Ingressar no mercado de trabalho é fundamental para que o indivíduo autista consiga ser independente Divulgação/Grupo Marista |
Diagnosticado tardiamente, Esau Henrique Goes mostra que é possível exercer funções que pareciam inacessíveis e avalia positivamente as empresas que lutam contra o preconceito e abrem espaço para a inclusão
“Direito ao diagnóstico
precoce e tratamento; ao acesso à educação e proteção social; e ao trabalho e à
igualdade de oportunidades.” São esses os direitos que a Lei da Política
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista
garante desde 2012, no Brasil. Mas, infelizmente, ainda não é o que as pessoas
com Transtorno do Espectro Autista (TEA) vivenciam diariamente. Celebrado no
mês de abril, o Dia Mundial de Conscientização do Autismo foi criado justamente
para dar voz aos indivíduos com TEA na busca por respeito, igualdade e
inclusão. Neste ano, a campanha traz o tema: “Mais informação, menos
preconceito”.
No entanto, mesmo sendo mundialmente conhecida e cada vez mais diagnosticada
precocemente, a condição ainda é pouco debatida na sociedade. Segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS), são mais de 70 milhões de autistas
diagnosticados em todo o mundo e, somente no Brasil, esse número é de
aproximadamente 2 milhões de pessoas. “Ainda falta a compreensão do que é o
autismo, principalmente aqui no nosso país, onde o assunto ainda é um tabu.
Poucos sabem sobre o autismo e muito menos como agir diante de um autista”, avalia
Esau Henrique Goes.
Henrique, como prefere ser chamado, tem 28 anos e foi diagnosticado com TEA
recentemente, aos 26. Funcionário do Grupo Marista, ele exerce o cargo de
operador de teleatendimento, na PUCPR, o qual foi conquistado por meio de um mutirão
de vagas PcD, realizado em 2022. Hoje, ele tem bons amigos e colegas de
trabalho, mas nem sempre foi assim. Por ter recebido o laudo tardio, Henrique
sofreu com o preconceito em seus antigos trabalhos e também na escola, fatos
que faziam com que ele mesmo não conseguisse se entender.
“Por que eu sou assim?”, era a pergunta que se fazia cada vez que sofria algum
ataque. “Não entendia o motivo de ser vítima de bullying apenas por ser
diferente. Depois do meu diagnóstico, consegui me entender melhor. Hoje, não
tenho vergonha de ser autista e assumo com orgulho a minha condição. Tenho que
matar dois leões por dia, tanto na vida pessoal quanto na profissional, e essa
é a mesma luta da comunidade autista. Por isso, quanto mais pessoas
souberem e mais informações forem distribuídas sobre a nossa condição, é
melhor, não só para a sociedade entender a gente, como pra gente conseguir se
enturmar na sociedade”, ressalta.
Para ele, os debates deveriam, inclusive, estar na pauta de colégios e
faculdades. Segundo a mestre em psicologia e coordenadora do curso de
pós-graduação em Autismo, na PUCPR, Thaise Löhr Tacla, é uma tendência global a
adoção de políticas públicas para facilitar o ingresso do autista no mercado de
trabalho. “As empresas que enfatizam a importância de empregar pessoas com TEA,
realizam treinamento de capacitação para acolhimento. Por isso, é importante
salientar que o preparo do candidato para atuação profissional é fundamental,
bem como o da empresa com incentivo a contratações”, avalia.
Falta de interação social não é barreira
O caso de Henrique não é raro e reforça ainda mais a importância de identificar
precocemente o autismo. Para Thaise, o atraso nesse diagnóstico dificulta o
desenvolvimento das habilidades sociais e de comunicação, sinais mais comuns da
condição, além de atrapalhar a inserção desses indivíduos na sociedade. “Os
sinais do autismo começam cedo e, quando presentes ocorrem, principalmente, com
o prejuízo persistente na comunicação social recíproca, na interação social e nos
padrões restritos e repetidos de comportamento, interesse ou atividade”,
explica a psicóloga.
Na visão da especialista, a inclusão dessas pessoas na sociedade se mostra
ainda mais essencial quando há exemplos de pessoas com TEA que cumprem tarefas
que, aos olhos da sociedade, não seriam possíveis. Ela destaca ainda que
ingressar no mercado de trabalho é fundamental para que o indivíduo autista
consiga ser independente, tenha autonomia e liberdade para atingir seus
objetivos.
A supervisora de atendimento da PUCPR e gestora de Henrique, Sandra Hanemann,
pode falar com propriedade sobre a questão. Ela vê e analisa o trabalho do
operador de teleatendimento sendo executado diariamente sem grandes
impedimentos. “Quando o Henrique chegou à minha equipe, busquei conhecê-lo
primeiro e ganhar a sua confiança. Ficamos um mês de adaptação juntos para que
depois ele pudesse assumir sozinho suas tarefas”, conta Sandra.
Henrique presta atendimento aos alunos da PUCPR por meio do chat, whatsapp e
telefone, e, segundo Sandra, consegue atender muito bem às expectativas do
cargo. “Pessoas com TEA têm, por vezes, um entendimento e uma interpretação
diferentes e, quando isso acontece, contamos com o suporte do nosso RH. Quando
erra, damos o feedback para ele, assim como para seus colegas. Mas o Henrique é
muito inteligente. Além de trabalhar conosco, ele faz faculdade de biologia e
estágio. Temos aqui no setor uma troca muito rica. Em grande parte dos
momentos, ele conversa com todos, é alegre, mas quando tem seus momentos mais
introvertidos, ele é respeitado”, conta.
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