O
início do segundo mandato de Dilma Rousseff trouxe à tona um primeiro choque: o
de realidade. A realidade do país e a situação das contas públicas se mostram
bem distintas daquelas apresentadas na campanha, ao sabor da genialidade dos
marqueteiros bem remunerados.
Foi
por isso que o carnaval foi entendido como uma parada estratégica no jogo da
política e um respiro para o governo (que teve seu candidato à presidência da
Câmara dos Deputados fragorosamente derrotado pouco antes das festivas). Depois
deste hiato carnavalesco os atores políticos e a mídia aguardavam a paulatina
introdução de uma agenda positiva por parte do governo, objetivando, por
exemplo, a melhoria da popularidade da Presidente. E, depois de quase dois
meses de silêncio sepulcral, eis que Dilma resolve falar e, por inverossímil
que possa parecer, trata da atual crise dos desvios da Petrobrás afirmando que
se, nos idos da década de 1990, o governo FHC (Fernando Henrique Cardoso)
tivesse investigado os “malfeitos” não teríamos, hodiernamente, um quadro de
enorme gravidade. FHC respondeu duramente à Presidente e afirmou que tática de
Dilma é mesma do punguista que bate a carteira e grita “pega ladrão”. As rusgas
do PT com FHC são velhas conhecidas da cena política brasileira. Lula, tão logo
assumiu seu mandato (na transição mais civilizada que tivemos notícia em nossa
república), afirmou ter recebido uma “herança maldita” do governo tucano
(1994-2002). A expressão carrega, em seu bojo, não apenas a falsidade
histórica, mas, também, uma dupla maledicência: só se recebe herança de quem já
morreu e, geralmente, a herança, por menor que seja, é boa, nunca maldita.
Houve, simbolicamente, o desejo de eliminar FHC e caracterizar o seu governo
como nefasto para nosso país.
Hoje,
tendo a crer que a expressão “herança maldita” não foi uma construção
metafórica feita por Lula ou seus asseclas políticos, mas obra da engenharia de
marketing político que tem conduzido parte considerável dos discursos e das
decisões políticas do PT, sempre com um projeto mais voltado à manutenção do
poder do que nos aspectos republicanos e democráticos da atividade política no
seio do Estado.
O
governo FHC deixou um país estabilizado e com uma moeda forte, o Real, essa é
sua marca. Lula também deixou sua marca: o incremento dos programas sociais
(Bolsa Família à frente) e a diminuição da pobreza. E Dilma? Não conseguiu
imprimir nenhuma marca para o seu primeiro governo. Nada. Foi, neste sentido,
que a propaganda na última eleição não tratou dos últimos quatro anos, mas sim
dos últimos 12 anos (oito de Lula e quatro dela). Os problemas - todos eles -
foram herdados, uma, como já sabemos, “herança maldita”. Deu certo! Até mesmo
os candidatos do PSDB acabaram, noutros pleitos, escondendo FHC. Em 2014,
contudo, Aécio Neves resgatou a memória do governo FHC e não se omitiu de
debater quando se buscou ligá-lo ao ex-presidente tucano.
Nos
dias que correm cá está, novamente, FHC! Então, pelo que se depreende da fala
de Dilma acerca do Petrolão: “a culpa foi do FHC”, de seu governo. Com senso de
humor, milhares de usuários das redes sociais ironizaram as afirmações
presidenciais e colocaram FHC como culpado de muitas ações: desde oferecer o
fruto proibido a Adão e Eva até os atentados às Torres Gêmeas, em 2001. São
centenas de montagens tendo o “culpado” FHC. Foi-se o carnaval, mas o governo
insiste em continuar na folia, ao menos no que tange ao discurso político e sua
comunicação com a sociedade.
Rodrigo Augusto Prando - professor de sociologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui Graduação em Ciências Sociais (1999), mestrado em Sociologia (2003) e doutorado em Sociologia (2009) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
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