O momento atual que estamos vivendo nos permite
observações interessantes acerca do comportamento humano - e o que não dá para
negar é a força social exercida sobre o indivíduo. Primeiro, pelo bombardeio de
informações de fontes diversas, algumas confiáveis, outras nem tanto, mas que
chegam à população com status de verdade e a colocam em um movimento de “barata
tonta”, com a pergunta “corro para onde”? Somos alvejados cotidianamente pelas
posições sensacionalistas daqueles que ou têm em mente o intuito de manipular
as informações, ou por aqueles que estão desesperados e, desenfreadamente,
reproduzem-nas sem buscar conhecer as fontes ou ponderar a lógica do que está
sendo veiculado. E diante disto, que parece um caos, ou melhor, uma “torre de
Babel” com muitas “línguas” sendo faladas ao mesmo tempo, mas não sendo
compreendidas, instala-se um comportamento coletivo de “histeria” (denominariam
alguns colegas), em que sem nem bem saber porque, seguem a “onda”.
Assim tem se apresentado o cenário mediante uma
crise instaurada na saúde, cujas consequências atingem os âmbitos econômico,
cultural, geopolítico, dentre outros. As pessoas mantêm comportamento tanto de
avidez pela informação sobre os trágicos efeitos de uma epidemia (já
pandêmica), como alimentam atitudes de discriminação (preconceitos) em relação
ao que consideram a origem do problema, de egocentrismo na busca da garantia de
seu bem estar em detrimento dos demais (vide as compras desenfreadas, brigas
por artigos de higiene), acirrando as desigualdades sociais tão presentes em
sociedades capitalistas. A saúde, nesse contexto, compreendida como produto, é
o mote da vez: com a corrida em busca da “cura” (vacina ou controle), há nações
que querem chegar antes, sem considerar as outras como seus pares, quase num conflito
armado.
Então podemos questionar para que existem as
crises. Elas representam a possibilidade de ruptura de algo que já estava nos
“trilhos”. Servem para questionar o que aparentemente estava em ordem, ou
deflagram o que já não estava bem (mas ainda estava no escuro). Mesmo que o
momento de ver sob a luz seja dolorido, o conhecimento - ou o reconhecimento -
de que algo não está bem e impele mudanças, também pode ser libertador. Dessa
forma, o que temos visto é a deflagração do que há de mais humano, os processos
de identificação (no sentido de se sentir o mesmo) e de diferenciação (de
comparação e distanciamento), que se apresentam como uma luta por sobrevivência
(para alguns a qualquer preço, pois a civilidade depende de educação social -
precisa ser aprendida para convivência em sociedade). A diferença é de que
nível de sobrevivência estamos falando. Há possibilidade de viver sozinho?
Fazemo-nos pelas relações sociais. Estas nos constituem. Então, se vivo
interações de reconhecimento, consigo exercitar a empatia, a alteridade, com
mais propriedade do que aqueles que foram privados dessa aprendizagem.
Em um sistema que teima ideologicamente em
disseminar a individualidade como ideal a ser conquistado, inibe-se o
“espírito” gregário, de identificação sobre a mesma “natureza” (somos feitos de
sangue e carne, que dói, que chora, que se apaixona...). A quem serve destituir
o valor social de nossa constituição? A um plano de governança que nos quer ver
digladiando, lutando pelo espaço, pela comida, pela água, ao preço de uma
necropolítica, do genocídio, da miséria…
A condição de humanidade precisa ser
conscientemente alvo de aprendizagem, com a proposição da valoração de cada um
no coletivo, e deste manifestando-se em cada eu. A história nos ensina: os processos
grupais são importantes para o movimento das sociedades, tanto na evolução (de
construção de novas tecnologias, de melhorias para qualidade de vida, de
garantia de direitos), como para obstrução do desenvolvimento (ao diferenciar
grupos sociais no acesso a bens, ao não garantir equidade, ao incitar a
violência). A aposta agora pode se dar na produção de condições que valorizem a
solidariedade e a aprendizagem mútua.
Cláudia Cibele Bitdinger
Cobalchini - psicóloga e mestre em Psicologia da Infância e Adolescência pela
UFPR. É supervisora em práticas profissionais em Psicologia Comunitária e
professora do curso de Psicologia da Universidade Positivo.
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