Com a proximidade das eleições, as discussões motivadas por ideologias políticas cresceram muito e com elas, os desentendimentos familiares, os ataques em redes sociais, a divisão de grupos no trabalho, brigas e em casos extremos até registros de homicídios.
Um levantamento feito pela UniRio mostrou que os
casos de violência política cresceram 335% no Brasil nos últimos três anos. No
primeiro semestre de 2022 foram identificados 214 registros, enquanto no mesmo
período de 2019, ano em que o estudo começou, foram contabilizados 47
casos.
O aumento dos registros também acontece se comparamos os números de 2022 com 2020, quando tivemos um período de eleição de prefeitos e vereadores nas cidades. De janeiro a junho daquele ano, o país teve 174 crimes cometidos contra políticos, aumento de 23%. O momento é extremamente prejudicial para a população como um todo, não só pelo lado criminal, mas, também pelo ponto de vista sociológico de desenvolvimento humano.
A violência física é o ato
final de uma sequência de violências que acontecem na nossa comunicação, por
isso é imprescindível aprendermos a dialogar mais
O grande desafio de buscar um cenário de paz é
achar que isso significa não ter conflitos. Conflitos podem ser muito saudáveis
e importantes para as relações, mas, para que um conflito seja construtivo, é
preciso estar ciente, antes de começar, se há espaço para escutar, falar e ser
influenciado. A maioria das conversas que não acabam bem já não começaram bem e
é por isso que, como especialistas em Comunicação Não-Violenta, destacamos aqui
alguns pontos importantes para considerarmos em conversas difíceis.
É uma conversa ou uma
palestra?
Pergunte-se, antes de começar uma conversa: estou
disposto a de fato conversar? Somente depois de um sim consciente para essa
pergunta, será possível trazer a discussão para um lugar construtivo.
Percebemos que as pessoas entram, na maioria das conversas, com a intenção de
convencer, manipular ou estar certo. Estar ciente da sua intenção e sair desse
padrão, já pode aumentar as chances de você conseguir ter, de fato, um diálogo
e não dois monólogos.
Buscar a paz nos diálogos não significa ser passivo
ou concordar com o que o outro está falando, mas ver a humanidade do outro e se
manter aterrado na intenção do diálogo é essencial para seguir em uma conversa
saudável. Por isso, reforçamos a importância da intenção de compreensão nas
conversas e, sempre que possível, a busca por resultados de benefício mútuo.
Reflita antes: o que foi feito
ou quais dados te levam a ter esta opinião?
O primeiro caminho, então, para aumentar a
probabilidade de uma conversa de sucesso, em que conseguimos nos entender, é
separar fatos de interpretações. O ideal é que possamos considerar o que de
fato aconteceu e não nos limitarmos aos rótulos e julgamentos de outras
pessoas. Por exemplo, corrupto é um rótulo, essa palavra conta de
interpretações que são feitas a partir de fatos. O ideal é que, procuremos por
esses fatos e conversemos sobre eles.
No entanto, hoje vivemos um cenário em que a
população não tem acesso a esses fatos, não sabemos onde encontrá-los ou temos
pouca informação sobre sua veracidade. Esse deveria ser o papel da mídia, mas
ela tem sido pouquíssimo informativa e se mostrado muito mais interpretativa do
que nos servido para esse propósito.
Pense que, em vez de receber a informação sobre o
que aconteceu, já recebemos a interpretação sobre essa situação. Isso nos leva
a conclusões enviesadas e reforça a polarização. Enxergamos que boa parte do
problema está aí, para que possamos despolarizar, em primeiro lugar precisamos
ter acesso aos fatos.
Quando falamos, então, em começar diálogos abertos,
mas sem acesso a fatos que fundamentam esses diálogos, acabamos percebendo os
eleitores, em conversas sobre política, sem lastro. A política se torna mística
- acreditamos porque me disseram e porque tenho a impressão de que esse ou
aquele candidato se parece mais com o que eu acredito ou preciso, e não porque
analisei o que de fato aconteceu e suas propostas.
Reivindicar por fatos, informações verídicas e
abertas a consultas de fácil entendimento, se torna imprescindível para que
possamos voltar a ter a visão real sobre nossos políticos e a política do
Brasil. Talvez essa seja a maior busca que possamos fazer em conjunto nesse
momento, com todos os eleitores. Demandar informação e não interpretação.
Discorde de estratégias, mas
experimente o exercício de compreender motivações
Mas precisamos seguir as conversas com o que temos.
Então, o que pode apoiar que tenhamos conversas mais proveitosas?
Somos plurais e diversos como humanos, mas também
temos muito em comum. Na conversa sobre política, é importante que possamos
descobrir o que queremos cuidar com as estratégias e planos que apoiamos. O que
é comum entre nós? Queremos saber disso para conseguirmos nos entender e quem
sabe concordar em alguma alternativa que cuide do que é importante para todos.
Se, acredito que a posse de armas é um caminho para
proteger minha família e meu amigo acredita que deveriam existir mais regras e
limitações para a posse de armas, isso pode me chegar como ameaça a minha
segurança. Mas, esta mesma pessoa talvez queira cuidar exatamente da segurança
de sua família ou comunidade, apenas por um caminho diferente.
Em um diálogo saudável eu sim quero influenciar a
perspectiva do outro, mas, também estou aberto a ser influenciado por ele. E a
maneira mais potente de conseguirmos chegar nesse lugar é encontramos isso que
nos une - "estamos preocupados com segurança, vamos conversar sobre
isso!". Se o diálogo não caminhar por esse lugar, dificilmente
conseguiremos aprender sobre outras experiências e perspectivas e continuaremos
alimentando a polarização.
Além dos rótulos temos pessoas
Muitas pessoas confundem partidarismo, política,
ideologia e religião; se tenho um pensamento focado em direitos humanos, melhor
distribuição de renda e justiça social, faço parte de um grupo, se minhas
ideias são mais liberais, ou inclinadas ao pensamento de que cada um colhe o
que planta, estou dentro de outro grupo. E essa categorização nos afasta de ver
o que há de comum entre nós.
A polarização está totalmente ligada a rótulos.
Temos a tendência de generalizar toda a complexidade de um pensamento ou de uma
pessoa em rótulos que reduzem pessoas a uma única versão estática. Dizer que
alguém é de esquerda ou direita é congelar a pessoa em um rótulo. Dificilmente
conseguirei me abrir a escutar se acredito que já sei o que aquela pessoa tem a
me dizer.
Se encaramos as conversas sobre política como uma
guerra, um debate onde sempre há alguém que ganha e alguém que perde, vamos nos
dividir cada vez mais. As certezas são resumos muito simplistas de pensamentos
muito complexos e, quanto maior a certeza, menor a profundidade da conversa. Um
bom exemplo disto são os debates de candidatos, as conversas têm sido mais
direcionadas para rotular uns aos outros ou para se defender, do que para
efetivamente falar sobre estratégias políticas.
Buscar quebrar esse ciclo nos permitirá desfazer
esse cabo de guerra constante, mas essa é uma construção que exige maturidade,
investimento de tempo e energia.
A sua liberdade de expressão
pode impactar a segurança física/emocional de alguém
Sim, existem limites para conversas e conflitos,
limites que tornam um diálogo destrutivo e não mais construtivo. Mesmo que não
seja sua intenção, esteja aberto e consciente de que suas colocações podem ter
impactos sobre o outro e que existem momentos em que esses impactos superam a
possibilidade do outro de te escutar. Há determinadas falas e percepções que
fortalecem violências e nem todos possuem consciência disso. Saiba quando se
abrir para escutar os impactos do que você está falando e aprender formas de dialogar
de outra maneira para que se sustente o diálogo sem reforçar padrões que
machucam ou ameaçam a segurança de outras pessoas.
E, se foi você que escutou algo que toca em um
limite seu, busque nomear a fala específica que causou isso, como isso te impacta
e evite julgar o outro. Mostre as consequências que a fala dessa pessoa pode
causar. Se isso não for possível para você no momento, pare a conversa como
forma de cuidar da sua saúde emocional e da relação.
Para além das eleições
A política vai muito além das eleições, ela está no
nosso cotidiano como cidadãos. As conversas não precisam ser apenas sobre o
voto ou sobre um candidato ou partido, mas devem ser direcionadas aos desafios
que vivemos diariamente como humanidade. Não adianta ter um argumento lacrador
e perder a chance de seguir conversando, agindo e criando com as pessoas que me
cercam. O espaço de conexão e compreensão mútua que tanto desejamos na política
está 10 conversas à frente e não numa única discussão na mesa do jantar.
Liliane Sant’Anna e Nolah Lima
- cofundadoras do Instituto CNV Brasil