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sábado, 29 de novembro de 2025

Por que tantas pessoas começam ou intensificam a terapia no fim do ano?

Psicanalista Tássia Borges explica o que acontece emocionalmente em dezembro e dá dicas para atravessar o período com mais leveza


O fim do ano costuma ser associado a festas, pausas e celebrações. Mas, para muitas pessoas, dezembro é um período emocionalmente sensível, razão pela qual há quem procure iniciar ou intensificar sessões de psicoterapia.

 

Segundo pesquisas da American Psychological Association (APA), em seu Holiday Stress Report, cerca de 38% dos entrevistados relatam aumento significativo de estresse no fim do ano, impulsionado por sobrecarga emocional, exigências sociais e obrigações familiares e financeiras. Já a organização norte-americana National Alliance on Mental Illness (NAMI) aponta que 64% das pessoas com histórico de transtornos mentais relatam piora dos sintomas entre novembro e dezembro – mas vale destacar, ainda, que no hemisfério norte a época é marcada pelo inverno, o que pode ter um impacto significativo na saúde mental de algumas pessoas.

 

“Esses dados refletem um movimento que também observamos no Brasil: o fim do ano funciona como um amplificador emocional”, afirma Tássia Borges, psicanalista e Mestre em Psicologia Clínica.

 

Para ela, a época de festas reúne três fatores que influenciam diretamente a saúde mental: a cobrança por pertencimento, a pressão por felicidade e a necessidade simbólica de ‘fechar o ano’. “No fim do ano, muitas pessoas se sentem pressionadas a estar bem, a participar de reuniões familiares e a cumprir expectativas sociais, mesmo quando isso contraria seus limites internos. A terapia surge como um espaço seguro para elaborar essas tensões e reencontrar um eixo emocional”, explica a psicanalista.

 

No que tange à dinâmica familiar, explica Tássia, ela costuma ganhar um peso desproporcional no período. “Existe uma fantasia de que toda família precisa se reunir e estar em harmonia, e isso nem sempre corresponde à realidade emocional dos indivíduos. Muitas pessoas comparecem a encontros familiares apenas para evitar conflitos, mesmo sabendo que sairão esgotadas”, diz. “Num trabalho analítico, o primeiro passo é definir o que ‘família’ significa para cada pessoa. Há diferentes configurações possíveis, e nenhuma é menos legítima que a outra”, afirma.

 

Pressão social, consumismo e comparação são igualmente danosos. A mídia, as redes sociais e o imaginário coletivo reforçam que dezembro deve ser sinônimo de abundância: presentes, viagens, grandes mesas, looks novos. A psicanalista alerta que essa atmosfera pode despertar culpa, inadequação e até endividamento. “Quando tentamos atender expectativas externas, nos desconectamos dos nossos valores internos. Isso gera conflito e sofrimento”, completa.

 

A “obrigação de estar feliz” também sobrecarrega pessoas que estão vivenciando luto, separações, adoecimentos ou mudanças drásticas. “Dezembro também ativa um tipo de avaliação silenciosa — e muitas vezes cruel — que cada pessoa faz sobre si mesma. Há uma fantasia de que devemos terminar o ano transformados. Mas muitas metas são irrealistas, grandiosas ou desconectadas do cotidiano. A terapia ajuda a diferenciar desejo genuíno de exigência impossível”, diz Tássia.

 

Ela acrescenta que acreditar que tudo – ou nós mesmos – mudará subitamente no dia 1º de janeiro é uma forma de pensamento mágico que aumenta a frustração. “O ano muda no calendário, mas quem muda somos nós quando fazemos contato com nossa verdade interna”, finaliza.

 

A seguir, Tássia compartilha dicas para atravessar o fim do ano com mais leveza:

 

- Permita-se sentir o que sente: não existe “estado emocional correto” para dezembro. Validar seus sentimentos é um ato de autocuidado.

 

- Refaça o significado das festas: você pode criar rituais, horários e formas de celebrar — ou de não celebrar — que façam sentido para sua história.

 

- Estabeleça limites: é possível participar sem se anular. Vale reduzir o tempo, escolhendo ambientes ou se afastando de dinâmicas que fazem mal.

 

- Reduza expectativas irreais: nem todo encerramento precisa ser extraordinário. Às vezes, o que faz sentido é apenas seguir existindo com sinceridade.

 

- Fuja das comparações sociais: o que vemos nas redes é recorte, não realidade. Use essas plataformas com consciência emocional.

 

- Honre as ausências com significado: para quem vive o luto, criar um pequeno tributo ou retomar um gesto simbólico pode trazer conforto.

 

- Reserve pequenos respiros: pausas breves ao longo do dia ajudam a regular emoções e criar espaço para decisões mais lúcidas.

 

- Busque apoio se necessário: falar com alguém de confiança ou iniciar terapia pode aliviar tensões acumuladas.

 

 

Tássia Borges - especialista em assuntos relacionados à saúde mental e o psiquismo – entre eles ansiedade, narcisismo, questões geracionais, de relacionamento, luto, solidão e entraves psíquicos que podem impedir atletas de atingir altas performances. Mestre em Psicologia Clínica pelo Núcleo de Método Psicanalítico e Formações da Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Bacharel em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), ela trabalha com educação e linguagem há mais de 20 anos. Fundou e dirige o Instituto Kleiniano de Psicanálise, cuja missão é compartilhar de modo responsável e especializado os conhecimentos técnico-teóricos da psicanalista austríaca Melanie Klein (1882-1960) bem como de autores que dialogam com seu pensamento.



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