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Mata Atlântica: o Núcleo Santa Virgínia, localizado no Parque Estadual da Serra do Mar, município de São Luiz do Paraitinga (SP), é uma das áreas pesquisadas no estudo (foto: Carlos Alfredo Joly) |
A crise climática está afetando
as florestas tropicais de maneira acelerada, enquanto os processos ecológicos
que regem sua adaptação ocorrem em ritmo muito mais lento. Duas pesquisas
recentes, publicadas nas revistas Science e Nature,
investigaram como as florestas tropicais estão respondendo às mudanças
climáticas e quais são as implicações disso para a biodiversidade e a ciclagem
do carbono. Os estudos indicam que as florestas estão mudando, sim, mas não na
velocidade necessária para acompanhar o ritmo do aquecimento global.
“O que estamos vendo é que as
florestas tropicais das Américas estão tentando se adaptar às mudanças
climáticas, mas de forma bem mais lenta do que esperaríamos”, diz Jesús Aguirre-Gutiérrez,
professor da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e primeiro autor dos dois
artigos.
Gutiérrez informa que a crise
climática está levando as florestas tropicais a mudarem sua composição, com um
aumento de espécies decíduas, aquelas que perdem as folhas na estação seca.
“Essas espécies têm uma vantagem em períodos de menor precipitação e
temperaturas elevadas, pois podem reduzir a perda de água nesse contexto. No
entanto, mesmo essa adaptação não está ocorrendo com rapidez suficiente para
acompanhar a transformação do clima.”
Os dados revelam que espécies
de grande porte, que desempenham papel fundamental na estrutura da floresta e
na captura de carbono, estão sendo substituídas por espécies menores e de menor
densidade. “Observamos que as espécies que se regeneram com maior facilidade
não são as de grande porte e de madeira mais densa, mas sim aquelas com maior
plasticidade adaptativa. Isso reduz a capacidade de estocagem de carbono da
floresta e pode afetar os modelos climáticos, já que a capacidade
fotossintética será menor no futuro”, afirma Carlos Alfredo Joly, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
coordenador da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos
(BPBES) e coautor dos dois artigos.
Monitoramento
contínuo
Os estudos foram possíveis
graças a décadas de monitoramento ecológico, utilizando parcelas permanentes de
um hectare cada em diferentes regiões tropicais. As informações foram
complementadas por imagens de satélite. “Os dados que utilizamos no artigo
da Science vêm de parcelas distribuídas do México ao sul do
Brasil”, conta Aguirre-Gutiérrez. “São 415 parcelas e foram necessários muitos
anos para coletar essas informações. Agora, com imagens de satélite e
modelagem, podemos expandir essa análise para outras regiões tropicais, como a
África e a Ásia, onde os dados de campo são mais escassos.”
Essa abordagem permitiu mapear
atributos funcionais das florestas tropicais, como a morfologia e a química das
folhas, a estrutura da vegetação e a presença de espécies decíduas. “No estudo
da Nature, utilizamos modelagem com dados do satélite Sentinel-2 da
Agência Espacial Europeia, que nos permitiu criar mapas da distribuição desses
atributos nos trópicos”, destaca Aguirre-Gutiérrez. “Isso nos dá uma visão
detalhada de como as florestas estão mudando e nos ajuda a projetar cenários
futuros.”
As pesquisas apontaram que as
mudanças nas florestas tropicais podem levar à perda de biodiversidade e a um
empobrecimento estrutural desses biomas. “Espécies de grande porte, como
jatobás, ipês, perobas e jequitibás, estão desaparecendo porque não conseguem
acompanhar as mudanças climáticas”, alerta Joly. “Na Amazônia, árvores icônicas
como a castanheira-do-pará e as copaíbas também estão em risco. Além de seu
valor próprio, como fontes de alimentos e medicamentos, essas espécies são
fundamentais para a captura de carbono e a manutenção da biodiversidade.”
A transição para florestas
dominadas por espécies mais adaptáveis pode ter implicações profundas.
“Constatamos que as florestas estão se tornando mais suscetíveis à mortalidade
em larga escala", comenta Simone Aparecida Vieira, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da
Unicamp e integrante da coordenação do Programa BIOTA-FAPESP. “Isso compromete
funções ecossistêmicas essenciais, como a regulação do ciclo do carbono e da
precipitação. O colapso florestal pode aumentar o carbono na atmosfera e
reduzir a formação de chuvas, intensificando ainda mais a crise climática.”
Diante desse cenário, a
conservação e a restauração das florestas tropicais tornam-se ainda mais
urgentes. No entanto, simplesmente proteger áreas degradadas, apostando no
processo de sucessão, pode não ser suficiente. “Se uma área degradada for
protegida, as espécies nobres reaparecerão espontaneamente no processo natural
de regeneração? A resposta curta é não”, afirma Joly. “Experimentos de
restauração mostram que essas espécies apresentam uma taxa de mortalidade alta,
mesmo quando plantadas. Elas crescem lentamente e são vulneráveis a eventos
extremos.”
Além disso, a fragmentação das
florestas dificulta a regeneração. “A perda de conectividade entre fragmentos
florestais leva ao empobrecimento da biodiversidade”, explica o pesquisador.
“Em áreas isoladas, a dispersão de sementes por animais como cutias, pacas e
macacos fica comprometida, dificultando a regeneração de espécies vegetais
importantes.”
Uma das soluções propostas é a
regeneração natural assistida (assisted natural regeneration), que
consiste no plantio de espécies adaptadas às novas condições climáticas. “Com
os dados que temos, podemos identificar quais espécies nativas estão mais bem
adaptadas ao clima atual e priorizar seu plantio", sugere
Aguirre-Gutiérrez. “Isso pode aumentar as chances de sucesso dos programas de
reflorestamento.”
Apesar dos avanços tecnológicos
no monitoramento das florestas, os pesquisadores enfatizam que o trabalho de
campo continua sendo indispensável. “A gente tem de continuar investindo em
trabalho de campo, colocando recursos para que pesquisadores no México, no
Brasil e em outros países possam coletar dados", destaca
Aguirre-Gutiérrez. "Não podemos fazer tudo apenas com satélites.
Precisamos de dados de campo para validar e aprimorar os modelos.”
As descobertas desses estudos
reforçam a necessidade de políticas públicas voltadas para a conservação das
florestas tropicais, aliando ciência, tecnologia e principalmente ações
concretas para mitigar os impactos das mudanças climáticas. “A ecologia tem
mostrado cenários cada vez mais preocupantes”, conclui Vieira. “Se não agirmos
agora, as florestas tropicais podem perder sua função ecológica antes que
consigam se adaptar ao novo clima.”
Os estudos receberam apoio da
FAPESP por meio de cinco projetos (03/12595-7, 12/51509-8, 12/51872-5, 19/24049-5 e 22/14605-0).
O artigo Tropical
forests in the Americas are changing too slowly to track climate change pode
ser acessado em: www.science.org/doi/10.1126/science.adl5414.
E o estudo Canopy
functional trait variation across Earth’s tropical forests está disponível
em: www.nature.com/articles/s41586-025-08663-2.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/ritmo-de-adaptacao-de-florestas-tropicais-e-mais-lento-que-o-necessario-para-fazer-frente-a-crise-climatica/54291
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