Em dezembro de 2019 a
cidade de Wuhan, situada na região central da China registrou os primeiros
casos de pacientes acometidos por infecção respiratória grave causada por um
novo coronavírus até então desconhecido. Incialmente foi denominado de Novo
Coronavírus 2019 (nCoV-19) e posteriormente o International
Committee on Taxonomy of Viruses, decidiu que o nome deste novo
coronavírus seria Severe Acute Respiratory Syndrome – Related
Coronavirus 2 (SARS-CoV-2)1. Em 11/02/2020 a World
Health Organization (WHO) definiu a nomenclatura oficial para a
“doença” causada por este vírus como Coronavirus Disease-2019 (COVID-19)2.
A rapidez do crescimento global do número de casos dessa infecção levou a WHO a
reconhecê-la como pandemia em 11/03/2020. Reafirmando seu elevado potencial de
disseminação, até 20/03/2020 a COVID-19 contabilizou 234.073 casos
diagnosticados em 167 países, com 9840 óbitos3.
Frente ao crescente
número de casos diagnosticados em outros países longe do epicentro da epidemia,
em 30/01/2020 a WHO declarou alerta global de nível 3 para a COVID-194.
No dia 26/02/2020, o Brasil registrou a primeira infecção pelo SARS-CoV-2, a
qual foi diagnosticada em um paciente do sexo masculino de 61 anos que esteve
na Itália, justamente na região da Lombardia, onde se concentrou a maioria dos
casos da COVID-19 naquele país. Ele residia na cidade de São Paulo e apresentou
quadro de infecção de vias aéreas de moderada intensidade logo após sua chegada
ao Brasil. A infecção foi oficialmente confirmada pelo Instituto Adolfo Lutz,
laboratório oficial responsável por estes diagnósticos no Estado de São Paulo
até aquela data. Este paciente foi controlado em domicílio e está completamente
recuperado na atualidade.
No Brasil o número de
casos vem aumentando de forma alarmante e até a presente data foram confirmados
428 casos desta infecção no Brasil, dos quais mais de 200 no Estado de São
Paulo. Em 17/03/2020 foi divulgado o primeiro óbito decorrente da COVID-19 no
Brasil, ocorrido na cidade de São Paulo e até dia 23/02/2020, quando essa
edição foi enviada à gráfica, foram informados 34 óbitos.
Desde o início da
epidemia em janeiro de 2020, várias estratégias profiláticas foram adotadas
pelo Ministério da Saúde do Brasil para o pronto reconhecimento de possíveis
casos da COVID-19. Também houve a publicação dos dois primeiros Boletins
Epidemiológicos, a instalação do Centro de Operações de Emergência, a
elaboração de protocolo assistencial e o reconhecimento desta infecção como
Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) e nacional
(ESPIN)5,6. Iguais esforços foram verificados nas Secretarias
Estaduais e Municipais de Saúde no país como um todo.
O pico observado na frequência mundial da COVID-19 em 12/02/2020 é o resultado,
em grande parte, de uma alteração na classificação do diagnóstico para a qual
13.332 casos diagnosticados em Wuhan (o epicentro da epidemia por COVID-19)
foram incluídos na estatística geral da epidemia. Estes casos confirmados
clinicamente por febre e alterações radiológicas pulmonares típicas do
acometimento pulmonar (raios-X simples e tomografia) em vez do RT-PCR. O tempo
necessário para a realização de número tão elevado de testes extrapola a
necessidade e a expectativa do diagnóstico neste momento2. Eles
foram relatados como novos casos nesta data mesmo que tenham sido
diagnosticados nos dias e semanas anteriores. No futuro estes casos serão
distribuídos pelo período correto, aguardando apenas que a análise conduzida
pela WHO e do CDC da China seja concluída3.
Agente etiológico
Os coronavírus formam
uma grande família de RNA vírus assim denominados em decorrência das espículas
na sua superfície que lembram uma coroa. Seu espectro fisiopatológico é vasto,
causando desde um resfriado comum até síndromes respiratórias graves7.
Várias epidemias de doenças causadas por coronavírus já foram registradas em
humanos e animais, com gravidade variável e na maioria delas de caráter
limitado geograficamente. Previamente a 2019, duas epidemias de maior gravidade
relacionadas com os coronavírus foram observadas. A primeira delas ocorreu na
China em 2002 e caracterizou-se por um graves infecções respiratórias causada
pelo Severe Acute Respiratory Syndrome – Coronavirus,
sendo nomeado de SARS-CoV8. O segundo pico epidêmico de Síndrome
Respiratória Aguda e Severa causado por um coronavírus ocorreu no Oriente Médio
em 2012 e o vírus foi denominado Middle East Respiratory Syndrome – Coronavirus
(MERS-CoV)9. Como já foi apontado, a COVID-19, cujo epicentro é
Wuhan (China), tem como agente etiológico o SARS-CoV-2.
O SARS-CoV-2 é um RNA vírus pertencente à família coronaviridae e da linhagem C do gênero
Betacoronavirus1,10. Segundo as informações do Centro
de Controle e Prevenção (CDC) de Doenças da China, o SARS-CoV-2 é o resultado
de recombinações virais que lhe facultaram a capacidade de quebrar a barreira
biológica e escapar do ciclo animal-animal e infectar seres humanos
caracterizando uma zoonose que, hipoteticamente, tem o morcego como o
hospedeiro primário11. Entretanto, a transmissão entre humanos é que
potencializa a característica epidêmica destas infecções12, a
exemplo das epidemias causadas pelo SARS-CoV e MERS-CoV8,9.
Período de incubação e transmissão viral
Segundo os CDC13, o período de incubação do SARS-CoV-2 para a
infecção entre humanos varia de 2 a 14 dias. Este tem sido o padrão para o
período de quarentena na maioria das situações onde esta estratégia foi ou está
sendo instituída. As formas mais efetivas de disseminação deste vírus se dá por
meio de secreções e excreções respiratórias veiculadas direta ou indiretamente
por: espirro, tosse, contato pessoal direto ou próximo com pessoa infectada
(< 1-2 metros, sala fechada, sem equipamento de segurança), colocar objeto
contaminado à boca, olhos ou nariz (fômites), levar a mão à boca antes de
higienização adequada principalmente após cumprimentar pessoas infectadas e
tocar em superfícies ou objetos contaminados. Sobre a distância considerada
como de risco para a contaminação por este vírus ainda não existe consenso,
visto que a WHO considera 1 metro, enquanto o Ministério da Saúde e o CDC
consideram 2 metros6,13,14.
Fisiopatologia da infecção pelo SARS-CoV-2
Para que ocorra o
processo de infecção pelo SARS-CoV-2 a proteína S (spike) da
superfície viral precisa ser ativada para ligar-se ao receptor celular de
entrada. O processo de iniciação e ativação da proteína S é mediado por
proteases da célula hospedeira, destacando-se a Transmembrane Protease Serine
2 (TMPRSS2)15. Sabe-se que o receptor da enzima
conversora de angiotensina 2 (ACE2) está ligado ao mecanismo de infecção de
alguns coronavírus, dentre eles o SARS-CoV, responsável pelo pico epidêmico
desta infecção que ocorreu na China em 200216. Com base neste estudo
aventou-se que a COVID-19 pudesse ter mecanismo de infecção análogo, o que já
foi demonstrado. Hoje, já se sabe que o complexo SARS-CoV-2/ S usa com muita
eficiência o ACE2 para entrar nas células, principalmente nas células
pulmonares, correlacionando-se com a disseminação rápida do SARS-CoV -2 entre
humanos17. Saber deste mecanismo da infecção é fundamental para
indicar alvos alternativos de terapia, seja inibindo farmacologicamente os
receptores ACE1/ACE2 ou mesmo inativando a proteína S com anticorpos
monoclonais18.
Definição de quadro suspeito e diagnóstico clínico da COVID-19
Com base nas orientações do CDC e do Ministério da Saúde, o diagnóstico
da infecção pelo SARS-CoV-2 deverá considerar inicialmente as informações
epidemiológicas referentes a viagem para áreas consideradas de risco ou
convivência com pessoa infectada nos últimos 14 dias anteriores ao aparecimento
dos sinais ou sintomas5,13. Cumprindo esta primeira premissa, serão
suspeitas desta infecção pacientes com febre, tosse, dispneia de intensidade
progressiva, dor torácica, sinais de baixa oxigenação por insuficiência
respiratória e choque nos casos de pior evolução6,14. Lembrar do
diagnóstico diferencial com a infecção pelo H1N1. Considerando as variáveis
referidas é possível definir, de forma esquemática, pelo menos três cenários
para considerar um caso como suspeito da infecção, como no quadro 1.
Quadro 1. DEFINIÇÃO DE
CASO DE DOENÇA PELO CORONAVÍRUS 2019 (COVID-19)6
- Caso suspeito
Cenário
1
Viajante
|
Febre
|
+
|
Pelo
menos um sinal ou sintoma respiratório
|
+
|
Histórico
viagem para país transmissão sustentada OU área com transmissão local nos
últimos 14 dias.
|
Tosse, dificuldade para respirar, produção de
escarro, congestão nasal ou conjuntival, dificuldade para deglutir, dor de
garganta, coriza, saturação de O2 < 95%, cianose, batimento de asa de
nariz, tiragem intercostal e dispneia
|
ou
Cenário
2
Contato
próximo
|
Febre
|
+
|
Pelo menos
um sinal ou sintoma respiratório
|
+
|
Histórico
de contato com caso suspeito ou confirmado para COVID-19, nos últimos 14
dias.
|
Tosse,
dificuldade para respirar, produção de escarro, congestão nasal ou
conjuntival, dificuldade para deglutir, dor de garganta, coriza, saturação de
O2 < 95%, cianose, batimento de asa de nariz, tiragem intercostal e
dispneia
|
- Caso provável
Cenário
3
Contato
próximo
|
Febre
|
+
|
Pelo menos
um sinal ou sintoma respiratório.
|
+
|
Histórico
de contato próximo* de caso confirmado em laboratório para o
COVID-19 nos últimos 14 dias anteriores ao aparecimento dos sinais ou
sintomas
|
Tosse,
dispnéia de graus variados; espirros, coriza, batimento das asas nasais, dor
de garganta, odinofagia, entre outros sinais.
|
- Caso confirmado
Cenários
1, 2 e 3
Caso
suspeito ou provável
|
|
#Definição de contato próximo: Contato com
paciente suspeito de infecção pelo COVID-19 a uma distância menor que 2 metros,
em ambiente fechado e sem equipamento de proteção individual (EPI). Este tipo
de contato pode incluir morar, cuidar ou compartilhar área ou sala de espera de
atendimento médico ou ainda ter contato direto com fluidos corporais.
Diagnóstico laboratorial
Até o momento \o diagnóstico definitivo é realizado utilizando métodos
baseados em recursos da biologia molecular, no caso a reação em cadeia da
polimerase em tempo real (RT-PCR)19,20. No Brasil para se considerar
confirmado o caso da infecção COVID-19 será necessário aguardar o diagnóstico
da RT-PCR21.
Segundo a orientação oficial do Ministério da Saúde para estados e
municípios, as amostras de orofaringe e nasofaringe (coletadas por swab ou
lavagem) e aquelas coletadas por lavado brônquico ou bronco-alveolar deverão
ser coletadas até o sétimo dia do aparecimento da doença. As amostras deverão
ser guardadas em geladeira (4 a 8ºC) e deverão ser encaminhadas dentro de
24-48h após a coleta. Nos finais de semana ou feriados prolongados, as amostras
respiratórias deverão ficar guardadas em freezer a (-)70ºC. A embalagem de
transporte das amostras respiratórias deverá seguir os regulamentos de remessa
para Substância Biológica UN3373 Categoria B, contendo gelo6. Estas
amostras deverão ser enviadas para laboratórios oficiais (exames centralizados)21
o que pode retardar o diagnóstico por questões logísticas. Aconselha-se
determinar previamente como se dará o fluxo destas amostras na região de
atuação em que esteja o profissional.
Coleta de mostras para realização do RT-PCR
A OMS recomenda colher escarro, aspirado endotraqueal ou lavado brônquio
alveolar. Caso o paciente não tenha secreções no trato respiratório inferior,
poderão ser colhidos aspirados de secreção de nasofaringe ou swabs
combinados de nasofaringe e orofaringe. O Ministério da Saúde do Brasil
recomenda a coleta de duas amostras que deverão ser encaminhadas para os
laboratórios de referência21. No momento atual da infecção, embora
no estado de São Paulo o Instituto Adolfo Lutz seja a referência outros
laboratórios já receberam treinamento para a realização do teste. As amostras
deverão ser guardadas em geladeira (4 a 8ºC) e deverão ser encaminhadas dentro
de 24-48h após a coleta. Nos finais de semana ou feriados prolongados, as
amostras respiratórias deverão ficar guardadas em freezer a (-)70ºC.
A embalagem de transporte das amostras respiratórias deverá seguir os
regulamentos de remessa para Substância Biológica UN3373 Categoria B, contendo
gelo6.
Precauções6,13,21
As precauções para reduzir o risco de infeção pelo SARS-CoV-2 se dividem
em três grupos: precaução padrão, precaução de contato e precaução
respiratória.
Precaução padrão
- Evitar contato próximo com pessoas apresentando infecções respiratórias agudas;
- Lavar frequentemente as mãos (pelo menos 20 segundos), especialmente após contato direto com pessoas doentes ou com o meio ambiente e antes de se alimentar. Se não tiver água e sabão, use álcool em gel 70%, caso as mãos não tenham sujeira visível;
- Evitar tocar olhos, nariz e boca sem higienizar as mãos;
- Higienizar as mãos após tossir ou espirrar;
- Usar lenço descartável para higiene nasal;
- Cobrir nariz e boca ao espirrar ou tossir;
- Não compartilhar objetos de uso pessoal, como talheres, pratos, copos ou garrafas;
- Manter os ambientes bem ventilados
Precaução de contato
- Luva de procedimento;
- Avental;
- Óculos de proteção
- Degermação de superfícies e materiais contaminadas (álcool, cloro, alguns fenóis, iodóforos e quaternário de amônio).
Precaução respiratória
- Máscara cirúrgica;
- Máscara N95
Ao atender um caso
suspeito da COVID-19, imediatamente deve ser oferecida máscara cirúrgica ao
paciente e o atendimento deve considerar o uso de avental e luvas de
procedimento6. A máscara cirúrgica para o paciente parece ser
suficiente visto que a disseminação viral se faz por gotículas. Na evolução dos
estudos, se for determinado que sua disseminação possa se fazer por partículas
aerossólicas será necessário rever estas orientações e adotar o uso de máscara
N95.
Para o atendimento de
casos confirmados da COVID-19 orienta-se o uso de equipamentos de proteção
individual (EPI) para a equipe, incluindo óculos, avental, gorro e máscara N95.
No entanto, a melhor forma de contenção da epidemia é a higienização das mãos
(água e sabão, álcool gel) e degermação de superfícies e materiais contaminadas
(álcool, cloro, alguns fenóis, iodóforos e
quaternário de amônio)6,14,21.
Notificação à vigilância epidemiológica
Todos os casos suspeitos deverão ser notificados aos serviços de
vigilância de forma imediata às autoridades sanitárias. Para o Estado de São
Paulo, comunicar o Serviço de Controle de Infecção Hospitalar da instituição
durante o expediente ou o Controle de Vigilância Epidemiológica do Estado de
São Paulo nos horários excepcionais através do telefone 0800-555466 ou (11)
3066-8750.
Tratamento
Até o momento, nenhum agente antiviral específico ou imunoterápico (ativo ou
passivo) está disponível para o tratamento da infecção COVID-19. As tentativas
de uso de antirretrovirais, cloroquina, interferon, ribavirina, remdesivir e
inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) ainda não tiveram
determinados seus efeitos sobre o SARS-CoV-2. Alguns deles ainda estão em fase
de experimentação in vitro. O tratamento existente é de suporte e inclui
oferta suplementar de oxigênio e administração de fluidos, com vias e
características que dependem das condições clínicas da pessoa infectada. Casos
de moderada gravidade podem utilizar a via oral, ao passo que para casos mais
graves a via endovenosa torna-se imperativa13. Ressalta-se que é
fundamental lembrar as orientações da WHO no sentido de que as manifestações
clínicas da infecção pelo COVID-19 são parecidas tanto com a pneumonia causada
pelo H1N1 quanto por bactérias atípicas, em alguns casos a opção pelo
tratamento empírico destas afecções torna-se necessário, pelo menos até que o
diagnóstico diferencial seja possível e seguro6,14.
Prognóstico
Segundo as informações
epidemiológicas a taxa de mortalidade do SARS-CoV-2 é de 2,1%, mais baixa do
que os 9,6% referidos para o SARS-COV e os 34% do MERS-CoV22. No
entanto, sua taxa de infectividade parece ser mais elevada do que dos outros
dois vírus aqui apontados.
Aspectos obstétricos e perinatais da infecção causada pelo SARS-CoV-2
Sobre os aspectos obstétricos da infecção COVID-19 é necessário
considerar que esta é uma doença de aparecimento recente, não havendo
conhecimento específico sobre o assunto para a elaboração de protocolos
assistenciais. Em decorrência disto, várias orientações derivam da analogia com
infecções causadas por outros vírus (SARS-CoV, MERS-CoV e H1N1) e tudo que
existir de evidências hoje estará sujeito a modificações a partir da geração de
novos conhecimentos. As infecções causadas pelo SARS-CoV e MERS-CoV foram
limitadas regionalmente, mas os poucos casos obstétricos publicados, apontam a
necessidade de suporte avançado de vida para estas gestantes com severo
comprometimento do prognóstico materno. Todos realçam a importância dos
cuidados com a dispersão do vírus8,9,23,24. A maior
experiência com estas graves infecções respiratórias de etiologia viral no
ciclo gravídico e puerperal foi obtida com o manejo da infecção causada pelo
H1N1. Neste grupo específico a literatura oferece vasto suporte apontando a
gravidade da infecção. A grande diferença é que a eficácia do tratamento
antiviral e da vacina reduziram consideravelmente os desfechos obstétricos
desfavoráveis em todo o planeta. Até o momento, o cuidado pré-natal e
obstétrico projetado para a eventualidade de termos casos de COVID-19 no país
será baseado no conhecimento referente ao H1N1, claro considerando suas
diferenças.
Até o momento existem
três casuísticas publicadas sobre os aspectos obstétricos e perinatais da
COVID-19. A primeira informa sobre a evolução materna e perinatal de pacientes
infectadas pelo SARS-CoV-2 e foi uma avaliação retrospectiva de nove mulheres
que tiveram suas gestações resolvidas em Wuhan-China. Notou-se que as
manifestações clínicas nestas gestantes não foram graves e o prognóstico
materno foi considerado bom. Todas as pacientes não apresentavam outras doenças
previamente à gravidez, mas referiam história clara de exposição a pessoas com
a infecção. A idade variou de 27 a 40 anos e a idade gestacional variou de 36 a
38 semanas. Além de febre e pneumonia, alterações que todas as pacientes
apresentaram, foram observadas complicações como pré-eclâmpsia e alteração de
função hepática (um caso cada). Sobre os resultados perinatais merece destaque
que não houve nenhuma morte fetal, morte neonatal ou asfixia neonatal. Quatro
pacientes tiveram trabalho de parto pré-termo, mas além de 36 semanas
gestacionais. Dois dos quatro recém-nascidos pré-termo tiveram peso ao nascer
menor que 2500g, um deles filho da mãe que apresentou pré-eclâmpsia. Todos os
nove neonatos tiveram índices de Apgar de 1º minuto acima de 8 e Apgar de 5º
minuto acima de 9. Não foi detectado nenhum caso de transmissão vertical do
vírus25.
A segunda casuística, também da China, relata o prognóstico neonatal de
10 crianças nascidas de nove mulheres (uma gestação gemelar). O início dos
sintomas ocorreu antes do parto em quatro casos e em duas os sintomas surgiram
no dia do parto. Em três delas o quadro clínico manifestou-se após o parto. Em
sete delas o parto foi por cesárea, nenhum aparentemente em decorrência da
COVID-9. O prognóstico materno foi considerado bom, com recuperação de todas
elas. Já o prognóstico perinatal não foi tão bom, apesar de não haver nenhuma
criança com Indice de Apgar de 5º minuto menor que 8. A taxa de nascimentos
pré-termo foi elevada e houve morte de um dos neonatos, que nasceu pré-termo e
complicou com hemorragia digestiva. O exame de biologia molecular não confirmou
a presença do SARS-CoV-2 em nehum deles. Os autores fazem a ressalva de que
nesta casuística não houve transmissão vertical, mas o pequeno número de casos
não permite esta conclusão de forma imperativa26.
Finalmente a revisão publicada por Mullins et al., 202032
selecionou 23 estudo somando 32 gestantes e 30 recém-nascidos. As gestantes se
apresentaram assintomáticas em 22% dos casos, entretanto 6% necessitaram de
cuidados de suporte avançado de vida em UTI. A via de parto foi a cesárea em 27
mulheres e 47% dos partos ocorreram abaixo de 36 semanas de gestação. Os
autores informaram que nenhum caso de morte materna foi observado nesta
revisão. Extensa revisão foi publicada por Rasmussen et al (2020), apontando
que até o momento não foi confirmado nenhum caso de transmissão vertical deste
vírus27.
Para o atendimento pré-natal de gestantes sem risco epidemiológico ou clínico para a infecção pelo COVID-19 devem ser orientadas as medidas de precaução padrão que habitualmente já são oferecidas para profilaxia da infecção pelo H1N1. A equipe de saúde deve ser assertiva o suficiente para que estas orientações sejam incorporadas pela gestante, mas não deve promover pânico. Dentre estas orientações salienta-se a higienização das mãos, evitar aglomerações, evitar contato com pessoas febris e com pessoas apresentando quadro de infecção respiratória. Considerar que a higienização das mãos, evitar contato das mãos com boca, nariz ou olhos são as medidas mais efetivas contra a disseminação destas duas infecções5,6,21.
Durante o atendimento de
gestante classificada como “caso suspeito, provável ou confirmado” deve-se
colocar a máscara cirúrgica na gestante e o profissional deverá utilizar
equipamentos de proteção individual (EPI) que inclui máscara, luvas, óculos e
avental6. A necessidade de internação desta gestante dependerá da
detecção dos sinais de gravidade da infecção caracterizado pela queda do estado
geral, taquipneia, dor torácica, baixa saturação de O2 e
rebaixamento do nível de consciência21. Na ausência de sinais de
gravidade a gestante poderá ser submetida a isolamento domiciliar com controle
da temperatura e dos sintomas respiratórios, retornado ao hospital se piora do
quadro clínico. Gestantes com quadro grave de infecção pelo COVID-19 devem ser
tratadas com terapias de suporte, em unidades de terapia intensiva de acordo
com o grau de comprometimento sistêmico. Lembra-se da inexistência de terapia
antiviral específica ou de imunoterapia passiva ou ativa. Segundo orientações
da WHO como as manifestações clínicas da infecção COVID-19 são parecidas tanto
com a pneumonia causada pelo H1N1 quanto por bactérias atípicas, em alguns
casos a opção pelo tratamento empírico destas afecções torna-se necessário,
pelo menos até que o diagnóstico diferencial seja possível e seguro14.
Até o momento não há
nenhuma informação sobre o potencial do SARS-CoV-2 no sentido de causar
malformação fetal. Com o tempo será possível responder esta pergunta com
segurança. Sobre a amamentação natural para as puérperas infectadas pelo
SARS-CoV-2, apesar de não haver consenso, a opinião mais prevalente indica sua liberação
para estas mães. Segundo a WHO, puérperas em bom estado geral devem manter a
amamentação utilizando máscaras de proteção e higienização prévia das mãos. Na
tradução básica desta orientação a justificativa foi que “Considerando os
benefícios da amamentação e o papel insignificante do leite materno na
transmissão de outros vírus respiratórios, a puérpera pode amamentar desde que
as condições clínicas o permitam”14. Outros protocolos de entidades
representativas como o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists
(RCOG)28 e American College of Obstetricians and Gynecologists
(ACOG)29 também concordam com a indicação de manter a amamentação
observando-se os já cuidados referidos.
Se por um lado a WHO
orienta a amamentação por falta de elementos comprovando que o leite materno
possa disseminar o SARS-CoV-2, o CDC Chinês utiliza o argumento de que são
poucos os casos avaliados para se concluir que o leite humano não seja fator de
disseminação para contraindicar este tipo de aleitamento. Sem dúvidas, o
protocolo Chinês é muito mais estrito, afirmando inclusive a indicação de
separação do neonato da mãe além de contraindicarem o aleitamento natural.
Segundo suas orientações para liberar o aleitamento natural só em casos que a
RT-PCR não detecte o SARS-CoV-2 em amostra do leite31. A orientação
do CDC Americano é mais prática e inclui o desejo da puérpera nesta discussão,
considerando sua vontade e sua capacidade de seguir todas as orientações de
higienização e uso de máscara. Para puérperas com saúde mais comprometida e sem
condições de amamentar, eles indicam a ordenha mecânica e oferta do leite da
própria mãe ao recém-nascido31.
Até que dados adicionais sobre o aleitamento natural estejam disponíveis, as
mães que pretendem amamentar e estão suficientemente bem, tomando-se os
cuidados higiênicos não seria um impeditivo para a amamentação. Na fase aguda
da doença se a mãe quer amamentar, mas a equipe sentir-se insegura de liberar o
contato direto, o leite pode ser ordenhado e ofertado ao neonato. Com pacientes
em boas condições de saúde, isto seria perfeitamente adequado e as puérperas
deveriam ser incentivadas a fazê-lo, claro seguindo os cuidados higiênicos e o
uso da máscara materna27.
Apesar do pequeno número
de casos as publicações existentes apontam um curso mais benigno da infecção
COVID-19 em gestantes quando comparado com o SARS-CoV e o MERS-CoV25,26.
Nesta fase da epidemia pouco se sabe sobre a melhor via de parto, considerando
o que seria melhor para a mãe e para o feto. Por analogia com mulheres
infectadas pelo H1N1, CoV-SARS ou CoV-MERS, mulheres em boas condições gerais,
sem restrição respiratória, com taxa de oxigenação elevada podem se beneficiar
do parto vaginal, assim como o feto. No entanto, com restrição respiratória, a
interrupção da gravidez por cesárea, a despeito do risco anestésico, seria a
melhor opção. Neste caso a anestesia seria outro desafio. Certamente a epidemia
em curso na China trará contribuições para padronizar o melhor cuidado a ser
oferecido para as gestantes e puérperas infectadas pelo SARS-CoV-2
As decisões sobre o
parto de emergência e a interrupção da gravidez são desafiadoras e baseadas em
muitos fatores: idade gestacional, idade materna condição e estabilidade fetal.
Consultas com especialistas em obstetrícia, neonatal e terapia intensiva
(dependendo da condição da mãe) serão essenciais14.
Reiteramos o caráter
transitório das informações aqui divulgadas. Alguns dos sites aqui
referenciados apresentam atualização diária globalizando as informações de
forma extremamente efetiva. Deixamos aqui expresso o compromisso e a disposição
de atualizar semanalmente este texto nas plataformas em que for publicado de
forma digital (esta é a segunda revisão do texto). Isto será necessário
pelo menos até que as pesquisas possam achar o caminho efetivo da profilaxia e
ou da cura da infecção causada pelo SARS-CoV-2.
Prof. Dr. Geraldo Duarte1 -
Professor Titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
Profª. Draª. Silvana Maria
Quintana2 - Professora Associada do Departamento de Ginecologia
e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo
Bibliografia
em sogesp.org.br
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