Neste Setembro Amarelo, campanha digital alerta sobre a
depressão e a possibilidade de prevenir essas mortes
Se por um lado as discussões relacionadas ao suicídio vêm
ganhando mais espaço na sociedade e no âmbito da ficção, ainda é preciso
avançar no entendimento dos aspectos médicos diretamente relacionados a esse
problema. Mais de 90% dos casos de suicídio estão associados a distúrbios
mentais, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). E os transtornos de
humor, entre os quais se destaca a depressão, representam o diagnóstico mais
frequente nesses casos, presente em 36% das vítimas. Também estão relacionados
ao problema a dependência de álcool (em 23% dos casos), esquizofrenia (14%) e
transtornos de personalidade (10%).
“Muitos acreditam que o suicídio resulta de uma escolha livre,
como um exercício da liberdade entre escolher a vida ou a morte. Mas, na verdade,
em quase 100% dos casos ele está associado a uma doença mental. Os dados da OMS
mostram, por exemplo, que em apenas 3,2% dos casos não foi possível identificar
um diagnóstico preciso entre as vítimas. Esses transtornos mentais alteram a
percepção da realidade e podem interferir no livre-arbítrio”, afirma o
psiquiatra José Alberto Del Porto, pós-doutor pela University of Illinois at
Chicago (EUA) e professor-titular da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp).
Setembro Amarelo
Para desmistificar o assunto, desde 2014 o Brasil participa da
campanha mundial Setembro Amarelo, com foco no Dia Mundial de Prevenção do
Suicídio, celebrado no próximo dia 10. Neste ano, considerando a estreita
relação do problema com os quadros depressivos, a Pfizer firmou uma parceria
com o Centro de Valorização da Vida (CVV) para desenvolver uma ação digital de
conscientização sobre a doença. Por meio de um videocase criativo e vinculado
ao universo do teatro, que será disseminado a partir da hashtag
#naoesotristeza, a ideia é desconstruir os estereótipos associados à depressão,
esclarecendo que se trata de uma doença complexa e reconhecida pela OMS, que apresenta vários componentes biológicos e
deve ser tratada adequadamente.
“Considerando a relação entre os transtornos mentais e o suicídio,
o diagnóstico precoce dessas doenças deve ser a prioridade. E desmistificar o
assunto, aumentando o debate e encorajando as pessoas na busca por auxílio
médico, é uma forma de contribuir com toda a sociedade”, afirma o diretor médico
da Pfizer, Eurico Correia. “Vale destacar que estamos
falando de doenças para as quais existe tratamento, o que significa que o
suicídio, em grande parte, pode ser prevenido a partir da adoção de medidas
adequadas”, complementa.
Presidente do CVV, Robert Paris destaca a importância do suporte
social a esses pacientes. “O apoio emocional e o estimulo à inclusão em grupos
e vivências sociais que valorizem a pessoa são fundamentais”, afirma.
Reconhecido pelo Ministério da Saúde, o CVV presta um serviço gratuito de
prevenção do suicídio. A equipe de voluntários fica disponível para acolher e
atender qualquer pessoa que busque apoio emocional, sempre de forma sigilosa,
seja de forma presencial, em algum posto do CVV, ou por telefone (141) e canais
da instituição na internet (chat, skype e e-mail), que podem ser acessados por
meio do site http://www.cvv.org.br/.
Perfil
Ainda que a prevalência da depressão seja maior nas mulheres em
relação ao público masculino¹, o suicídio é muito mais comum entre os homens em
todo o mundo. No Brasil, um estudo sobre a mortalidade por suicídio no
Estado de São Paulo, realizado pela Fundação Seade, reforça esse perfil. O
trabalho, que levou em conta as certidões de óbitos dos Cartórios de Registro
Civil de todos os municípios paulistas, aponta que 80% das vítimas de suicídio
ao longo biênio 2013-2014 eram homens e que 72,3% deles tinham entre 15 e 64
anos de idade.
A literatura médica² relaciona alguns fatores considerados
protetores para as mulheres em relação ao suicídio, como taxas menores de
dependência de álcool, religiosidade mais pronunciada, maior propensão a buscar
ajuda em momentos de crise, percepção precoce dos sinais de depressão e
participação mais ativa em redes de apoio social. “Já os homens, em geral,
expõem-se mais a mortes violentas, como o suicídio. E isso ocorre tanto por
razões culturais como pelo fato de geralmente apresentarem mais fatores de
risco, entre eles o alcoolismo e o uso de substâncias psicoativas”, comenta Del
Porto.
Sob o ponto de vista cultural, o médico destaca outras
especificidades do comportamento masculino que podem estar relacionadas às
taxas elevadas de suicídio nesse público. “Os homens, de fato, sofrem mais
pressão para que se mostrem fortes e tendem a procurar menos ajuda do que as
mulheres. Além disso, sofrem mais com alguns estressores sociais, a exemplo do
desemprego, das instabilidades econômicas e da perda do “status” social”,
afirma o psiquiatra. “Vale destacar, contudo, que o suicídio é a consequência
final de um processo e não deve ser atribuído, como muitas vezes se faz, a
fatores desencadeantes imediatos, como uma perda recente, por exemplo”,
complementa.
Embora os homens sejam mais propensos ao suicídio do que as
mulheres, há outros fatores de risco relacionados ao problema, como um
histórico familiar para a doença, poucos vínculos sociais e solidão, além de
desemprego, traumas e episódios de abuso ou maus-tratos na infância, bem como a
presença de doenças clínicas não psiquiátricas, entre elas câncer, aids,
enfermidades neurológicas e reumáticas. “Tentativas prévias de suicídio também
devem ser consideradas nesse contexto. Cerca de 50% das vítimas de suicídio
fizeram ao menos uma tentativa anterior”, afirma Del Porto.
Sazonalidade
Os meses mais quentes do ano, sobretudo o início da primavera,
em setembro, são aqueles que registram o maior número de casos de suicídio,
segundo o estudo da Fundação Seade. Trata-se de um padrão já observado em
outros países, a partir de estudos americanos e europeus³. A literatura médica
aponta algumas hipóteses para esse cenário, como o fato de a vida social ser,
geralmente, mais intensa nos meses mais quentes, o que poderia desencadear
situações de estresse em pessoas com depressão. Alguns estudos sugerem ainda
que a exposição à luz solar, mais intensa no calor, poderia interferir nos
níveis do neurotransmissor serotonina, impactando os comportamentos e as
emoções, especialmente no que se refere à impulsividade e à agressividade4
5.
Em outra frente, alguns psiquiatras discutem a “teoria das
promessas quebradas”6 como forma de justificar a sazonalidade dos
casos de suicídio, sugerindo que a primavera, feriados e fins de semana
promovem uma expectativa de acontecimentos agradáveis – que, na prática, nem
sempre se concretizam, o que teria um forte impacto para indivíduos
vulneráveis. Essa hipótese também é utilizada para explicar a concentração de
casos aos domingos e segundas-feiras. No estudo da Fundação Seade, por exemplo,
32% dos casos foram registrados nesses dois dias. Globalmente, grande parte dos
estudos internacionais aponta a segunda-feira como o dia com a maior
concentração de óbitos relacionados ao suicídio7.
Saúde pública
A cada ano, são registrados no mundo cerca de 800 mil casos de
suicídio, que já é considerado a segunda principal causa de morte entre jovens
de 15 a 29 anos, segundo a OMS. De acordo com a entidade, o Brasil é o
oitavo país do mundo em número de suicídios, com uma média de 5,8 casos a cada
100 mil habitantes. “Estamos diante de um verdadeiro problema de saúde pública,
mas a prevenção não se limita à rede de saúde e deve levar em consideração
aspectos biológicos, psicológicos, políticos, sociais e culturais, de forma que
o indivíduo seja considerado como um todo em sua complexidade”, afirma Del
Porto.
Na avaliação do psiquiatra, é preciso estimular um debate aberto
sobre o tema, que ainda é tratado como tabu até mesmo entre os médicos.
“Teme-se, muitas vezes, perguntar ao paciente sobre assuntos relacionados ao
suicídio por pensar que a simples pergunta poderia sugerir a ele ideias de
morte. Mas, na verdade, abrir espaço para o paciente falar sobre o tema poderá,
muitas vezes, prevenir o problema. Perguntas mais genéricas sobre as
perspectivas de vida e os planos desse indivíduo para o futuro podem ajudar a
introduzir a temática com leveza”, conclui.
Referências
1
BAPTISTA, Makilim Nunes;
BAPTISTA, Adriana Said Daher e OLIVEIRA, Maria das Graças de.
Depressão e gênero: por que as mulheres deprimem mais que os homens?. 1999,
vol.7, n.2
2
Qin P, Agerbo E, Westergard-Nielsen N, et al. Gender differences in risk
factors for suicide in Denmark. Br J Psychiatry 2000;177:546-550.
3
GABENNESCH, H. When Promises Fail: A Theory of Temporal Fluctuations in
Suicide. Social Forces Journal, Oxford University Press, n. 67, 1988.
4
LAMBERT, G.W. et al. Effect of sunlight and season on serotonin turnover
in the brain. The Lancet, London, v. 360, n. 9.348, p. 1.840-1.842, Dec. 2002.
5
DE VRIESE, S.R.; CHRISTOPHE, A.B.; MAES, M. In humans, the seasonal
variation in poly-unsaturated fatty acids is related to the seasonal variation
in violent suicide and serotonergic markers of violent suicide. Prostaglandins,
Leukot Essent Fatty Acids (PLEFA-Journal), Belgium, v. 71, 2004.
6
GABENNESCH, H. When Promises Fail: A Theory of Temporal Fluctuations in
Suicide. Social Forces Journal, Oxford University Press, n. 67, 1988.
7
BANDO, D.H. Sazonalidade,
efemérides e a mortalidade por doença coronariana, AVC, insuficiência cardíaca,
acidente de transporte, suicídio e homicídio na cidade de São Paulo, 1996 a
2009. 106 f. Tese (Doutorado em Ciências) – Faculdade de Medicina, USP, São
Paulo, 2012.
Pfizer
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