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terça-feira, 9 de agosto de 2022

Viés de autoatendimento: Porque este pode ser o verdadeiro vilão do Compliance

Seres humanos tomam milhares de decisões todos os dias, por esse motivo, decisões similares acabam se tornando automáticas, sem haver a devida reflexão sobre a tomada de decisão. Decisões automáticas ou “atalhos mentais” protegem a mente contra desgastes desnecessários e nos ajuda a tomar medidas rápidas. No entanto, atalhos mentais podem levar a vieses cognitivos, ou seja, a erros sistemáticos sobre a realidade.

Vieses cognitivos nos levam a preconceitos, momentos em que temos uma interpretação errônea das informações por conta de uma distorção em nosso julgamento da realidade. Tais tendências acontecem porque a mente identifica padrões baseados em experiências passadas que levam a um desvio de racionalidade e reflexão. Há mais de 50 tipos de vieses cognitivos, no entanto, destaca-se aqui o viés do autoatendimento pelo impacto que pode ter nos Programas de Compliance.

O viés ou preconceito de autoatendimento, acontece quando atribuímos a nós mesmos mais responsabilidade por feitos positivos e atribuímos menos responsabilidade por nossas falhas. Por exemplo, você pode atribuir como sua responsabilidade o sucesso de um projeto dentro da empresa, quando na realidade uma grande equipe foi responsável junto com você para o sucesso do projeto. Ou, você pode ainda atribuir apenas para uma pessoa ou a um grupo o insucesso de um projeto empresarial, sendo que na realidade você participou do projeto e teve sua parcela de culpa pela falha do projeto.

O grande problema com o viés do autoatendimento é que esse fenômeno previne que o sujeito enxergue suas próprias transgressões éticas. Pode ocorrer que uma pessoa atue de forma antiética e não reconheça as consequências negativas por acreditar que a sua atitude não foi de fato antiética, distorcendo, assim, a realidade. Ao se deparar com uma conduta antiética que praticou, o sujeito ativa o atalho mental que reforça para si mesmo que este agiu de forma ética. Ademais, a orientação está associado também à racionalização superficial, que acontece quando tentamos justificar uma atitude antiética por meio da razão, mas sem aprofundar na reflexão.  A ponderação rasa sobre uma ação pode levar a justificativas distorcidas para validar o comportamento antiético.

No âmbito do Compliance esse é um ponto de grande atenção. É preciso que a equipe de Compliance esteja sempre vigilante as suas próprias ações para que não caiam em um atalho mental ao se deparar com situações de não conformidade dentro do departamento. Afinal, a equipe de Compliance deve estabelecer a cultura ética da empresa e ser exemplo de uma atuação ética. 

Ainda, para os colaboradores que atuam de forma antiética, a enorme maioria pode se enquadrar neste viés, de forma que não enxergam a sua atitude como uma atitude antiética. Assim, é essencial o combate a tais atitudes e a instrução do colaborador para compreenda seu comportamento errôneo. Assim, o Programa de Integridade pode auxiliar prestando esclarecimentos e informações para o colaborador para auxiliá-lo a compreender a sua conduta antiética, tal fato pode prevenir a ocorrência de ações de não conformidade no futuro, pois assim o colaborador estará mais atento aos seus próprios atos.

Por fim, ainda que treinamentos de conformidade e procedimentos internos sejam instituídos, todos estão sujeitos ao viés do autoatendimento que pode levar a atitudes de não conformidade. Assim, para combater esse fenômeno é preciso estar atento e diligente às suas ações diárias, bem como é essencial repreender e promover o conhecimento para colaboradores que atuam com tal viés. Vale ter em mente também que o profissional de Compliance deve analisar a fundo dilemas éticos, além de se abster de casos em que possa haver conflitos de interesses, por exemplo, a respeito de atitudes antiéticas da qual é investigado ou da qual amigos ou parentes estão envolvidos.

 

Gabriela Diehl - Advogada, pós-graduada em Direito Empresarial pela FGV-SP, com especialização em direito empresarial internacional pela Université Montpellier e Direito Internacional e Direitos Humanos por Harvard. Especializada em Proteção de dados, com certificação CIPM pelo IAPP (International Association of Privacy Professionals). Atualmente cursando MBA pela University Canada West e Co-fundadora da Be Compliance.


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