O Tempo
O
Congresso Nacional prepara-se para saltar da responsável aprovação do teto nos
gastos públicos para a irresponsável aprovação do desvio de bilhões, com o
objetivo de financiar as campanhas eleitorais no próximo ano. Um dia,
preocupado, o povo vê o presidente da República dizer que o Brasil sofre a
falência dos serviços públicos por falta de dinheiro. No outro, perplexo, vê
uma proposta de que haverá dinheiro para financiar campanha milionária: R$ 2
milhões por cada eleito – deputados federais e estaduais, governadores,
presidente – cerca de R$ 30 pagos por cada eleitor.
Ao
assistir a estes dois fatos: falta de dinheiro para os serviços e dinheiro
sobrando para as eleições, o povo desacredita ainda mais de seus governantes,
sobretudo depois do reconhecimento de um déficit de R$ 159 bilhões em 2017. A
oposição também fica desacreditada ao tratar o povo como se ele não soubesse
que esse déficit foi provocado sobretudo pela irresponsabilidade de seu período
no governo.
CINISMO –
Chega a ser cínica a afirmação de que este custo das eleições é pequeno, quando
sabemos que seria suficiente para enfrentar as dificuldades de nossa ciência e
tecnologia, por exemplo. Também é cinismo dizer que a democracia exige esses
gastos, sem levar em conta que nossas eleições estão entre as mais caras do
mundo. Ou, ainda, ao dizerem que o recurso sairá das emendas parlamentares,
quando esse dinheiro é pago pelo contribuinte, e as emendas são dirigidas para
atender necessidades da população. Graças ao teto dos gastos, o povo sabe que o
dinheiro é curto e será tomado dele para financiar as campanhas, caracterizando
corrupção nas prioridades.
É
uma vergonha dizer que esse gasto é necessário para fortalecer a democracia:
não há democracia sem políticos com credibilidade e não há credibilidade em um
Parlamento cujos membros um dia aprovam um necessário teto de gastos, e no
outro continuam fazendo uma das mais caras eleições do mundo, sem dar exemplos
próprios de austeridade. O Congresso devia determinar medidas que reduzissem o
custo das campanhas e que elas fossem financiadas pelos filiados e
simpatizantes dos partidos e dos candidatos.
DAR EXEMPLOS – Além dos elevados gastos de campanha, o governo
precisa dar exemplos: acabando com remunerações acima do já elevado teto
salarial equivalente a 35 vezes o salário mínimo do trabalhador; determinando
que nenhum de seus dirigentes acumule salários, como aposentadorias; acabando
com mordomias e subsídios pessoais. São gestos que têm pouco impacto fiscal,
mas um imenso impacto moral.
O
Brasil não vai superar sua crise se seus dirigentes não derem o exemplo. E os
políticos estão na contramão ao apresentar uma proposta de reforma política
que, além de piorar o maldito sistema atual, desvia recursos públicos para
campanha eleitoral.
Pior
que o déficit fiscal é o déficit moral. E esta reforma eleitoral está ampliando
essa escassez e comprometendo nossa democracia, no lugar de fortalecê-la.
Cristovam
Buarque
Fonte: Tribuna da Internet
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