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sábado, 23 de maio de 2020

O transcendente que está vivo


O maior conflito do ser humano é ter que entrar em contato com a sua finitude. Enfrentar a morte é algo que assusta, que pode apavorar algumas pessoas e que independentemente de crença religiosa, pode desestruturar a vida de alguém. Nessa temática, surgem discussões da esfera da ciência, religião, filosofia, sociologia, teologia, antropologia, psicologia, da simples e complexa existência humana, relacionadas a questionamentos como: para onde vamos? Quando? Existe continuidade? Terão encontros? Será o fim?

Concretamente, não existem certezas e nesse momento social específico, então, muitas dúvidas.

Mas a verdade profunda é que as certezas, em alguns momentos da vida que podem seguir por toda história pessoal, podem sair do concreto e aparecerem na dimensão do transcendente.

Muitos foram os pensadores que trabalharam com essa temática em diferentes perspectivas. Husserl, Nietzsche, Heiddegger, Fromm, Pannemberg, pensaram e defenderam diferentes posicionamentos. No entanto, é importante esclarecer que a perspectiva desse texto em relação a expressão "transcendente" é a da esfera de invisibilidade que exige que o indivíduo vá além de si e conecte-se com o outro e com o divino. Exige fé, crenças e, sim, dúvidas.

Uma dimensão desconhecida, mas sedutora, atraente e contraditoriamente amendrontadora, por ser desconhecida.

Uma dimensão que tem o poder de dar colo e confortar aqueles que procuram por essa conexão de alguma maneira, permitindo que o próprio ser transcenda o si para acessar o que está além e a dimensão de lá. Não foi aleatoriamente que em 1988 a OMS (Organização Mundial da Saúde) incluiu a dimensão espiritual no conceito multidimensional de saúde, para ela isso tem o sentido de natureza não material e ultrapassa as bordas da religião. Acreditar nesse "lá" pode curar, amenizar dores, proporcionar melhorias físicas, mentais e sociais.

Nessa mesma dimensão, a fé é chave de entrada e passagem para o portal, lugar que permite o indivíduo vulnerabilizar-se e sentir uma força que impacta nos batimentos cardíacos, pressão arterial e nível dos hormônios liberados pelo corpo, além das funções dessa máquina perfeita. Isso já é comprovado cientificamente por pesquisas brasileiras, inclusive na Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, que pesquisa temas relacionados a resiliência, religião e espiritualidade, bem como outros temas relacionados e estudos ao redor do mundo.

Nesse momento em que o nosso mundo tem mais um integrante, o novo coronavírus, o ser humano é confrontado sem dó com o que mais assusta: os próprios limites, a finitude, a impotência.
Esse confronto joga a existência para a solidão, para leitos de UTI e principalmente para a impotência. O ser humano e a dimensão física são impotentes, mas a dimensão transcendente é onipotente! É surpreendente! É milagrosa!

A fé move montanhas, cura, ressuscita, acolhe.
Tempos de coronavírus, em que os templos não podem receber seus fiéis, ensina uma nova forma de relacionamento com Deus.

A busca precisa ser mais individual ou no grupo com ajuda da tecnologia quando a internet não falha. O individual não falha. As conversas íntimas de joelhos, com gosto salgado de lágrimas está abrindo o novo portal. O relacionamento com o transcendente mais próximo e mostrando-se concreto! Mostrando que pode se manifestar fisicamente promovendo bem-estar. Que não depende dos espaços físicos, que independem dos líderes, embora eles possam ajudar, mas que o transcendente existe na existência do ser vivo que o leva para além da própria existência.

O transcendente existe através da natureza desde o homem primitivo e nas comunidades indígenas mais virgens que já sentiam algo maior e para além do que é visível. Que Deus protege e está acima de tudo. Que pode manifestar se através do trovão, da chuva, do sol... que pode manifestar-se através dos relacionamentos, por que não? Através dos medos, da coragem, dos momentos de desamparo e de coragem.

Um novo normal do transcendente está acontecendo, o que entra para o quarto e sem cerimônia torna-se próximo o suficiente para ouvir os medos mais íntimos, muito relacionado ao desamparo. Medo do desemprego, das perdas de pessoas queridas, da fome, da saudade, das complicações. O transcendente pode acolher e oferecer suporte emocional, ele é maior e misterioso, ultrapassa o que é compreensível. Esse transcendente impulsiona o propósito de vida, impulsiona a esperança com esperança, gera fé.

Esperança é um dos sentimentos mais necessários para esse momento tão inusitado, tão novo, tão diferente e forte!
Sim! Ter um propósito de vida preenche vazios.

Podemos ter esperança, pois com ela tudo fica mais organizado e possível. Um mundo melhor pode vir. Dificuldades materiais estão acontecendo, mas o transcendente diz respeito para além do físico e protege, e dá esperança.

Já é comprovado cientificamente que a fé e o investimento na espiritualidade promove saúde. Saúde mental e física que pode ser mensurada com exames de Neuroimagem, exames clínicos e talvez esse momento de pandemia também esteja falando sobre a importância em buscar por melhorias pessoais, por propósito de vida, por esperança num mundo melhor, pela fé no que não se vê mais é poderosa para alterar beneficiando a máquina humana.

O transcendente pode ajudar a autenticidade e coragem para enfrentar os desafios, afinal, ninguém precisa ficar sozinho. Existe algo maior que protege e com acolhido é possível deixar fluir a criatividade, emergir a força interna gerada pela fé que poderá mostrar caminhos alternativos oferecendo esperança e mostrando que a vida continua e que não é necessário matar o que está vivo, mesmo porque o que está vivo é forte demais e faz parte do que transcende! 






Elisa Leão - professora doutora de Psicologia da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, psicóloga clínica e palestrante.

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