Há alguns dias, na apresentação do programa
Estúdio I (GloboNews), a jornalista
Maria Beltrão entrevistou um casal que decidiu atribuir nome neutro a seu bebê,
a quem não tratam como menino ou menina, para que a "identidade
sexual" da criatura venha a ser resultado de escolha ou escolhas a fazer
no futuro. Durante um bom quarto de hora ambos discorreram sobre o tema,
estimulados pela entrevistadora, enquanto esta e demais membros do colegiado
opinativo intercalavam expressões de admiração e reverência àquela notável
efusão de sabedoria e responsabilidade parental. A ninguém ocorreu perguntar
que tipo de escolha pode fazer quem sequer sabe o que é porque não lhe é
permitido saber.
Impossível desconhecer a existência, no Ocidente, de uma
articulação para impor as teses da ideologia de gênero através, principalmente,
da comunicação social e do sistema de ensino, mirando de modo resoluto e
implacável a população infantil. A ideologia de gênero já integra o patrimônio
vitorioso do "politicamente correto". Quem vê equívoco no que aquela
dupla está fazendo com o bebê, acolhe imediatamente os adjetivos homofóbico,
sexista, machista e preconceituoso.
No ano passado, a Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão, motivada pela apresentação do projeto de lei da Escola Sem Partido,
emitiu uma Nota
Técnica sustentando a inconstitucionalidade do projeto. Nela se lê:
“O que se revela, portanto, no PL e no
seu documento inspirador é o inconformismo com a vitória das diversas lutas
emancipatórias no processo constituinte: com a formatação de uma sociedade que
tem que estar aberta a múltiplas visões do mundo; com o fato de a escola ser um
lugar estratégico para a emancipação política e para o fim das ideologias
sexistas – que condenam a mulher a uma posição naturalmente inferior, racistas
– que representam os não-brancos como os selvagens perpétuos, religiosas – que
apresentam o mundo como a criação dos deuses, e de tantas outras que pretendem
fulminar as versões contrastantes das verdades que pregam”.
A procuradora federal que assina essa nota técnica, Dra.
Deborah Duprat, em debate com o Dr. Miguel Nagib, do Escola Sem Partido,
afirmou textualmente:
"Ademais, essa percepção equivocada
de que a criança pertence à família; que a família tem um poder absoluto (!)
sobre a criança - isso não é verdade. A constituição diz que a criança é um
problema (?) da família, da sociedade e do Estado. A criança recebe educação na
família, mas precisa ser preparada para o espaço público". A
construção do espaço público tem uma arquitetura bem clara na mente da Dra.
Deborah e ela não admite divergência. Quando a lei federal removeu a ideologia
de gênero da Base Nacional Curricular Comum, os burocratas do MEC tentaram
impô-la às unidades federadas através de ato administrativo. Mas se fazia
necessária a aprovação pelas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores.
E quando os legislativos começaram a derrubar a proposta, a Dra. Deborah voltou
à carga requerendo ao PGR Rodrigo Janot que questionasse junto ao STF a
constitucionalidade dessas leis locais restritivas.
O que a jornalista Maria Beltrão e seu colegiado opinativo
politicamente correto desconhecem, escudados pela Dra. Débora Duprat (que
conhece bem) é que a ideologia de gênero serve-se de algumas minorias, para a
ruptura marxista da ordem familiar. A ideologia de gênero é, então, meramente
instrumental. O roteiro vai adiante com sua substância política, deixando para
trás seres humanos cuja identidade - logo ela -
vira uma torre de Babel sempre em construção. Não sei o que mais possa
ser adulterado, depois disso, para aprofundar a desumanização do humano.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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