
Interior de pobres II (1921).
Crédito: Acervo Museu Lasar Segall
Com curadoria de
Patrícia Wagner, mostra destaca a dimensão poética da trajetória do artista e
sua relação com temas como deslocamento, espiritualidade e condição humana
O Museu Judaico de São Paulo inaugura em
29 de novembro a exposição Lasar Segall: sempre a mesma lua,
realizada em parceria com o Museu Lasar Segall. Reunindo 60
obras — entre pinturas, gravuras, desenhos, aquarelas e documentos inéditos —,
a mostra apresenta um panorama amplo da produção do artista. A curadoria de Patricia
Wagner adota um olhar poético para explorar suas múltiplas
linguagens e a construção de uma identidade que, embora enraizada na tradição
judaica, dialoga com temas universais como deslocamento, espiritualidade e a
condição humana.
O ponto de partida é a associação entre a imagem da
lua e o profundo sentimento humano que
Segall atribuía à própria identidade judaica. Entendida como presença constante
e transformadora, a lua orienta o percurso expositivo e articula memória,
espiritualidade e experiência coletiva. A partir desse símbolo, a mostra
evidencia como, em cada fase, o artista equilibra tensões pessoais, heranças
culturais e observações sobre o mundo.
Nascido em 1889 em Vilnius, na Lituânia, e
naturalizado brasileiro, Segall cresceu em um ambiente de ortodoxia religiosa e
tradições seculares. Filho de um escriba da Torá, teve contato imediato com
práticas artesanais, influências que moldaram sua visão artística. Em um
contexto dominado pela representação figurativa, sua escolha pela carreira
representou uma ruptura relevante para a época.
Na Europa, em diálogo com a modernidade, Segall
desenvolveu uma linguagem própria que combina sua ascendência judaica lituana,
a cultura da Europa Oriental e a intensidade espiritual da região. Essa fase
prepara o terreno para o núcleo central da exposição, que coloca lado a lado
obras do período expressionista na Alemanha e trabalhos produzidos após sua
imigração definitiva ao Brasil, em 1923. Nesse encontro, torna-se visível a
“transcriação” de suas linguagens: a paleta tropical brasileira se sobrepõe às
cores densas do período alemão, expandindo suas relações entre forma, cor e
espaço.
A mostra destaca também a maneira como Segall
absorveu os reflexos de seu tempo. Nos anos 1930, com o avanço da Segunda
Guerra, a dimensão trágica da condição humana retorna em obras marcadas por
atmosferas opacas, tons terrosos e representações de deslocamentos,
perseguições e perdas.
No Brasil, sua condição de imigrante também o expôs
a preconceitos, tema que perpassa sua produção e sua recepção crítica. Durante
uma grande retrospectiva no Museu Nacional de Belas Artes, Vinicius de Moraes
publicou um artigo defendendo o artista dos ataques conservadores. No texto, o
poeta recupera um episódio relatado por Rubem Braga: ao observar a lua, Segall
comentou “Essa velha lua, amigo, sempre a mesma...” — frase que resume o
símbolo que permeia toda a exposição.
Entre as obras presentes no conjunto está Eternos
caminhantes (1919), confiscada pelo regime nazista em 1937 e
exibida na mostra Arte Degenerada, parte da campanha contra o modernismo. A
pintura também integrou o documentário Arquitetura da Destruição (1989), de
Peter Cohen. São exibidas ainda obras emblemáticas como Morte
(1919), do acervo da Pinacoteca de São Paulo; Morro vermelho
(1926), de coleção particular; e Interior de pobres II (1921), peça restaurada
especialmente para a mostra.
Com um recorte direto e acessível, a curadoria
destaca como Segall utilizou diferentes linguagens para construir uma
identidade artística própria — ancorada em uma tradição específica, mas capaz
de alcançar questões universais.
“Incorporando os dramas e transformações de seu
tempo, Segall faz de sua produção o equivalente visual de um movimento ético e
estético. A mostra propõe, assim, um olhar renovado sobre sua obra, destacando
sua potência em articular dilemas humanitários e sociais que transcendem
fronteiras geográficas, culturais e religiosas”, afirma a curadora Patricia
Wagner.
Lasar Segall: sempre a mesma
lua reafirma a relevância do artista e sua capacidade de
transformar vivências pessoais e coletivas em imagens que continuam a suscitar
reflexões sobre arte, memória e humanidade.
Sobre o artista
Lasar Segall (Vilnius, 1889 – São Paulo, 1957) foi
pintor, gravador, escultor e cenógrafo. Formado nas academias de Berlim e
Dresden, integrou a vanguarda expressionista e foi um dos fundadores da
Dresdner Sezession Gruppe 1919. Em 1923, emigrou para o Brasil,
estabelecendo-se em São Paulo, onde participou do movimento modernista e
contribuiu para a criação da Sociedade Pró-Arte Moderna. Impactado pela guerra
na Europa e pelos deslocamentos humanos, iniciou na década de 1930 uma série de
obras que traduzem a dor do exílio e a condição dos marginalizados, como Emigrantes
e Navio
de emigrantes. Sua pintura alia rigor formal e empatia ética,
articulando espiritualidade e crítica social. Naturalizado brasileiro, foi
homenageado em vida com retrospectivas no MNBA e no MASP. Após sua morte, sua
casa-ateliê transformou-se no Museu Lasar Segall, inaugurado em 1967.
Sobre o Museu Judaico de São
Paulo (MUJ)
Serviço:
Lasar Segall: sempre a mesma
lua
Curadoria: Patrícia Wagner
Abertura: 29 de novembro
Período expositivo: 29 de novembro a 5 de abril de 2026
Local: Museu Judaico de São Paulo
Endereço: Rua Martinho Prado, 128 – São Paulo, SP
Funcionamento: Terça a domingo, das 10 horas às 18 horas (última entrada às 17h30).
Ingresso: museujudaicosp.org.br/programacao/
Classificação indicativa: Livre
Acesso para pessoas com
mobilidade reduzida
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