De novo
ambicioso e possivelmente prematuro, cabem algumas reflexões, ainda que básicas
em vários aspectos, sobre o consumidor DC: Depois do Coronavírus, em especial
na nossa realidade.
Temos
em transformação um processo intenso, profundo, amplo, global e local, que
envolve as mudanças que nos foram impostas, ou nos impusemos, decorrentes da
combinação dos efeitos da pandemia causada pelo COVID-19, potencializada pelos
dramáticos reflexos econômico-financeiros, que alteram de forma estrutural o
comportamento dos consumidores.
É
sabido que ao longo do tempo existe um processo natural de amadurecimento e
desenvolvimento dos consumidores por conta das transformações da economia,
tecnologia e da sociedade como um todo. Mas eventos extemporâneos, como
guerras, pandemias, crises econômicas ou disrupção tecnológica intensa, alteram
o ciclo evolutivo natural, precipitam ou alteram comportamentos no momento de
sua ocorrência e geram mudanças estruturais que se incorporam de forma permanente.
Como
contribuição para um pensar mais estratégico sobre essas mudanças
comportamentais, a partir da leitura, observação, análise e a experiência de
termos vivido momentos também intensos em alteração do ciclo evolutivo natural,
listamos alguns temas sobre os quais deveríamos refletir e avaliar seus
impactos em nossas vidas, atividades, relacionamentos, atividade profissional e
negócios. E essa simples ordem na sequência já é indicativa dessas mudanças.
Adiante
começarão a surgir pesquisas que poderão respaldar ou alterar esses pontos
iniciais de reflexão, sempre lembrando que estudos com consumidores no calor do
momento, embutem uma componente emocional que o tempo costuma ajustar, ficando
apenas aquilo que representa a percepção, reação e atitudes do momento.
1) Para o mundo que eu quero descer
– Eis aí um fato que o calor do momento precipita. Muitos tendem a
repensar criticamente seus valores pessoais e em relação à vida, à sociedade,
às atividades sociais, profissionais e empresariais. De forma marcante o
momento precipita um repensar mais profundo sobre o que essas pessoas têm
feito, agido e se sensibilizado e o resultado será um pensamento mais crítico,
cauteloso, consciente sobre temas que passavam como menos relevantes ou
indiferentes. Ao contrário.
Elementos
envolvendo consciência social e comunitária, por exemplo, crescem muito de
importância de forma geral, com a sensibilidade exponenciada pelo momento porém,
passada a turbulência, permanecerão de alguma forma nas atitudes, nos
comportamentos e possivelmente, uma boa parte, gerando ações e percepções sobre
marcas, produtos, pessoas, líderes e negócios com os quais se identificarão
mais ou menos em relação ao período AC – Antes do Coronavírus;
2) Meu espaço, meu mundo, se
tornaram menores – Outro aspecto que deve emergir,
influenciando comportamentos e atitudes, se refere à profunda interconexão de
tudo e todos que se torna flagrante pelas limitações impostas e o convívio
compulsório com a nova realidade. A começar pelo fato, inconteste, que um
problema nascido numa feira de uma província na China se espalhou pelo Mundo e
impõe uma nova ordem sem que praticamente nenhuma região ou população consiga
se isolar do problema maior.
Essa
percepção, em tese, tenderá a ser mais relevante nas novas gerações que tinham
tendência a um comportamento menos coletivo individualmente, ainda que muito
mais sensíveis aos grandes temas coletivos sociais, como Sustentabilidade,
Causa, Propósito e a busca do bem comum;
3) Mais frágil e não tem como negar
– A combinação perniciosa de fatores, liderados pelo COVID-19 e as
reações de toda ordem, algumas mais passionais, mas todas destacando o caráter
compulsório das restrições pessoais e sociais criam um sentimento de
fragilidade individual talvez sem precedentes e talvez só comparável ao
ocorrido em períodos de guerra e convulsões. Esse sentimento ocorre no plano
mais geral e é ainda maior no individual já que as limitações impostas por
cortes, restrições, reduções, ajustes e eliminações envolvendo toda sorte de
temas, criam no indivíduo esse sentimento de maior fragilidade.
Esse
sentimento deve ser percebido e reconhecido, e cabe às organizações, governos e
na própria família, por suas lideranças, apoiar, inspirar e estimular uma
atitude positiva em relação ao difícil quadro geral, sem criar ilusões ou
alienação, mas através de atitudes que envolvam a construção e reconfiguração
de um futuro melhor à frente.
No
processo de reconstrução, ainda que seja quase inevitável uma fragilização
financeira da maioria de negócios e organizações, poderão emergir empresas,
grupos e conceitos mais valorizados por sua competência em administrar a moral,
a atitude e o senso de comprometimento derivados da capacidade de sobreviver a
um período com esse grau de dificuldade. E isso deve ser o tônus que equilibra
esse sentimento individual de fragilidade;
4) Hiperconveniência como novo
paradigma – Era um processo em natural evolução e
resultado da convergência de dois fatores simultaneamente. De um lado as
dificuldades, restrições, segurança e tempo envolvidos em deslocamentos, em
especial nos grandes centros urbanos, que empurravam as pessoas para um
comportamento demandante de maior conveniência, reduzindo especialmente o tempo
e gerando facilidade e racionalidade.
De
outro lado, causa e consequência desse primeiro aspecto, o aumento exponencial
da oferta para atendimento dessa demanda emergente, pela multiplicação de
formatos e negócios mais convenientes, serviços intermediários viabilizadores e
toda uma atitude mais ponderada de que conveniência custa mais do que outras
soluções.
O
crescimento abissal dos serviços de entregas, que vinham sendo estimulados pela
compra de participação de mercado através de fortes investimentos em promoção e
fidelização de consumidores já havia criado uma outra realidade e que, agora,
neste período, tem sido melhor percebida em suas vantagens e desvantagens,
especialmente nesta última pelos atrasos de entregas por conta da elevada
demanda.
E se
num primeiro momento era coisa de cidade grande, espalhou-se agora por cidades
de menor porte e sem dúvida se incorporará de forma marcante, alterando
estruturalmente hábitos e preferências e criando uma nova realidade com suas
inúmeras vantagens e eventuais desvantagens, dentre elas o menor acesso aos
pontos de vendas tradicionais;
5) Menos fidelidade, mais
experimentação – Em outro artigo desta série já havíamos
tratado deste tema, que é também uma aceleração de um processo natural derivado
do aumento exponencial de alternativas para escolha de produtos, marcas,
locais, canais e empresas. O tema aumento das alternativas de escolha foi muito
explorado no livro O Paradoxo da Escolha de Barry Schwartz.
Vínhamos
num processo em que o aumento e promoção da oferta de quase tudo gerava
crescente infidelidade no consumo, como resultado do apelo por tudo que era
ligado ao novo, em especial pelas novas gerações. E o aumento da predisposição
à experimentação é o outro vetor dessa mesma equação.
No presente
cenário, com reflexos significativos no futuro, as contingências impostas pelo
quadro instaurado estão obrigando, ou estimulando, ainda menor fidelidade e
maior abertura para experimentação que, se positiva, ao mesmo tempo em que
estimula a troca, favorece o comportamento mais aberto a ainda mais interessado
na experimentação;
6) Mais razão e menos emoção. Não
tem outra opção – A pressão desmedida a que todos estão
submetidos reflete-se num crescimento inevitável do vetor razão no processo de
avaliação e compras de produtos e serviços. Historicamente, por segmento ou
geografia, existem pesos relativos considerados nos processos de escolhas. Por
exemplo, determinadas regiões por predominância da ascendência europeia com uma
cultura forjada em vetores mais racionais, tem maior peso nas decisões esse
lado da moeda. Em outras, o emocional tende a ter maior peso. E ao longo do
tempo e ao sabor das experiências e do momento, esse processo, do peso relativo
do racional e do emocional, tende a variar, privilegiando um ou outro em termos
relativos.
Mas é
inegável que a extensão e intensidade dos problemas e das situações agora
vivenciados tenderão a marcar o comportamento futuro dos consumidores
impregnando um vetor com maior peso da componente racional por um bom tempo e,
talvez, esmaecendo à medida que a experiência vivida se torne parte da história
individual e coletiva.
Mas a
componente racional estará mais presente de forma inevitável e a comunicação,
os relacionamentos e as propostas, ainda que em temas onde a emoção seja o
fator dominante, como no turismo, produtos e marcas de luxo e outros, deverão
ter uma sustentação mais racional para se adequarem ao comportamento emergente;
7) Foi decisivo, não será esquecido
– Em todos os sentidos. São em períodos de intensa carga
emocional, tensão e pressão que a sensibilidade fica especialmente atenta a
tudo que toca nossas vidas. E as marcas, produtos, serviços, canais, pessoas,
líderes e colegas que possam ser importantes nesse momento, criam um vínculo de
longo prazo que condiciona comportamentos e atitudes com respeito a
preferências e escolhas agora e por muito tempo mais. Por essa razão muitas
empresas nesse período estão sendo cautelosas em oferecer algo que não seja
institucional.
Passado
o momento mais agudo, ficará presente os que foram solidários e apoiaram e os
que tentaram se aproveitar. E isso envolve temas inclusive como empresas que,
aproveitando a alta demanda, aumentam preços para um equivocado benefício
momentâneo. As ações sensíveis e positivas aumentarão o ativo intangível das
empresas, marcas e negócios e, de outro lado, o comportamento mesquinho de
melhoria de vendas e margens em meio ao quadro de absoluto estresse ficará
marcado no longo prazo das relações com as pessoas.
É
líquido e certo que a complexidade do comportamento humano é grande demais
para, ambiciosamente, listar apenas alguns tópicos para reflexão sobre o que
veio para ficar em termos de ações, atitudes, valores, percepções e reações de
consumidores.
Mas é
um ponto de partida, pois se a hipervolatilidade do ambiente já ensejava
atenção plena e constante sobre seus reflexos no comportamento dos
consumidores, ela agora é exponenciada pelas transformações do momento que
determina ainda maior atenção e capacidade de reação.
Tomem
isso como um convite à discussão. O futuro de nossas relações, posicionamento,
comunicação e propostas, passa por tudo isso.
Marcos Gouvêa de Souza - fundador e diretor-geral do Grupo GS& Gouvêa de Souza, membro do IDV – Instituto para o Desenvolvimento do Varejo, do IFB – Instituto Foodservice Brasil, presidente do LIDE Comércio e membro do Ebeltoft Group, aliança global de consultorias especializadas em varejo em mais de 25 países. Publisher da plataforma Mercado & Consumo.
NOTA:
o artigo desta semana também tem o apoio dos
líderes de negócios da Gouvêa que se mobilizaram para compartilhar uma visão do
presente e, principalmente, do futuro do varejo e do consumo como forma de
contribuir com reflexões para apoio de nossos clientes e parceiros.
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