Lei nacional de humanização do luto reforça a necessidade de políticas públicas e atenção especializada para mulheres e casais que enfrentam perdas gestacionais.
Outubro marca o mês mundial de
conscientização sobre a perda gestacional, neonatal e infantil — uma iniciativa
que, no Brasil, assume novo fôlego após a sanção da Lei n.º 15.139 (maio/2025),
que institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental.
Segundo a ginecologista e obstetra Denise Lara, do Hospital Mater Dei Santa
Clara, as perdas gestacionais merecem maior visibilidade, acolhimento
especializado e políticas de apoio, pois afetam uma parcela significativa das
gestações e ainda são envoltas em tabus.
Cenário nacional
Dados recentes indicam que aproximadamente 15% das gestações clinicamente
reconhecidas no mundo terminam em aborto espontâneo. No Brasil, entre 2008 e
2018, foram registradas 2.258.104 internações por aborto — o que representou cerca de 5% de
todas as internações de mulheres em idade fértil. A magnitude desses números
torna ainda mais relevante a humanização do atendimento e o acolhimento das
famílias.
Causas e fatores de risco
De acordo com Denise Lara, as causas de perda gestacional
podem ser múltiplas e frequentemente combinadas. Entre as principais estão as
alterações cromossômicas (aneuploidias) — responsáveis por até 70% das perdas
ocorridas antes de 12 semanas de gestação —, além de malformações uterinas,
miomas submucosos, insuficiência cervical, doenças endócrinas, como diabetes ou
hipotireoidismo, trombofilias, infecções (toxoplasmose, rubéola,
citomegalovírus, sífilis, listeriose, clamídia) e fatores comportamentais ou
ambientais, como tabagismo, uso de álcool ou drogas, idade materna acima de 35
anos, obesidade, exposição a toxinas ou cafeína em excesso.
Entre os fatores de risco modificáveis, destacam-se:
obesidade ou baixo peso, dietas inadequadas, sedentarismo extremo, privação de
sono, trabalho físico excessivo ou noturno, consumo de substâncias tóxicas ou
abuso de cafeína, além de histórico de perdas gestacionais e gestação múltipla.
Prevenção e cuidados antes e durante a gestação
A médica ressalta que, muitas vezes, é possível reduzir
riscos com intervenções adequadas: adoção de dieta equilibrada, manutenção de
peso corporal adequado, suplementação com ácido fólico (mínimo 400 mcg/dia) na
fase pré-concepção, suspensão de tabaco, álcool e drogas, eliminação de
exposição a pesticidas ou solventes, controle de doenças crônicas (diabetes,
hipertensão, tireoidopatias, SOP), atualização vacinal, tratamento de infecções
antes da gestação e avaliação pré-concepção para hábitos de vida, exames
clínicos, hormonais e anatômicos.
Sinais de alerta que exigem avaliação médica
Segundo Denise Lara, os sinais de alerta para aborto espontâneo
incluem:
* Sangramento vaginal no primeiro trimestre;
* Dor abdominal ou cólicas persistentes;
* Saída de líquido aquoso pela vagina (sinal de ruptura de
membranas);
* Expulsão de coágulos ou fragmentos de tecido;
* Diminuição súbita de sintomas típicos da gravidez
(náuseas, sensibilidade mamária, fadiga) antes de 12 semanas.
Em caso de qualquer desses sinais, recomenda-se atendimento
médico imediato.
Acolhimento e luto
A implementação da Lei 15.139 reforça que o luto materno e
parental deve ser tratado com dignidade, humanidade e atenção especializada. De
acordo com a especialista, a equipe de saúde deve oferecer escuta empática, sem
julgamentos; permitir ao casal expressar emoções como tristeza, culpa ou raiva;
e incluir o parceiro nas conversas e decisões, reconhecendo que ambos sofrem a
perda. O tratamento clínico deve ser acompanhado de apoio psicológico,
encaminhamento a grupos de apoio ao luto perinatal, e validação do luto — “toda
perda gestacional é significativa, independentemente da idade gestacional”,
afirma.
Além disso, os rituais simbólicos de despedida como nomear o
bebê, guardar lembrança, oração, devem ser respeitados conforme a vontade da
família e suas crenças. A equipe médica também deve orientar sobre o plano de
recuperação física, retorno da menstruação, novo planejamento gestacional e
oferecer acompanhamento psicológico quando indicado.
Nova gestação: avaliação e tempo adequado
Para uma nova tentativa de gestação, Denise Lara destaca a
importância de uma avaliação completa: exame clínico geral, controle de doenças
crônicas, investigação de causas da perda anterior (cariótipo do casal,
trombofilias, hormônios, infecções, avaliação anatômica do útero), ajustes
nutricionais e de hábitos de vida, atualização vacinal e suporte emocional ao
casal. O intervalo recomendado entre a perda e nova gestação depende da
situação: para perdas precoces, muitas vezes 1 ou 2 ciclos menstruais podem ser
suficientes; em perdas mais avançadas ou que exigiram procedimento, o intervalo
pode ser de 3 a 6 meses, conforme orientação individualizada.
Prognóstico
A especialista pondera que, quando tratadas adequadamente, a
maioria das mulheres que sofreram uma perda gestacional consegue ter uma nova
gestação bem-sucedida. Estudos indicam que, mesmo após perdas repetidas, a chance de
gestação saudável futura pode alcançar até 70%.
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