LC 192/2022
A incidência do
ICMS- Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços- sobre os
combustíveis, sempre foi muito discutida, contudo, com a edição da Lei
Complementar nº 192/2022 que definiu o regime de monofásico para cobrar o ICMS
sobre determinados combustíveis e, posteriormente regulamentada pelo Convênio
ICMS nº 199/2022, tornou-se ainda mais polêmica a incidência deste imposto
estadual.
A intenção do
legislador infraconstitucional ao editar a Lei Complementar nº 192/22 tem como
objetivo simplificar a arrecadação do ICMS sobre os combustíveis, bem como
evitar elisão fiscal.
A despeito das
boas intenções do Poder Legislativo, em uma análise mais aprofundada,
verifica-se que a implementação do regime monofásico acaba não só por
restringir direitos e garantias constitucionais, mas também aumenta
significativamente a carga tributária.
Pois bem, antes
de analisar o impacto do causado pela alteração da forma de arrecadação sobre o
ICMS- combustíveis, faz-se necessária uma breve explanação sobre o que seria o
Regime Monofásico.
O Regime
Monofásico é uma forma de arrecadação que implica no recolhimento antecipado do
ICMS sobre toda cadeia produtiva. Em outras palavras é uma antecipação do
pagamento do tributo, pois a hipótese de incidência do tributo, no caso em
tela, o ICMS sobre combustíveis, irá ocorrer sempre que o contribuinte realizar
operações ou prestações com os combustíveis sujeitos a este regime.
Cumpre transcrever
a explicação feita por Roque Antonio Carrazza sobre o Regime Monofásico:
“Salientamos
que no regime monofásico a incidência do tributo se dá, normalmente, em cada
etapa da cadeia produtiva, ou seja, sempre que se verifica o respectivo fato
gerador in concreto (fato imponível). Apenas o dever de recolhê-lo fica
concentrado na primeira etapa da cadeia produtiva.
Isto
está longe de significar, porém, que o contribuinte, no caso, é apenas a pessoa
que efetua o recolhimento do tributo. Esta, na verdade, recolhe, por força do
regime monofásico, a parte que por ela seria devida e também as que ficariam a
cargo dos demais partícipes da cadeia econômica que leva a mercadoria da fonte
produtora ao consumidor final.” (Carrazza, 2020, p. 642)
A Constituição
Federal estabeleceu a aplicação do Regime Monofásico para a cobrança do ICMS –
Combustíveis em seu artigo 155, inciso XII, alínea “h”[1]. Assim, em razão
da competência concedida pela Constituição Federal, o legislador
infraconstitucional editou a Lei Complementar n° 192/22 estabelecendo sobre quais
combustíveis estariam sujeitos ao Regime Monofásico:
Art.
1º Esta Lei Complementar define, nos termos da alínea h do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, os combustíveis sobre os quais incidirá uma única vez o
Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação (ICMS), ainda que as operações se iniciem no exterior.
Art.
2º Os combustíveis sobre os quais incidirá uma única vez o ICMS, qualquer que
seja sua finalidade, são os seguintes:
I -
gasolina e etanol anidro combustível;
II -
diesel e biodiesel; e
III
- gás liquefeito de petróleo, inclusive o derivado do gás natural.
Para
regulamentar a aplicação da referida lei complementar, o Conselho Nacional de
Política Fazendária – CONFAZ editou o Convênio ICMS nº 199/22.
Não obstante, ao
analisarmos, em conjunto, tanto a lei complementar, quanto o Convênio ICMS, é
possível notar que ambos estão eivados de inconstitucionalidades.
A primeira delas
e, mais preocupante para os contribuintes do ICMS – Combustíveis, é a vedação a
tomada de crédito prevista na cláusula décima sétima do Convênio ICMS n° 199/22
referentes às saídas de Óleo diesel:
CAPÍTULO
VI
DA
IMPOSSIBILIDADE DE APROPRIAÇÃO DE CRÉDITO NO REGIME DE TRIBUTAÇÃO MONOFÁSICA
Cláusula
décima sétima: Em face das características do regime de tributação
monofásica, incompatível com o regime geral de apuração do imposto, fica vedada
a apropriação de créditos das operações e prestações antecedentes às saídas de
Óleo Diesel A, B100, GLP e GLGN qualquer que seja a sua natureza, cabendo ao
contribuinte promover o devido estorno na proporção das saídas destes produtos.
Da leitura do
dispositivo supracitada, é evidente a violação ao Princípio da Cumulatividade
do ICMS, previsto no artigo 155, §2º, inciso I, da Constituição Federal.
O Princípio da Não
Cumulatividade assegura o direito de o contribuinte deduzir/compensar o valor
do tributo devido na operação anterior.
Em outro giro
verbal, toda operação sujeita a incidência do ICMS, com exceção das hipóteses
de isenção ou não incidência, o contribuinte terá o direito compensar o valor
do ICMS devido na operação anterior.
Cumpre destacar
que, o direito à tomada do crédito não está vinculado ao pagamento do tributo,
mas, sim, a sua incidência, ou seja, ocorrendo o fato imponível do ICMS o
contribuinte poderá compensar o valor devido a título de ICMS na operação
anterior.
Em linha com o
quanto explanado, é o posicionamento de Antonio Roque Carrazza:
“Adiantamos
que para que o ICMS gere direito de crédito não é preciso que tenha sido
efetivamente cobrado nas operações ou prestações anteriores. Basta que ele
tenha sido devido, sendo irrelevante, pois, sua extinção pelo respectivo
contribuinte.
Deveras,
a Magna Carta nada exige neste sentido, não podendo nenhuma norma
infraconstitucional criar restrições a este respeito.
Isso
significa que o direito à compensação permanece íntegro ainda que um dos
contribuintes deixe de recolher o tributo ou a Fazenda Pública de lançá-lo
(salvo, (...), por motivo de isenção ou não incidência). Basta que as leis de
ICMS tenha incidido sobre as operações ou prestações anteriores para que o
abatimento seja devido.” (Carrazza, 2020, p. 371)
Vale destacar
que, o contribuinte ao adquirir o diesel no começo da cadeia econômica já
recolheu a quantia do ICMS que seria por ele devido no momento da saída do
diesel do seu estabelecimento, pois, como já explanado, no Regime Monofásico o
recolhimento do tributo incidente sobre toda a cadeia econômica é recolhido na
primeira etapa.
Desta feita, não
poderia o CONFAZ por meio do Convênio ICMS nº 199/22 vedar a tomada de crédito
nas operações de saída de óleo diesel.
Urge acrescentar
que, tal vedação foi inserida apenas pelo CONFAZ, haja vista que não encontra
respaldo nem na Lei Complementar nº 192/22 e, muito menos na Constituição
Federal.
Portanto, em uma
análise primária, verifica-se que o Convênio ICMS nº 199/22 não viola apenas o
Princípio da Não Cumulatividade do ICMS, mas também o da Legalidade, porquanto
não pode restringir, suprimir direitos sem expressa previsão normativa.
Contudo, não é
apenas o referido convênio que viola princípios constitucionais, pois a Lei
Complementar nº 192/22 ao prever alíquota específica (ad rem)
para o ICMS Combustível fere o princípio da Especialidade em Função da
Essencialidade.
Para evitar
cobranças excessivas sobre o ICMS Combustível, por ser um item essencial para
os contribuintes em diversos segmentos, fixou-se o entendimento que a alíquota
incidente sobre o referido imposto estadual, não poderia ser superior a
alíquota geral do ICMS do Estado.
Assim,
considerando que os Estados possuem alíquotas gerais de ICMS diferentes, em
razão das suas condições socioeconômicas, ao igualá-las, acabará por impactar a
carga tributária para o contribuinte que tiver a alíquota majorada ou diminuir
a arrecadação do ente federado, caso a alíquota seja reduzida.
E, ao diminuir a
arrecadação dos Estados, na medida em que o ICMS é uma das maiores fontes de
arrecadação, restará violado, também, o Princípio do Pacto Federativo.
Desta forma,
temos que a aplicação do Regime Monofásico para o ICMS sobre os combustíveis
nos moldes em que implementada, poderá ocasionar um aumento dos preços dos
combustíveis, em especial, do óleo diesel.
Art.
155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos
sobre:
(....)
XII
- cabe à lei complementar:
(...)
h) definir
os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única
vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o
disposto no inciso
X, b ; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 33, de
2001) (Vide Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
Mariana Rocha de Souza Dias - advogada pós graduada em direito tributário pela PUC SP é Advogada Associada do escritório Vigna Advogados da área tributária.
Nenhum comentário:
Postar um comentário