Dr. Marcelo
Valadares, neurocirurgião funcional e pesquisador da Unicamp, destaca a
necessidade de um olhar empático para os sintomas não motores da condição
O Parkinson é amplamente associado ao tremor, mas
há outros sintomas que ultrapassam os distúrbios motores e impactam
significativamente a qualidade de vida dos pacientes: fadiga intensa, dores
crônicas, alterações cognitivas, dificuldades emocionais e alterações
autonômicas podem estar associadas à doença, mas são frequentemente
subestimadas pelos profissionais da saúde e pela sociedade, embora representem
um comprometimento na autoestima e autonomia dos pacientes.
O Dr. Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional e
pesquisador da Disciplina de Neurocirurgia na Unicamp, alerta que sintomas como
constipação intestinal, quedas de pressão, dificuldades de fala e problemas
posturais muitas vezes passam despercebidos ou são confundidos com outras
condições, retardando um diagnóstico preciso.
"A avaliação clínica não deve se limitar aos
sintomas motores, uma vez que os sinais não motores podem ser igualmente debilitantes",
afirma. A identificação precoce e o tratamento adequado das manifestações não
motoras são indispensáveis para o acompanhamento desses pacientes.
A doença afeta 1% da população mundial com mais de
65 anos, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS)1.
No Brasil, a estimativa é de que aproximadamente 200 mil pessoas vivam com a
condição.2
A importância do
acompanhamento e a evolução da doença
A progressão do Parkinson varia de paciente para
paciente. Enquanto alguns permanecem estáveis por décadas, outros podem
experimentar uma evolução acelerada. "Pacientes mais jovens, na
faixa dos 50 anos, costumam sofrer mais impacto na rotina, pois ainda estão no
mercado de trabalho e enfrentam desafios como tremores em situações profissionais",
explica o Dr. Valadares.
A perda da independência, a dificuldade em planejar
viagens e a impossibilidade de realizar tarefas cotidianas podem gerar um forte
impacto emocional. Não por acaso, depressão e ansiedade são frequentes entre os
pacientes. "Estima-se que cerca de 50% dos pacientes apresentem quadros de
depressão3 e até 20%4 desenvolvam depressão severa",
aponta o médico.
Para garantir um atendimento eficaz, profissionais
de múltiplas áreas da saúde devem adotar uma escuta ativa e promover um espaço
onde os pacientes se sintam confortáveis para relatar as dificuldades. Segundo
o neurocirurgião, a empatia aliada a uma anamnese detalhada, permite
compreender melhor os impactos subjetivos da doença. “Muitas vezes, o que mais
aflige o paciente não é o tremor ou a rigidez, mas sim as limitações que afetam
sua independência e bem-estar emocional. Compreender essa dimensão exige tempo
e um acompanhamento mais próximo”, destaca. Ele ressalta, ainda, que um
tratamento eficiente deve ser multidisciplinar incluindo apoio psicológico,
fisioterapia e fonoaudiologia (quando necessário).
O desafio estrutural e a
necessidade de políticas públicas eficazes
A falta de infraestrutura disponível para o
tratamento é um dos grandes desafios no Brasil. “Nos grandes centros urbanos,
há hospitais de referência do SUS que oferecem com excelência o suporte
necessário, mas, nas cidades menores, o acesso a profissionais capacitados e a
terapias complementares, ou até mesmo cirurgias que poderiam beneficiar o
indivíduo ainda é extremamente limitado”, alerta o Dr. Valadares.
Além desta carência, a distribuição irregular de
medicamentos prejudica consideravelmente o tratamento. “O desabastecimento de
medicamentos é um problema recorrente. Uma fiscalização mais rigorosa e um
planejamento mais eficiente ajudariam a garantir a continuidade do tratamento”,
esclarece.
A acessibilidade também representa um grande obstáculo.
“As leis sobre o tema ainda são falhas e, muitas vezes, não aplicadas. O
simples ato de caminhar pelas ruas pode ser uma experiência desagradável para
quem tem limitações motoras, devido às barreiras urbanísticas”, observa o
médico.
Por outro lado, há avanços, como a isenção do
imposto de renda para aposentados e pensionistas diagnosticados com Parkinson5
- embora essa medida não contempla aqueles que ainda estão em atividade
profissional.
Necessidade de inclusão e
suporte
Os impactos menos evidentes do Parkinson nem sempre
são reconhecidos, tornando o diagnóstico e o tratamento mais complexos. Muitos
pacientes enfrentam dificuldades para manter suas atividades laborais, seja por
preconceito ou pela necessidade de adaptação às novas condições impostas pela
doença. As famílias também sentem os reflexos da doença, e muitas vezes assumem
o papel de cuidadoras sem o suporte adequado, o que gera sobrecarga emocional e
financeira.
"Se quisermos melhorar o suporte aos pacientes com Parkinson, precisamos ampliar nossa compreensão sobre a doença e reconhecer suas múltiplas dimensões. O manejo deve ir além do controle dos sintomas motores, promovendo o bem-estar geral do paciente e permitindo que ele continue participando ativamente da sociedade", reflete o neurocirurgião. Para ele, uma abordagem integrada e humanizada, políticas públicas abrangentes, ambientes de trabalho acessíveis e fomento às iniciativas que permitam a inclusão dos pacientes na vida social e profissional são fundamentais para essa doença.
Dr. Marcelo Valadares - médico neurocirurgião e pesquisador da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A Neurocirurgia Funcional é a sua principal área de atuação. Seu enfoque de trabalho é voltado às cirurgias de neuromodulação cerebral em distúrbios do movimento, cirurgias menos invasivas de coluna (cirurgia endoscópica da coluna), além de procedimentos que envolvem dor na coluna, dor neurológica cerebral e outros tipos de dor. O especialista também é fundador e diretor do Grupo de Tratamento de Dor de Campinas, que possui uma equipe multidisciplinar formada por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e educadores físicos. No setor público, recriou a divisão de Neurocirurgia Funcional da Unicamp, dando início à esperada cirurgia DBS (Deep Brain Stimulation – Estimulação Cerebral Profunda) naquela instituição. Estabeleceu linhas de pesquisa e abriu o Ambulatório de Atenção à Dor afiliado à Neurologia.
Fontes:
1 e 2: Dia Mundial de Conscientização da Doença de Parkinson – Biblioteca Virtual em Saúde: Acesso em: https://bvsms.saude.gov.br/dia-mundial-de-conscientizacao-da-doenca-de-parkinson/#:~:text=Dados%20da%20Organiza%C3%A7%C3%A3o%20Mundial%20de,pessoas%20sofram%20com%20o%20problema.
3: Depressão na doença de Parkinson: uma revisão narrativa. Acesso em: https://pmc-ncbi-nlm-nih-gov.translate.goog/articles/PMC9447473/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=sge#:~:text=Ter%20depress%C3%A3o%20aumenta%20o%20risco,ao%20conte%C3%BAdo%20publicado%20no%20Cureus.
4: Depressão em pacientes com doença de Parkinson: compreensão atual de sua neurobiologia e implicações para o tratamento. Acesso em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC9200562/
5: Como funciona a isenção do Imposto de Renda para aposentados e pensionistas diagnosticados com doença grave. Acesso em: https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2024/como-funciona-a-isencao-do-imposto-de-renda-para-aposentados-e-pensionistas-diagnosticados-com-doenca-grave
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