Crises encurraladas como a brasileira de hoje nos fazem
voltar ao homem primitivo; aos filhos de Deus, homens profundos e raríssimos,
aos alquimistas, aos escribas que produziram literatura admirada pelos
contemporâneos. Passear com rapidez - num artigo é impossível ver a história
"in extenso".
De Rousseau, de Hobbes, "per saltum" chegamos a
Locke, em cujo imaginário de concretude germinou a admirável fórmula dos
"três poderes". O aprofundamento da arquitetura política coube ao
Barão de Montesquieu. Três poderes independentes e harmônicos entre si. Um
respeita e controla os demais. Assim, não haveria excessos. "Cheks and
balances" foi a cunha anglo -saxã.
O número três voltou à essência do mundo. Ímpar, um
número masculino. Os pares são femininos. Três reis magos, trindade, tríade
entre os pagãos, tríplice aliança, três elementos da dialética de Hegel (tese,
antítese e síntese), e assim por diante.
Nossa dramática crise escancara que o três é um mantra de
pedra superado. Falta um, o quarto, a quaternidade da alquimia, no ajuste entre
a governança e o povo. Ocorre que o três sempre reluziu, ao passo em que a
quaternidade foi encoberta e vaga, como consta do axioma de "Maria
Prophetissa", lembrada por Jung, que merece ligeira transcrição,
"expressis litteris": "Os raros casos por mim observados que
produziam o número três eram caracterizados por uma deficiência sistemática no
campo da consciência, ou seja, pela inconsciência da "função
inferior" (...) O número quatro representa o mínimo dos determinantes de
um juízo de totalidade" ("Psicologia e Alquimia", Vozes, 6a.
ed., p. 37).
Só não vê quem não quer a "deficiência
sistemática" na política caótica do Brasil. O Legislativo sob insuportável
suspeição. O Executivo ainda inconfiável. E o Judiciário, por meio do STF,
lançando lenhas na fogueira. Não há solução, não nos enganemos. A esperança é
depositada imaginariamente nas próximas eleições. A primeva alquimia era mais
realista.
O fato é que não se concretiza a "função
inferior". Essa "função" é o povo, já que impossível a
democracia direta, presente tão somente em pequenos cantões suíços. O povo está
"encoberto e vago". Rigorosamente cindido entre opostos, "contra
naturam". Névoas ideológicas amputam o "homem total". Nada nos
garante, nesta quadra, que "les extrêmes se touchent" (os extremos se
atraem). Só visionários ainda crem que, no embate dialético, o Brasil tenha a
síntese.
Vivemos em pleno caos. Nesse labirinto, contudo, não há
só cegos desesperados.
O quarto poder, a "função inferior", o povo
desbussolado, pode perfeitamente ser protagonista histórico. Basta a
institucionalização do Poder Popular, completando-se a quaternidade da
harmonia. Sem restrições. Desde os obreiros até os catedráticos. Em sistema de
revezamento, por indicações dos estados federados, obedientes às inscrições.
Para oferecer ideias e proposituras num período adequado. Para fiscalizar,
inclusive o fiscal (legislativo). Com a participação de indicados, em proporção
não subordinante, dos demais Poderes. Suas resoluções não seriam absolutamente
soberanas. A democracia se corromperia em demagogia (Platão). Tomadas por
maioria, passariam pelas demais instituições republicanas, que somente poderiam
recusá-las por unanimidade ou maioria. Evidentemente, as insinuações retro são
aventureiras e tresloucadas para cientistas políticos e jurisconsultos.
Encontrem, pois, soluções para um povo desencantado,
minorias violentas, governos sem credibilidade, e a maioria da "classe
política" cujo destino são os presídios, ao rigor da lei. Um clima de 1789
e as guilhotinas. Envolver o povo, institucionalmente, trará a
legitimidade que falta. Uma verdadeira democracia para os brasileiros, ao lado
do desenvolvimento, da criação de empregos e da liberdade criativa, antípoda do
autoritarismo estatal.
Amadeu Roberto
Garrido de Paula - advogado e membro da Academia
Latino-Americana de Ciências Humanas.
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