O descomissionamento de instalações petrolíferas
consiste em tornar o local de operação o mais próximo possível do seu estado
original e em condições adequadas de segurança. Ou seja, abrange desde um
conjunto de atividades associadas à interrupção definitiva da operação das
instalações até o abandono permanente e arrasamento de poços – incluindo a
remoção de instalações, a destinação adequada de materiais, resíduos e rejeitos
e, o mais importante, a recuperação ambiental da área em questão.
Quando a produção de hidrocarbonetos se torna
economicamente inviável, o processo de abandono controlado e monitorado das
instalações é inevitável. De fato, esta é uma decisão extremamente importante
que envolve o operador das instalações e seus associados, bem como o estado. A
agência reguladora da atividade produtiva e órgãos de proteção ao meio ambiente
regulam e fiscalizam todo o processo, que tem como preocupação maior garantir a
preservação e a segurança operacional. Neste processo, são necessárias
garantias financeiras, inúmeros estudos e diversas etapas para mitigar os riscos
de acidentes.
Importante destacar que um projeto de
descomissionamento pode ocorrer ao longo de vários anos e, como já mencionado,
requer a mobilização de recursos logísticos, financeiros e administrativos
bastante significativos. O projeto começa com estudos prospectivos para
considerar várias soluções que possam levar à eventual recuperação e/ou
reciclagem do local. Em alguns casos, as plataformas podem ser reutilizadas
como recifes artificiais, estações meteorológicas, centros de investigação, locais
de produção de energia, de armazenamento de CO2, entre outras destinações.
No Brasil, a Agência Nacional de Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (ANP), através da resolução de Nº 817, de 24 de abril
de 2020, regula e fiscaliza as atividades de descomissionamento das instalações
juntamente com os órgãos ambientais, tais como IBAMA, secretarias estaduais e
municipais do meio ambiente. Alem disto, a ANP regulamenta os procedimentos
para apresentação de garantias financeiras através da resolução Nº 854, de 24
de setembro de 2021. Segundo relatório recente da ANP, existem cerca de
101 programas de descomissionamentos de instalações (PDIs) em andamento no país
– sendo que cerca de 44 destes estão no mar e o restante em áreas terrestres.
As atividades de descomissionamento estão recebendo
cada vez mais atenção dos operadores e órgãos reguladores em função do estágio
de maturidade destas instalações. A ampliação da atividade de desativar
instalações de produção são recentes no país, pois grande parte dos campos
brasileiros iniciou a operação nos anos 1980/1990. Portanto, as primeiras
unidades de produção iniciaram suas atividades nos últimos cinco anos e se
intensificaram após aprimoramentos na regulação.
Segundo a ANP, os investimentos previstos para as
atividades de descomissionamento entre 2022 e 2026, são estimados em cerca de
R$ 51,5 bilhões, ou seja, uma média de R$ 10,3 bilhões por ano. A maior parte
destes investimentos, cerca de R$ 42,1 bilhões, estão concentrados no ambiente
marítimo, com 612 poços. No ambiente terrestre, estão previstos R$ 9,4 bilhões,
com 9.280 poços a descomissionar. As bacias que concentram a maior parte destas
atividades são: Campos (R$ 30,2 bilhões), seguido de Sergipe (R$ 8,1bilhoes),
Santos (R$ 3,1 bilhões), Potiguar (R$2,6 bilhões) e Recôncavo (R$ 2,5 bilhões).
Alguns desafios devem ser considerados na
elaboração do projeto. O primeiro, diz respeito à localização geográfica. A
maior parte dos campos brasileiros de maior relevância estão localizados em
águas profundas ou ultra profundas, entre lâmina d’agua entre 300 e 3000
metros. Desta forma, a infraestrutura brasileira é voltada para instalações
flutuantes em vez das instalações fixas, o que requer uma infraestrutura
especializada e mais complexa.
Além dos aspectos geográficos, a indústria de
descomissionamento no Brasil ainda se encontra em fase de desenvolvimento,
especialmente se comparada com regiões como o Mar do Norte e o Golfo do México.
A experiência do país utilizando serviços nacionais ainda é limitada na
realização de programas em larga escala, portanto, esta atividade ainda
necessita da ajuda de empresas estrangeiras especializadas.
Outro desafio, talvez ainda mais importante, diz
respeito à legislação que, apesar de grandes avanços no arcabouço regulatório
nos últimos anos, ainda envolve muitos agentes públicos com seus próprios
regramentos. Sendo assim, conduzir um processo de descomissionamento eficiente,
com menor impacto possível para os agentes, para o meio ambiente e para
sociedade, ainda é um grande desafio. De fato, a complexidade da atividade, bem
como os regramentos dos órgãos ambientais, ainda carece de maior objetividade,
simplicidade e celeridade – podendo ser grandes inibidores para atrair novos
investimentos.
Neste ponto, surge uma das maiores preocupações,
que é a exigência da retirada de parte ou todas as instalações, especialmente
em águas profundas e ultra profundas (instalações subsea). A
possibilidade da permanência de certas instalações é uma questão crítica, já
que o impacto ambiental em retirá-las pode ser maior do que o de mantê-las –
nem sempre os regramentos e/ou análises dos órgãos que regulam a atividade
coincide com os responsáveis pela operação e pela proteção do meio ambiente.
No caso de ambiente marítimo, independente da
permanência total ou parcial das instalações, sua autorização deverá dar-se
expressamente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA), de forma que essa permanência representa uma
exposição residual da operadora por eventuais danos, mesmo após o encerramento
das atividades. Portanto, sempre existe uma preocupação com o limite temporal
para a responsabilidade pós-descomissionamento. Sem a definição de um limite
razoável as operadoras podem ser penalizadas décadas após o término da vida
útil do campo, o que certamente impactaria em seus planejamentos financeiros e
custos associados para a sociedade.
O descomissionamento responsável e eficiente com
objetivo da destinação adequada das unidades de produção, bem como das
estruturas subsea, tende a aumentar de forma significativa nos próximos
anos. O mercado internacional já sinaliza, principalmente de estaleiros
que seguem as normas ambientais e trabalhistas, uma demanda bastante
significativa e progressiva, que pode ocasionar gargalos e atrasos nos
projetos. Portanto, à medida em que a vida útil dos campos e plataformas no
Brasil se aproxima do fim, o número de unidades de produção e outros itens que
necessitam de finalidade adequada tende a crescer, exigindo um maior
planejamento e alocação de recursos financeiros das empresas.
O Brasil possui uma oportunidade incrível e
condições de assumir uma posição de destaque, desde que construa uma visão
estratégica de longo prazo para o setor e promova uma ampla coordenação dos
agentes públicos, com atenção especial às questões ambientais, onde aspectos
regulatórios e legais sejam devidamente pacificados, promovendo um ambiente
onde a segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade prevaleçam com o
objetivo de atrair novos investimentos.
Felipe Kury - ex-diretor da ANP – Agência Nacional de Petróleo