A automedicação é um hábito para 77% dos brasileiros, segundo recente pesquisa do Conselho Federal de Farmácia (CFF). Quase metade (47%) recorre a fármacos sem prescrição médica ao menos uma vez por mês, e 25% o faz todo dia ou pelo menos uma vez por semana.
Quem mais recorre a essa perigosa escolha são as mulheres, que utilizam
medicamentos ao bel prazer uma vez por mês. Os principais influenciadores da
opção por remédio A ou B são familiares, amigos e vizinhos.
O aumento da rigidez na
venda de medicamentos, sobretudo de anti-inflamatórios, parece não ter surtido
uma melhora adequada do quadro. Claro que a situação seria mais grave, caso não
tivéssemos leis para coibir o uso por conta própria.
Mesmo assim, os índices
de automedicação aumentam celeremente, prejudicando tratamentos, agravando
sintomas e piorando quadros clínicos.
Um complicador em
situações do gênero é que o médico nem sempre é informado dos fármacos que o
paciente adotou antes de chegar ao consultório. Fica assim uma brecha para a
interação medicamentosa, que, em distintas oportunidades, possui consequências
catastróficas.
O Brasil é um dos países
que mais consome anti-inflamatórios comercializados sem receita médica no
mundo. São remédios importantes e eficazes, quando administrados por um
especialista, após diagnóstico apurado e preciso.
Tomá-los por impulso,
sem indicação profissional, abre portas para consequências de risco, como
hemorragias do aparelho digestivo, diabetes, insuficiência cardíaca e piora na
função renal e hipertensiva.
É essencial frisar que
há na literatura médica inúmeros registros até de mortes decorrentes da
medicação exagerada.
Lamentavelmente, por
mais que se fale sobre o tema, ainda existe uma carência de informação entre a
população. Isso ocorre em virtude da falta de políticas públicas e do
envolvimento de toda a sociedade em campanhas de conscientização.
Aliás, a imprensa é rara
parceira nesse ponto, levando dados e orientações aos cidadãos. Mas fica um
apelo para que adote essa causa permanentemente, para que possamos alcançar o
maior número possível de pessoas.
É recomendável
igualmente alterações na legislação, para a extensão da exigência de receita
médica a um grupo mais abrangente de fármacos. A Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) precisa mobilizar os atores do setor e a
população nesse debate.
Reduzir os números de
automedicação clamam por outras iniciativas urgentes e responsáveis. É mister
que os pacientes tenham acesso agilizado em hospitais e unidades de saúde, já
que é difícil resistir ao canto de sereia da automedicação em momentos de dor
aguda, só para ficar em um exemplo.
Esclarecer a comunidade
sobre a relevância do parecer do médico é essencial sempre; uma questão que
pode ser solucionada com facilidade pelas autoridades do setor.
Enfim, é fundamental ter
foco. Necessitamos de um sistema de saúde que, na prática, seja tão capaz
quanto o SUS é na teoria. E nesse sentido não podemos deixar de considerar a
queda do nível da relação médico-paciente e a diminuição da competência
profissional, resultado da formação em massa em escolas desqualificadas. São
fatores tão nocivos quanto à automedicação.
No momento em que os
brasileiros tiverem de fato acesso universal e integral à assistência de
qualidade, a automedicação não somente cairá vertiginosamente. Ela terá enfim
seus dias contados.
Antonio Carlos Lopes - presidente da Sociedade Brasileira De Clínica Médica
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