Diferente dos países ocidentais, existe uma
realidade que pouco faz parte dos nossos olhares e que desperta muita
curiosidade: como se faz negócio do outro lado do mundo? Especialmente nos
países regidos pela Lei Islâmica? Passei meus vinte e poucos anos em países
muçulmanos. Na Indonésia, entrevistei o presidente, no Irã, apareci na
televisão, no Paquistão, me meti em um desmoronamento na estrada mais perigosa
do mundo e nos Emirados Árabes, fui expulsa pelo Sheik que acordou um belo dia
decidido que não precisava mais do nosso serviço. Minha história levanta
sobrancelhas, recebe elogios e julgamentos.
Por muito tempo, minha vida cabia em duas malas.
Enviada para países como Indonésia, Panamá, Dubai, Abu Dhabi, Gana e Turquia,
onde eu não conhecia nada além do que podia saber pela interCXnet, minha missão
era encontrar uma maneira de acessar CEOs e ministros - geralmente homens em seus
50 anos - com o objetivo de entrevistá-los para um relatório econômico que
contasse à investidores internacionais as principais oportunidades de
investimento no país. Os projetos duravam um ano, enquanto o dinheiro entrava,
o show continuava, até as cortinas se fecharem e o processo recomeçar: vestidos
na mala e um novo bilhete de avião.
Aprendi que em países emergentes, um requisito
emocional imprescindível para a realização de qualquer negócio é a confiança.
Por isso, é preciso criar um relacionamento antes de fechar negócio, que eu
chamo carinhosamente de “habibi business” - habibi é uma palavra em árabe que
significa “querido ou querida”. Ou seja, vender exige cultivar aquele
relacionamento, cair nas graças de quem paga a conta. Eu era convidada para
jantares, iftars (quebra do jejum dos árabes durante o Ramadã), lançamentos de
empreendimentos luxuosos e cerimônias de premiações.
Lembro-me de me esforçar para não ser percebida
como a brasileira exótica fazendo negócio do outro lado do mundo, mas era
difícil sair desse lugar, porque era, muitas vezes, o papel que sobrava para as
poucas mulheres nos negócios. Eu sabia que meus clientes tinham estudado nos
Estados Unidos ou na Europa e sido expostos à uma cultura de negócios mais
igualitária entre homens e mulheres e pensava que por terem vivido no ocidente,
eram capazes de reconhecer nosso lugar à mesa, ainda que não desejassem a nossa
vida às suas mulheres: esposas, filhas e sobrinhas.
Ao contrário do que imaginei, grande parte dos
desconfortos que sofri foram de estrangeiros da cultura ocidental que
depois de terem passado tanto tempo naquele ambiente, passaram a replicar um
comportamento que era aceitável naquela sociedade.
Uma vez, entrevistando um CEO alemão de uma grande
multinacional que tinha idade para ser meu pai, me senti extremamente
desconfortável com seus convites para nossa próxima reunião fosse em seu barco
privativo; fiquei furiosa por me sentir intimidada, pois de fato eu precisava
voltar para uma segunda reunião em que meu discurso viria à tona e faria valer
o esforço já investido naquele relacionamento. Decidi não me sentir acuada,
afinal ele quem estava agindo mal. Comprei um anel de noivado falso, disse que
barcos me dava enjoo e lá fui eu, não desisti até sair daquela mesa de reunião
com um contrato assinado. Fiz inúmeras perguntas sobre a sua família, pedi que
me mostrasse fotos de sua netinha e inventei uma história de amor sobre um
noivo que nunca existiu.
Apesar de no Brasil acharmos que estamos muito à
frente de sociedades essencialmente misóginas, damos por encerrado o assunto,
confiando no mito da igualdade. Falamos pouco sobre assuntos difíceis,
preconceitos e diferenças que incomodam diariamente quem os vive na pele e não
estão na superfície do que se vê. Acreditamos genuinamente que não é tão ruim
assim, afinal “minha chefe é negra” ou “a empresa acabou de promover uma
diretora mulher”.
É difícil mudar o que não se vê. Por isso, meu
convite aqui é para que você, mulher, pense em todas as vezes que foi
assediada, tratada com cavalheirismo chauvinista ou pura condescendência e para
que você, homem, reconheça as vezes em que colocou outras mulheres nesse lugar.
Não se trata de um julgamento binário de valor: “machista” vs “feminista”,
“bom” vs “mau”. A falácia da democracia de gênero é também estrutural, pois
replicamos, homens e mulheres, comportamentos, piadas, atitudes e evitamos
falar sobre isso.
Meu convite é para que você comece refletindo e
abrindo um diálogo com as pessoas de sua confiança, assim recuperamos a nossa
consciência e dela, vem poder. Não se pode “des-ver” quando se
vê. E quando isso acontece, abrimos espaço para a indignação, combustível de
qualquer revolução.
Letícia Mendonça Costa - empresária e especialista
em vendas B2B
Nenhum comentário:
Postar um comentário