![]() |
| Freepik |
A reforma tributária do
consumo, criada por meio da PEC 132/2023, que institui o IVA e será
implementada gradualmente a partir de 2026, inaugura uma das maiores mudanças
estruturais já enfrentadas pelo setor imobiliário. O novo modelo introduz
novas regras, redutores e duas camadas de transição que influenciarão
diretamente incorporadores, locadores, loteadores, investidores e pequenos negócios.
O novo arcabouço foi detalhado
pela advogada e professora Isabela Tralli, vice-presidente da Comissão de
Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (Ibradim), e
pelo tributarista Ricardo Lacaz Martins, coordenador dos cursos de pós-graduação
da FGVLaw e membro do Conselho Jurídico do Secovi-SP, na palestra "Reforma
Tributária no Setor Imobiliário: Sistemática, Redutores de Ajuste e Social e
Período de Transição (Contratos de Longo Prazo)”, realizada na reunião de
novembro do Conselho de Altos Estudos de Finanças e Tributação (CAEFT) da
Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
A discussão também explorou o
regime de transição para contratos de locação e incorporação imobiliária, além
das complexidades de fiscalização e do impacto econômico para contribuintes e
consumidores - em especial os pequenos.
Segundo os especialistas,
o setor lutou técnica e politicamente por um tratamento diferenciado, que
inclui a introdução de redutores de alíquota (50% e 70%) e a criação de
mecanismos como o Redutor de Ajuste e o Redutor Social para a base de cálculo
com o intuito de mitigar o aumento da carga tributária. Os motivos são as
peculiaridades das operações imobiliárias.
Entre elas, estão o
descasamento estrutural entre receita e despesa, com empreendimentos que duram
anos e reconhecem receitas e custos em momentos diferentes, e as dificuldades
de cobrança na locação, com inadimplência elevada e cobrança lenta - o que
inviabilizaria um regime de competência para IBS/CBS na locação residencial e comercial.
Outro motivo é a complexidade jurídica do setor, que envolve permutas,
patrimônio de afetação (que separa os bens, direitos e obrigações de um
empreendimento imobiliário do patrimônio da construtora/incorporadora),
retrofits, loteamentos e outros tipos de contratos atípicos.
Isabela fez uma analogia para
descrever a dificuldade fundamental em encaixar o setor imobiliário na reforma,
dada a natureza do imóvel (consumo ou não), no novo sistema de tributação que
levou à criação de um regime específico.
"A gente sempre brinca que
parece aquele brinquedo de criança, que tem um monte de bolinhas e quadradinhos
que você tem que encaixar, e pega o quadradinho e fica tentando colocar na
bolinha. O setor imobiliário é mais ou menos isso nesta reforma tributária do
consumo", disse.
Sua frase realça a visão de que
o setor imobiliário é particular e atípico, pois suas operações e insumos (como
o terreno, que dura a vida toda) não se encaixam naturalmente na lógica do IVA,
um imposto sobre o consumo. "Por isso a necessidade de criar um
regime especial bastante específico para o setor", reforçou.
De forma complementar, o
tributarista Ricardo Martins sintetizou o mecanismo central criado para
compensar a não cumulatividade imperfeita do setor: o Redutor de Ajuste. O
tributarista explica que o redutor foi a sistemática jurídica e econômica
encontrada para "atribuir ao valor do imóvel o crédito atinente àquele
insumo", evitando que o IVA se tornasse cumulativo. Ele também destacou a
complexidade da solução encontrada para locação, comparando-a a um
"Frankenstein".
O Congresso chegou a discutir,
na véspera da votação da PEC 132, adotar para o setor um modelo semelhante ao
de saúde e educação — com redução constitucional de 60% da alíquota. Porém,
segundo Martins, “a decisão foi tomada aos 45 do segundo tempo”, e optou-se por
manter um regime especial no âmbito da lei complementar.
A
sistemática e os redutores de alíquota
O regime específico
para o setor imobiliário abrange diversas operações, incluindo incorporação
imobiliária, loteamento, administração, intermediação, construção, locação e
alienação de bens imóveis (fora do regime de incorporação).
Considerada 'uma
grande conquista para o setor', segundo os tributaristas, a medida nasceu pela
atuação de entidades como o Secovi-SP, que resultaram na negociação de
redutores de alíquota para mitigar o impacto da nova sistemática tributária.
Isabela Tralli
destacou que a maioria das operações imobiliárias se beneficiará de um redutor
de alíquota de 50%. Para a locação de bens imóveis, o redutor é ainda
maior, alcançando 70%. Martins explicou que essa diferença se deve a uma
particularidade estrutural, já que o principal insumo (o terreno ou imóvel) não
gera crédito para o locador.
Para um melhor entendimento, a
advogada explicou a nova sistemática, os redutores criados e o regime de
transição para contratos de longo prazo, e o tributarista comentou algumas
peculiaridades, a seguir:
Bloco 1
Redutores
de Alíquota - O setor conseguiu negociar
redutores substanciais na alíquota modal do IBS/CBS (que pode variar, mas é
projetada em torno de 26,5% a 28%): Locação terá redutor de 70% sobre a
alíquota modal. Já outras operações (incorporação, loteamento, etc.) terão
redutor de 50% sobre a alíquota modal.
Momento da Tributação (Regime de Caixa) - Para incorporações
e loteamentos, o fato gerador (ato de alienação) define a alíquota aplicável,
mas o pagamento do IBS/CBS ocorre no recebimento efetivo das parcelas (regime
de caixa). Este regime também foi adotado para locação e
administração/intermediação de bens imóveis.
A adoção do regime de caixa para locação foi crucial, especialmente em casos de
inadimplência, pois evita que o locador pague o imposto sem ter recebido a
receita. Ricardo Martins explica que o redutor de 70% para locação decorre do
fato de que o setor não pode tomar crédito sobre seu principal insumo (o
terreno), e o alto redutor compensa a vedação, evitando cumulatividade.
Bloco 2
Para harmonizar a tributação e
incentivar a habitação social, foram criados dois redutores de base de cálculo:
Redutor de Ajuste, para terrenos e insumos sem crédito, e o Social, para dar
progressividade à tributação.
O Redutor de Ajuste foi
estabelecido para resolver o problema da não cumulatividade em relação aos
principais insumos que não geram crédito, notadamente o terreno. Ricardo
Martins define o mecanismo. "O redutor de ajuste nada mais é do que você
dar crédito do insumo mediante um redutor de base de cálculo."
Ou seja, tecnicamente, é uma
redução da base de cálculo para evitar a cumulatividade sobre o valor agregado.
Abrange valor do terreno (insumo principal), ITBI e Laudêmio (incidentes na
aquisição do imóvel) e contrapartidas (de ordem urbanística e ambiental, como
construção de escolas ou complexos viários em troca de licenças).
Este valor será vinculado ao Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), o "CPF
dos imóveis", a partir de 2027, contendo informações sobre o imóvel e
incluindo seu redutor de ajuste. Para imóveis já existentes em 31/12/2026,
o contribuinte pode optar por usar o valor de aquisição ou um valor de
referência definido pelas administrações tributárias para calcular o redutor
inicial.
Já o Redutor Social,
que pretende conferir progressividade à tributação, tem como objetivo
beneficiar a habitação de interesse social. Para o Imóvel Residencial Novo
(Incorporação), o contribuinte pode reduzir R$ 100 mil da base de cálculo.
Em Lotes Residenciais, o
redutor será de R$ 30 mil, e para Locação Residencial, o redutor será de R$ 600
por mês por bem imóvel. Isabela Tralli ilustra o efeito da
progressividade: quando se fala de um imóvel do Minha Casa, Minha Vida que
custa R$ 250 mil, é possível reduzir R$ 100 mil da base de cálculo, então a tributação
será sobre R$ 150 mil.
"Mas se eu estiver falando
de um imóvel de R$ 1 milhão, eu vou excluir da base de cálculo os mesmos R$ 100
mil. Como o valor de R$ 100 mil é fixo, o impacto percentual é muito maior em
imóveis de menor valor", explica.
Bloco 3
Período de
Transição e Contratos de Longo Prazo - O setor imobiliário é marcado por empreendimentos que transcendem anos
fiscais, gerando um "descasamento de receita e despesa". Por isso, o
regime de transição para contratos de longo prazo é crucial, explicaram os
especialistas.
No caso de contratos de locação
(long-term leases) firmados antes de 16 de janeiro (data de
publicação da lei), é possível permanecer no regime antigo (PIS/COFINS
cumulativos, geralmente com alíquota de 3,65%), desde que não sejam alterados
ou renovados.
Contudo, a opção de manter o regime antigo pode ser desfavorável. Ricardo
Martins aponta que a alíquota final do novo regime (após o redutor de 70%) será
de cerca de 8,8%. "Durante a transição, a incidência será gradual. Permanecer
no 3,65% cumulativo é ruim, especialmente considerando a criação de direito a
crédito no novo regime."
Já no caso de incorporação
(empreendimentos), a transição foi estabelecida pelo direito de protocolo:
projetos que protocolaram (e obtiverem autorização do RET - Regime Especial de
Tributação) até 1º de janeiro de 2029 podem manter a tributação antiga
(PIS/COFINS cumulativos).
A escolha, no entanto, é complexa. Manter o regime cumulativo (pagando 2,08%
sobre a receita no RET) parece benéfico, mas o custo de construção (insumos)
pode subir até 30% com o IVA. Martins colocou a questão: é melhor a
sistemática cumulativa ou não cumulativa? "Na cumulativa, tributo é custo.
A decisão deve ser feita por empreendimento, analisando seu estágio de vida."
Os pequenos
locadores e o fluxo de caixa
O impacto da reforma tributária
no setor imobiliário e, em consequência, na liquidez e no fluxo de caixa dos
pequenos locadores e até locatários (como lojistas, por exemplo) também foi
lembrado pelo tributarista e coordenador do Caeft, Luiz Eduardo Schoueri.
Os especialistas destacaram que
o fluxo de caixa dos incorporadores é historicamente negativo, pois os
custos dos insumos são dispendiosos, mas o recebimento das vendas é lento e
parcelado. Assim, a nova carga de IVA, antes de ser creditada, poderia
pressionar o caixa de forma "descomunal".
Para resolver essa problemática, o regime da reforma permite que projetos sob o
Patrimônio de Afetação possam solicitar a restituição dos créditos do IBS/CBS
(inclusive via Pix pelo Comitê Gestor) durante a obra, ou carregar esses
créditos com correção monetária (IPCA).
Porém, no caso de pequenos
proprietários e locadores (pessoa física), a reforma introduz o conceito
de "contribuinte" e "não contribuinte, explicou Isabella. Pessoas
físicas que alugam poucos imóveis e não se qualificam como contribuintes (mais
de três imóveis e receita anual de R$ 240 mil) não terão IBS/CBS sobre a venda,
mas também não se beneficiam dos créditos.
Para pequenos locadores
residenciais e seus inquilinos (que são, via de regra, consumidores finais, ou
B2C), o redutor social de R$ 600 por mês deve ajudar a mitigar o aumento de
carga do imposto final (8,8%).
No entanto, há uma preocupação com o repasse econômico e a fiscalização. Se o
inquilino for um não contribuinte (pessoa física), o imposto de 8,8% aumenta o
custo efetivo da locação. Ricardo Martins alertou que esse aumento pode motivar
a informalização, especialmente entre locações de pessoas físicas.
Já Isabela mencionou que a
Receita Federal planeja um sistema de autodeclaração para que a pessoa física
informe que é contribuinte ao atingir os limites. Além disso, a inclusão do
IBS/CBS na competência municipal (junto com a criação do CIB) pode intensificar
a fiscalização, "forçando a formalidade onde antes havia pouco controle
tributário", sinalizou.
Karina Lignelli
https://www.dcomercio.com.br/publicacao/s/entenda-como-o-setor-imobiliario-sera-afetado-pela-reforma-tributaria

Nenhum comentário:
Postar um comentário