quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A política pós-carnaval: fim ou continuidade da folia?




O início do segundo mandato de Dilma Rousseff trouxe à tona um primeiro choque: o de realidade. A realidade do país e a situação das contas públicas se mostram bem distintas daquelas apresentadas na campanha, ao sabor da genialidade dos marqueteiros bem remunerados.

Foi por isso que o carnaval foi entendido como uma parada estratégica no jogo da política e um respiro para o governo (que teve seu candidato à presidência da Câmara dos Deputados fragorosamente derrotado pouco antes das festivas). Depois deste hiato carnavalesco os atores políticos e a mídia aguardavam a paulatina introdução de uma agenda positiva por parte do governo, objetivando, por exemplo, a melhoria da popularidade da Presidente. E, depois de quase dois meses de silêncio sepulcral, eis que Dilma resolve falar e, por inverossímil que possa parecer, trata da atual crise dos desvios da Petrobrás afirmando que se, nos idos da década de 1990, o governo FHC (Fernando Henrique Cardoso) tivesse investigado os “malfeitos” não teríamos, hodiernamente, um quadro de enorme gravidade. FHC respondeu duramente à Presidente e afirmou que tática de Dilma é mesma do punguista que bate a carteira e grita “pega ladrão”. As rusgas do PT com FHC são velhas conhecidas da cena política brasileira. Lula, tão logo assumiu seu mandato (na transição mais civilizada que tivemos notícia em nossa república), afirmou ter recebido uma “herança maldita” do governo tucano (1994-2002). A expressão carrega, em seu bojo, não apenas a falsidade histórica, mas, também, uma dupla maledicência: só se recebe herança de quem já morreu e, geralmente, a herança, por menor que seja, é boa, nunca maldita. Houve, simbolicamente, o desejo de eliminar FHC e caracterizar o seu governo como nefasto para nosso país.

Hoje, tendo a crer que a expressão “herança maldita” não foi uma construção metafórica feita por Lula ou seus asseclas políticos, mas obra da engenharia de marketing político que tem conduzido parte considerável dos discursos e das decisões políticas do PT, sempre com um projeto mais voltado à manutenção do poder do que nos aspectos republicanos e democráticos da atividade política no seio do Estado.

O governo FHC deixou um país estabilizado e com uma moeda forte, o Real, essa é sua marca. Lula também deixou sua marca: o incremento dos programas sociais (Bolsa Família à frente) e a diminuição da pobreza. E Dilma? Não conseguiu imprimir nenhuma marca para o seu primeiro governo. Nada. Foi, neste sentido, que a propaganda na última eleição não tratou dos últimos quatro anos, mas sim dos últimos 12 anos (oito de Lula e quatro dela). Os problemas - todos eles - foram herdados, uma, como já sabemos, “herança maldita”. Deu certo! Até mesmo os candidatos do PSDB acabaram, noutros pleitos, escondendo FHC. Em 2014, contudo, Aécio Neves resgatou a memória do governo FHC e não se omitiu de debater quando se buscou ligá-lo ao ex-presidente tucano.

Nos dias que correm cá está, novamente, FHC! Então, pelo que se depreende da fala de Dilma acerca do Petrolão: “a culpa foi do FHC”, de seu governo. Com senso de humor, milhares de usuários das redes sociais ironizaram as afirmações presidenciais e colocaram FHC como culpado de muitas ações: desde oferecer o fruto proibido a Adão e Eva até os atentados às Torres Gêmeas, em 2001. São centenas de montagens tendo o “culpado” FHC. Foi-se o carnaval, mas o governo insiste em continuar na folia, ao menos no que tange ao discurso político e sua comunicação com a sociedade.


Rodrigo Augusto Prando  - professor de sociologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui Graduação em Ciências Sociais (1999), mestrado em Sociologia (2003) e doutorado em Sociologia (2009) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.

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