dos Trabalhadores. Do cartilhismo não
era exigida senão uma tênue verossimilhança, pois seus objetivos eram
alcançados pela repetição. Nunca imaginei, porém, que veria a mesma estratégia
ser usada em poderosos órgãos de imprensa do país, cujos noticiários parecem
saídos de uma só cartilha.
Há meses, a oposição midiática é muito mais operosa do
que a oposição petista.
Foi
assim que, para tomar exemplos atuais, o presidente "participou" dos
atos "contra o Congresso e o STF". No entanto, todos viram as cenas
dessa "participação" e sabem que os atos não foram contra os poderes
de Estado, mas contra membros desses poderes. Separado dos manifestantes por
duas grades de proteção, defronte ao Planalto, o presidente posou para selfies
e apertou mãos.
As
manifestações começaram a ser convocadas após a fala do general Heleno
identificando as chantagens em curso. Seu objetivo era, inequivocamente,
expressar apoio ao presidente. E muitas foram às ruas mesmo depois de
desestimuladas por Bolsonaro.
Alexandre
Garcia, uma referência do jornalismo nacional, no artigo "A urna e a
rua", escreveu:
O presidente pediu para
repensar; governadores proibiram; a mídia ameaçou com contágio. Mas nem o
presidente, os governadores e o coronavírus impediram que multidões ganhassem
as ruas do 15 de março - de carro, moto ou a pé. O que levou tanta gente a esse
desafio, essa rebeldia? Antes de xingar de irresponsáveis os que deixaram suas
casas no domingo, seria bom pensar sobre os motivos que levaram milhões a
correr riscos de saúde, a se insurgir contra ordens de governos e de supostos
condutores de opinião.
O hábito de jogar na
lixeira, sem exame prévio, flagrantes e importantes relações de causa e efeito
só aprofunda o desprestígio de partidos e lideranças políticas. E, mais ainda,
derruba a credibilidade dos meios de comunicação que se assumem como ativíssimos
protagonistas da cena política. Posto que tudo se resume em atacar o
presidente, qualquer coisa serve, até mesmo alguns cartazes, pedindo
intervenção, presentes nas manifestações. E mesmo estes deveriam ser objeto de
análise séria, para entender o que leva cidadãos a perderem a esperança na
democracia. O que fazer para recuperá-la? Que parcela de responsabilidade por
essa perda cabe àqueles que denunciam seus sinais?
Milhões de brasileiros entraram em seus
canais para assistir uma coletiva do presidente e seus ministros envolvidos na
luta contra o coronavírus. Que tipo de pergunta lhe faz a elite das redações,
credenciada junto ao Planalto? Perguntas previamente escritas, tratando de
ridicularias, de máscaras e dos eventos de domingo.
Acima da gravidade do momento está a
guerra ao presidente encetada pela quase totalidade de colunistas e
comentaristas dos grandes veículos. Ainda não analisaram nem digeriram a
reviravolta da cena política nacional em outubro de 2018. Parecem não ver o
ambiente chantagista estabelecido por uma evidente maioria dentro da Câmara dos
Deputados. Não lhes suscitam curiosidade os interesses em torno dos quais se
congregam os 300 votos que o deputado Arthur Lira diz comandar!
Dane-se a nação. O importante é
desestabilizar o presidente para entregar sua cabeça aos "virtuosos
estadistas" do centrão e da oposição, não por acaso a base dos governos
Lula e Dilma.
Percival Puggina - membro da
Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular
do site www.puggina.org, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo;
Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do
grupo Pensar+.
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