Dia de Luta pela legalização e descriminalização
do aborto
Enquanto
países como o Chile comemoram recentes avanços sobre o tema, no Brasil a data
será lembrada por constantes tentativas de retrocesso na legislação
Mais uma vez nos aproximamos do 28 de setembro,
Dia de Luta Latino Americano e Caribenho pela legalização e descriminalização
do aborto. Instituída no 5° Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho,
realizado na Argentina, na década de 1990, a data será lembrada de maneiras
bastante diferentes no Brasil e nos demais países da América Latina. Entre
nossos vizinhos, Cuba, Guiana, Guiana Francesa, Porto Rico, Uruguai e a capital
do México já legalizaram o aborto. No Chile, também vale comemorar a data após
a aprovação, ocorrida há cerca de um mês, do projeto de lei que descriminaliza
o aborto nos casos de risco de vida para a gestante, inviabilidade fetal ou
estupro.
Enquanto isso, no Brasil, além de contarmos com
uma das leis mais rígidas em relação ao aborto no mundo, vivemos o receio de um
retrocesso a qualquer instante. Diversos projetos de Lei ou de Emendas
Constitucionais seguem tramitando no Congresso Nacional para dificultar ainda
mais o acesso da mulher ao aborto seguro.
Para o Dr. Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de
Estudos sobre o Aborto (GEA) e membro da Comissão de Violência Sexual e
Interrupção da Gestação Prevista por Lei da Federação Brasileira das
Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), é preciso lembrar que a
preservação da vida e da saúde das mulheres deve ser prioridade neste debate.
"O crescente aumento na realização de abortos
inseguros em todos os países nos quais o procedimento ainda é proibido
demonstra que não há Estado ou lei que possa obrigar uma mulher a ter um filho
indesejado. A tentativa de interferência em uma questão tão particular tem
levado mulheres à morte diariamente. Ainda que tenhamos ponderações, valores
éticos e morais próprios sobre o tema, é um desrespeito à mulher considerar que
a decisão de interromper uma gravidez venha a ser uma irresponsabilidade
quando, na verdade, ela está colocando sua vida em risco. Quando ela decide por
não dar continuidade à gravidez, independentemente do motivo, ela deve ser
acolhida, e não penalizada".
Infelizmente, nem mesmo no aborto nos casos já
previstos por lei as mulheres têm tido tranquilidade para decidir o futuro de
sua vida e seu corpo, lembra o especialista.
"Nos casos de gravidez de feto anencéfalo,
naquelas decorrentes de um estupro, ou quando há risco de vida para a gestante,
a assistência pode ser muito precária ou até inexistentente na maioria dos
municípios do Brasil."
Projetos em tramitação
O PL 478, de 2007, mais conhecido como Estatuto do
Nascituro, por exemplo, se aprovado, transformaria o aborto em crime hediondo,
eliminando até mesmo a possibilidade da interrupção da gravidez nestes poucos
casos hoje permitidos. Aprovado pela Comissão de Seguridade Social e
Família/CSSF, da Câmara dos Deputados, e pela Comissão de Finanças e
Tributação/CFT, já passou pela Comissão de Constituição e Justiça e também de
Cidadania/CCJC, de onde foi redistribuído para análise de mérito na Comissão de
Defesa dos Direitos da Mulher/CMULHER, na qual aguarda designação de relatoria.
Outro projeto que merece atenção é o PL 5069, de
2013, que tem como autor o ex-deputado Eduardo Cunha, atualmente preso por
corrupção. O texto amplia a tipificação do crime de aborto e retrocede direitos
já adquiridos sobre atendimento às vítimas de violência sexual. O PL tramitou
na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania/CCJC da Câmara dos Deputados,
na qual recebeu de seu relator parecer pela aprovação da matéria em 2015. Desde
então, encontra-se pronto para ser pautado no Plenário da Câmara, de onde deve
seguir para o Senado.
Também de autoria de Eduardo Cunha, a PEC 164, de
2012, altera a introdução do artigo 5º da Constituição Federal para estabelecer
a "inviolabilidade do direito à vida desde a concepção".
Encaminhado para a CCJC da Câmara Federal, foi desarquivado no início de 2015 e
desde então aguarda parecer de seu relator. No final de 2016, em resposta ao
voto favorável à descriminalização do aborto pelo ministro do STF Luis Roberto
Barroso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ameaçou criar uma Comissão
Especial para avaliar esta PEC. Vale destacar que, como a matéria ainda não foi
votada pela CCJC, a PEC não pode ser objeto de Comissão Especial.
Semelhante à PEC 164/2012, a PEC 29, de 2015, que
tem entre seus autores o senador Magno Malta, também sugere alterar a
introdução do artigo 5º da Constituição Federal, incluindo o termo 'desde a
concepção' ao estabelecer a inviolabilidade do direito à vida. Após receber de
seu relator, em maio último, parecer pela aprovação, o projeto encontra-se na
Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Como no Senado não existe a regra de constituir
comissões especiais para análise de PEC, apenas a CCJ e o Plenário se
manifestarão, fazendo com que este rito seja provavelmente mais rápido que na
Câmara. Ou seja, a qualquer momento a matéria pode entrar na pauta do Senado e,
se aprovada, será apensada à PEC 164 na Câmara.
Para o Dr.
Thomaz Gollop, "a penalização da mulher que deseja interromper sua
gravidez é um grande absurdo em qualquer circunstância. Retroceder um direito
já conquistado, então, é inadmissível. Vale considerar, ainda, que grande parte
da população e certamente muitos deputados e senadores pouco conhecem sobre
dados de saúde pública referentes ao aborto inseguro"
Lobo em pele de cordeiro
Entre todos estes projetos, há algumas situações
que podem confundir a população e também os parlamentares. Aparentando trazer
propostas de aceitação praticamente unânime, algumas PEC contém emendas
bastante controversas, inseridas sorrateiramente por meio de manobras, com o
intuito de obter aprovação junto dos textos principais. É, provavelmente, o
caso do PEC 58, de 2011, que propõe estender a licença maternidade nos casos de
nascimento prematuro, pelo tempo em que o recém-nascido permanecer internado.
A proposta, em princípio totalmente benéfica à
mulher e à criança, recebeu posteriormente uma emenda a respeito da tutela do
Estado sobre o embrião, tornando-o sujeito de direito igual a qualquer pessoa
nascida viva e, assim, novamente, levando à possível penalização da mulher em
caso de interrupção da gravidez.
Esta PEC, hoje, vem sendo avaliada junto a outros
projetos a ela apensados, como a PEC 181, de 2015. Em novembro de 2016, o
Plenário, sob a presidência de Rodrigo Maia, criou uma Comissão Especial para
sua avaliação, obtendo aprovação de vários requerimentos de audiências
públicas.
Código penal brasileiro
Estima-se que haja, no
Brasil, cerca de 300 mortes maternas por ano em função do aborto inseguro,
sendo ele a quinta causa de mortalidade materna no país e a primeira em
Salvador. Este número certamente aumentaria ainda mais caso as mulheres, que
atualmente têm amparo legal para realizar o procedimento no SUS, passassem a
recorrer às clínicas clandestinas.
Finalmente, vale lembrar
que a criminalização do aborto condenando as mulheres que a ele recorrem a
penas de 1 a 3 anos é ineficaz. Felizmente, muito raramente mulheres vão para a
cadeia em função de abortos inseguros. Contudo, o estigma de ter uma passagem
criminal acompanha a mulher por toda a sua vida.
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