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sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Saiba o que é Bed Rotting e o como isso afeta as novas gerações

O médico e terapeuta João Borzino destaca as implicações biológicas e corporais de fazer uso passivo de telas deitado sob a cama por períodos prolongados 

Há um fenômeno recente na cultura jovem — “bed rotting” — que merece nosso escrutínio não como mera curiosidade viral, mas como sintoma de algo mais profundo: a obrigação que a tecnologia digital impôs sobre nossas almas. Segundo o médico e terapeuta João Borzino, em português, poderíamos chamar “podridão na cama” ou “estatismo horizontal voluntário”. 

Ele diz que na superfície, bed rotting refere-se ao ato de permanecer longos períodos (um dia inteiro ou parte significativa dele) deitado na cama — não dormindo, mas fazendo uso passivo de telas: maratonas de séries, vídeos no YouTube, “scroll” infinito nas redes sociais, lancheando, evitando contatos externos. 

De acordo o terapeuta, João Borzino, esse comportamento é diferente (mas lembrará) de outras práticas conhecidas: clinophilia — o impulso patológico de permanecer deitado mesmo sem dormir —, frequentemente observado em depressão ou esquizofrenia. 

"Também se aproxima do fenômeno estudado como bedtime procrastination (procrastinação para dormir), quando se atrasa o sono sob a justificativa de “merecer mais tempo para mim”, sobretudo impulsionado pelo uso de smartphones e redes digitais", completa. 

O médico destaca que quando examinamos bed rotting através da lente biopsicossocial, vemos camadas entrelaçadas: nossos corpos, nossas psiques e os laços sociais que estamos rompendo. Ele elencou Implicações biopsicossociais:

 

Biológicas / corporais

• Imobilidade prolongada compromete a saúde músculo-esquelética. Crianças ou adolescentes que aderem a essa prática perdem massa muscular, densidade óssea, mobilidade articular. Jackson Health System

• O ciclo sono-vigília tende a se desregular: se você passa tempo na cama em horários impróprios, o cérebro pode perder a clara distinção entre cama = dormir, e cama = estar ativo. Isso piora a qualidade do sono, gera insônia ou fragmentação.

• Privação ou má qualidade de sono agravadas estão associadas a risco elevado de doenças metabólicas: obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão, síndrome metabólica. Mesmo sem estudos específicos para bed rotting, esse perfil aparece nas pesquisas sobre insônia crônica e sedentarismo.

• Desequilíbrios neuroendócrinos: cortisol irregular, resposta ao estresse prejudicada, desacoplamento circadiano.


Psíquicas / mentais

• Depressão e transtorno depressivo maior: muitos veem o bed rotting não como escolha, mas como fuga de energia — “não tenho forças para levantar, então fico ali”. Isso se aproxima das características clássicas da depressão psicomotora.

• Ansiedade generalizada ou transtornos de ansiedade social: a evitação do mundo externo pode aliviar em curto prazo, mas agrava a fobia de interação.

• Distúrbios do uso de tecnologia digital, dependência digital ou comportamento compulsivo de consumo de mídia: as plataformas alimentam esse círculo de permanência e imobilidade.

• Sintomas cognitivos: lentidão mental, déficit de atenção, diminuição da motivação, apatia.


Sociais / culturais / existenciais

• Solidão: ao permanecer fisicamente isolado, perdemos contato, intimidade, presença real. Estudos sistemáticos mostram que isolamento social é fator de risco para depressão, ideação suicida e pior prognóstico para transtornos mentais. PMC+1

• Alienação digital: nos tornamos avatares em telas, perdendo o senso de corpo, de espaço compartilhado. A tecnologia não apenas media relações: ela substitui o encontro.

• “Desumanização” e “desambientalização”: quando passamos mais tempo no espaço fechado da cama do que no mundo real, nos tornamos estranhos a nós mesmos, animais enclausurados. A natureza — caminhar, sol, terra — deixa de existir como experiência visceral.

• A cultura da produtividade tóxica é o contraponto: a geração de hoje é educada para nunca “desligar”. Então surge o paradoxo: para aliviar a exaustão, rende-se ao nada — mas esse nada também mata.

• A metáfora de The Matrix é espelhada: mergulhamos numa realidade virtual — telas, algoritmos — e nos esquecemos de ser reais. Vivemos como prisioneiros de um mundo digital que é ao mesmo tempo nossa libertação e nossa cela.

Se Neo escapou da Matrix para sentir frio, suor, dor, pulsação — ser carne —, nossa geração parece resignada a viver dentro da simulação da tela, anestesiada.

 

Causas, tendências e projeções para o futuro 

João Borzino listou por que essa geração — mais conectada, mais “livre” em teoria — desenvolve tendências como bed rotting? 

• Hiperestimulação constante: redes sociais, notificações, estímulos sensoriais contínuos — isso esgota o sistema nervoso, que em resposta muitas vezes “se desliga” horizontalmente.

• Burnout precoce: ansiedade de performance, pressão escolar, expectativas de autopromoção online. É mais fácil “desligar o corpo” do que resistir.

• Fugas existenciais: num mundo cada vez mais incerto (crise climática, desigualdade, futuro instável), o nada na cama se torna refúgio simbólico.

• Privação de ambiente natural: adolescentes e jovens têm menos contato com natureza, menos espaços públicos livres — já nascem com déficit ambiental.

• Fragmentação das redes sociais reais: famílias mais dispersas, laços comunitários enfraquecidos, menos presença local.

Se não mudarmos o curso, corremos o risco de que essa geração — e a seguinte — percam a prática de habitar o corpo e o mundo. Eles poderão viver presos em simulacros, com corpos deslocados, afetos domesticados, relações vazias. 

Segundo o médico, não há (até o momento) grandes estudos clínicos com “celebridades que admitiram bed rotting” — é um fenômeno novo, muitas vezes não diagnosticado. Mas há relatos de pessoas comuns que, em redes e entrevistas, confessam: 

• Jovens que acreditavam estar “só descansando” e depois descobrem que ficaram internados pela depressão.

• Influenciadores digitais que postam vídeos “rot comigo” mostrando um dia inteiro de cama como um ato de rebeldia contra a produtividade.

• Em fóruns, pessoas descrevem ciclos: “hoje me deitei, amanhã já não consigo me levantar para nada”.

Esses relatos ilustram o perigo: o comportamento pode se tornar crônico, com real impacto funcional, sem que o sujeito perceba.

 

Sinais de alerta: quem está entrando na espiral 

João Borzinho destaca que esses são indícios de que bed rotting ultrapassou o status de “exaustão ocasional” e virou risco:

1. Você passa horas (mais que meio dia) na cama quando deveria estar ativo — e sente culpa por sair.

2. A cama deixa de ser apenas para dormir: ela vira palco de quase toda a jornada de vigília.

3. Há deterioração do sono que não reverte com hábitos: insônia, inversão da vigília, sono diurno.

4. Você negligencia alimentação, higiene, relacionamentos — tudo se adensa sob o edredom.

5. Sente alienação de si mesmo, apatia profunda, lentidão mental.

6. Isolamento social intensificado: evita contato, reuniões, encontros, até de familiares.

7. Uso excessivo de telas com componente de “busca de fuga”: quanto mais horas de tela, mais você fica deitado.

8. Queixas somáticas sem causa orgânica evidente: dores, fadiga, alterações gastrointestinais.

9. Ideação negativa: “para que agir?” — pensamentos depressivos podem aparecer.

10. Já teve diagnóstico de depressão, ansiedade ou transtornos relacionados — isso pode agravar o quadro.

 

Ele fez alerta à sociedade e pontuou que cada segmento deve vigiar e agir 

• Pais: não subestimem o “só mais cinco minutos de cama”. Se um filho adolescente recusa sair da cama por dias, isso não é preguiça: pode ser um sinal de colapso. O quarto não pode virar prisão. Estabeleçam limites, rotinas e cuidado emocional.

• Professores: alunos que deixam de comparecer, que “somem” ou entram em modulação extrema de participação podem estar manifestando esse comportamento. Procurem apoio de orientação.

• Profissionais de saúde (psiquiatras, psicólogos, médicos de família): estejam atentos ao relato de “dias inteiros de cama” como sintoma — não descartem como lúdico. Investiguem depressão, distúrbios do sono, uso problemático de mídia digital, transtornos do humor.

• Adolescentes / jovens: reconheçam que o corpo, o mundo e o outro importam. A cama não é sua principal morada. Se a vontade de ficar deitado supera a de sair da cama, peça ajuda.

• Governantes / formuladores de políticas: investam em espaços públicos, programas de juventude, ambientes que reintroduzam o contato humano e o corpo (praças, esporte, cultura presencial). Atenção à saúde mental como crise sistêmica. 

"Vivemos a geração que cresceu com internet, smartphones e redes sociais — onde a maior parte da vida real acontece em telas e algoritmos. Mas agora enfrentamos o momento em que o próprio corpo se recusa. Bed rotting é a expressão simbólica de uma humanidade que se enjaulou dentro do conforto digital, que esqueceu que somos animais que caminham sob o sol, tocamos, nos cruzamos, nos abraçamos.Se não desligarmos alguns sistemas — culturais, educacionais, econômicos — seremos vencidos por aquilo que criamos. E a cama virará o túmulo da nossa vitalidade", conclui.

 

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