Será que você tem ou
conhece alguém que sofre com isso?
Para comemorar a 1ª Semana Estadual de Conscientização sobre Misofonia, recém aprovada pelo Deputado Gil Lancaster, Dra. Tanit Ganz Sanches - Otorrinolaringologista - dá dicas e informações úteis para auxiliar e divulgar este tema que é muito pouco conhecido e divulgado.
O
que é Misofonia e o que ela provoca?
A Misofonia, ou Síndrome da Sensibilidade Seletiva a Sons, é a aversão a
sons bem específicos, de volume baixo e repetitivos. Ela representa um problema
novo, que só recebeu nome no ano 2000. Os sintomas começam na infância ou na
adolescência. Como os pais não entendem, esses jovens são considerados anti-sociais,
chatos e ranzinzas. Isso parece frescura, mas não é!
Misofonia
provoca nas pessoas:
1) uma reação emocional negativa (raiva, ódio,
irritabilidade, nojo)
que é forte, rápida, incontrolável e desproporcional quando esses sons estão
presentes. Ex: sons feitos com a boca (mastigar e deglutir alimentos, mascar chiclete,
tossir, pigarrear, estalar lábios, assoviar, tomar sopa), com o nariz
(respiração ruidosa ou ofegante, soar o nariz, roncar), e com as mãos e os pés
(digitar, clicar caneta, usar talheres, tamborilar, mexer chaves, abrir papel
de bala/pipoca, arrastar chinelo, andar de salto alto). Algumas vezes, latidos,
miados e pios também incomodam bastante.
2) dificuldade de relacionamento familiar, profissional e social, que
resultam em isolamento da pessoa.
A
Misofonia faz parte da quadrilha do ouvido!
Um lado interessante da Misofonia, que é a aversão a sons baixos e
repetitivos, é que ela faz parte da QUADRILHA do ouvido, ou seja,
ela raramente aparece sozinha. Conheça esses acompanhantes:
-
hiperacusia: é o incômodo com o VOLUME dos sons (ex: TV, música, vozes
etc).
-
fonofobia: é o MEDO de se expor a sons porque se podem prejudicar os ouvidos.
- zumbido: é o som do SILÊNCIO, que algumas pessoas percebem antes de
dormir ou o dia todo
Nossa pesquisa de 2016 mostrou que as pessoas com Misofonia também
apresentaram, na opinião delas, os seguintes problemas (em ordem decrescente): ansiedade,
zumbido, transtorno obsessivo compulsivo, hiperacusia e perda auditiva.
Existe uma tendência de rotular a Misofonia como um problema
psiquiatrico, mas nós discordamos por causa da QUADRILHA DO OUVIDO.
A
Misofonia é genética?
Conhecemos uma família interessantíssima para pensar sobre a hereditariedade
da Misofonia!
Durante a consulta médica, uma paciente com misofonia me contou que as 3
irmãs tinham o mesmo incômodo com sons. Para nossa surpresa, quando as
contatamos para nossa pesquisa de 2015, elas também indicaram outros
familiares. No total, obtivemos informações de 15 pessoas dessa família,
distribuídos em 3 gerações, que tinham sintomas parecidos de aversão a
sons!
Vejam a árvore genealógica da
família nas 3 gerações (quadrados = homens, círculos = mulheres, pretos = com
msofonia, brancos = sem misofonia)
A idade atual dos familiares com Misofonia
varia de 9 a 73 anos (média 38.3) e 10 são mulheres (66.6%). Quase todos começaram os sintomas na
infância ou na adolescência.
Então, ela é ou não é
hereditária? Conhecer essa
família nos ajudou muito a entender que a misofonia pode ser genética, sim, mas
novas pesquisa são necessárias porque ainda não dá para descartar que ela pode
ser “aprendida” pela convivência dos filhos com os pais afetados.
Portanto,
precisamos
prestar mais atenção aos jovens de nossas vidas, sejam eles nossos filhos, netos,
sobrinhos ou alunos!
A
Misofonia “rouba” a atenção seletiva!
Já falamos que a Misofonia é a aversão a determinados sons de volume
baixo e repetitivos.
Há anos nós nos perguntamos
POR QUE esses sons baixos incomodam, e não os altos, como as músicas de shows e
baladas, as buzinas do trânsito ou as vozes nas praças de alimentação?
Vários pacientes responderam
que esses sons:
- parecem FALTA DE EDUCAÇÃO,
por isso eles nunca fariam isso: esse pensamento combina com a RAIVA sentida ao
ouvir os sons de mastigar de boca aberta, de fazer barulho quando toma sopa, de
vizinha andando de salto alto etc
- provocam NOJO: isso combina
especialmente com os sons de soar o nariz,
tossir e pigarrear
- roubam a atenção quando eles
precisam se concentrar: para checar isso, pesquisamos alguns voluntários em
2016/2017 para avaliar a ATENÇÃO SELETIVA deles em silêncio e durante o som de
mastigação de maçã. Participaram
40 pessoas (10 com Misofonia, 10 com Zumbido e 20 sem misofonia e sem zumbido).
No teste de atenção feito no silêncio, os 3 grupos tiveram resultados
semelhantes. No teste feito com a adição do som da mastigação, as pessoas com
misofonia tiveram uma porcentagem de acertos BEM MENOR do que as dos outros 2
grupos. Algumas delas até se sentiram mal, com taquicardia e sudorese ao ouvir
o som.
Assim, concluímos que os motivos da seletividade dos sons que incomodam
são variados e que existe um prejuízo importante da atenção em pessoas com
misofonia quando esses sons aparecem.
Por isso, precisamos ter mais empatia com essas pessoas e monitorar os
sons desnecessários que nós mesmos fazemos!
O que acontece nos ouvidos e
no cérebro de quem tem Misofonia?
Todos os sons que nós ouvimos são conduzidos até o cérebro para serem
analisados e entendidos. Eles passam por várias estações até chegarem no córtex
auditivo, que é a região final desse caminho.
Como a Misofonia é um problema descoberto recentemente, várias pesquisas
estão sendo feitas para mais descobertas. Por enquanto, sabe-se que nas pessoas
com Misofonia, duas áreas cerebrais estão mais ativadas durante a passagem dos
sons que são feitos com a boca, nariz, mãos e pés (listados no Post 1 desta
série). São elas:
1) o sistema límbido, que é o centro das
emoções e fica entre o meio e a lateral do cérebro
2) o córtex pré-frontal, que é o centro
da atenção e fica na parte da frente do cérebro
Assim, essas conexões cerebrais SUPER ATIVADAS podem provocar o reflexo
imediato da reação negativa forte e desproporcional com esses sons, além de
fazer com que eles não consigam se concentrar naquilo que precisam fazer porque
prestam mais atenção aos sons que são irrelevantes e não conseguem ignorá-los
como as outras pessoas conseguem.
A
Misofonia e as principais linhas de tratamento
Como já reforçamos, a Misofonia é um problema descoberto recentemente e
muitas pesquisas ainda precisam ser feitas. Até o momento, as principais linhas
de tratamento realizadas são:
1) estimulação sonora, em geral com sons baixos, leves e estáveis que
podem mudar aquela super ativação do centro das emoções (sistema límbico) e do
centro da atenção (córtex pré-frontal), como explicado no Post 5/7.
2) medicamentos: como a Misofonia faz parte da quadrilha do ouvido, nós, otorrinolaringologistas, estamos observando o efeito de alguns medicamentos que são usados para zumbido e hiperacusia, que são dois outros sintomas concomitantes que envolvem ouvidos e cérebro. Alguns psiquiatras usam medicamentos para os sintomas coadjuvantes como ansiedade, fobia e transtorno obsessivo-compulsivo.
3) mudanças comportamentais: podem ser feitas por meio de terapia cognitiva comportamental, aliada ou não ao neurofeedback (técnica de treinamento e monitoração da atenção) e à meditação.
A Ciência e a prática clínica estão sempre avançando, por isso
precisamos adotar as técnicas de tratamento que já estão disponíveis
atualmente, mesmo que elas ainda não sejam capazes de melhorar 100% das
pessoas. Tentar sempre vale a pena e é melhor do que não fazer nada,
certo?!
O que há de
esperança para quem tem Misofonia?
Há
anos nós estudamos pessoas com sintomas pouco valorizados pela Medicina, como
Misofonia, Zumbido e Hiperacusia. Ver pessoas que sofrem e não sabem o que
fazer nem onde procurar ajuda mexe com a gente! Por isso criamos algumas
medidas que podem ser feitas por todos, independente de morar perto ou longe de
um centro avançado.
Uma
de nossas iniciativas foi o SOS MISOFONIA, que é uma maneira anônima, simples e
elegante de avisar as pessoas ao seu redor que os sons que elas produzem podem
ser irritantes. Quem envia o email fica anônimo, escolhe os sons que o
incomodam e que gostaria que as pessoas soubessem. Quem recebe o email vai ler
várias informações sobre misofonia, incluindo os sons que foram escolhidos por
quem enviou. Veja o link http://misofonia.com.br/misofonia-2/ e use à vontade para ajudar as pessoas a entenderem
melhor esse problema.
Também
criamos o Novembro Laranja em 2006, que é uma campanha inicialmente direcionada
apenas para o zumbido, mas que abraçou a Misofonia em 2017 para ajudar a
divulgar essa quadrilha do ouvido!
Outras
ações louváveis foram realizadas por pessoas que sofrem com Misofonia e estão
ajudando milhares de pessoas. São elas:
1) o grupo Misofonia em Português que já conta com mais de 4000 pessoas (https://www.facebook.com/groups/misofoniapt/
2) a recém criada Associação Virtual Brasileira de Misofonia, que também está empenhadíssima em divulgar o assunto e buscar soluções.
3) o Instituto Ganz Sanches criou
o canal TV Misofonia: https://www.youtube.com/channel/UCfiMR1TpWHBrnoMnY5AjKYg
Com
o passar do tempo, temos CERTEZA de que a Misofonia será um problema mais
conhecido, mais investigado e tratado com mais sucesso. Que venha o futuro!
Profa Dra. Tanit Ganz
Sanchez - Otorrinolaringologista
com doutorado e livre-docência pela USP, Fundadora e Diretora do Instituto
Ganz Sanchez, criadora da Campanha Nacional de Alerta ao Zumbido (Novembro
Laranja), do Grupo de Apoio Nacional a pessoas com Zumbido, da TV Zumbido e do
curso online ABC...z do Zumbido. Assumiu a missão de desvendar os mistérios do
zumbido e é pioneira nas pesquisas no Brasil, sendo reconhecida por sua
didática, objetividade e compartilhamento aberto de ideias. É especialista
em Zumbido, Hiperacusia, Misofonia e Distúrbios do Sono.
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