Especialista explica por que episódios extremos não definem um vínculo e como a convivência com pets envolve cooperação, adaptação e significado afetivo real
O caso envolvendo o influenciador
Matheus Vandré, que perdeu parte do dedo mindinho do pé enquanto dormia e
descobriu que o próprio cachorro, Braddock, havia mordido a região, ganhou
repercussão nacional e levantou uma questão sensível: o que realmente define o
vínculo entre pessoas e seus animais?
Para a psicoterapeuta e pesquisadora Renata Roma,
da University of Saskatchewan (Canadá), especialista em interações
humano-animal, entender essa situação exige separar instinto de intenção e
olhar para a profundidade das relações afetivas com pets.
Instinto, e não violência
No episódio mais recente do seu podcast
Mais que um Pet, Renata explica que o comportamento de Braddock não deve
ser interpretado como agressão. “Os cães exploram o ambiente por meio da boca.
Eles reagem a cheiros, texturas e estímulos que às vezes a gente nem percebe.
Para o cão, aquilo não é violência intencional; é outra forma de interação com
o mundo”, afirma.
Cooperação, não controle
Segundo ela, grande parte da confusão
pública surge da visão equivocada de que relações com animais devem funcionar
sob controle total. “Relações não são baseadas em controle. São baseadas em
cooperação. Quando a gente ensina um cão a sentar, não é obediência cega, é
criar uma linguagem comum, coordenar expectativas e ritmos. É uma conversa, não
uma ordem”, explica.
Essa ideia de “hierarquia rígida”,
afirma Renata, faz com que muitas pessoas defendam o rompimento imediato quando
algo foge ao esperado.
Por que as pessoas ficam? Porque existe vínculo
Pesquisas mostram que 97% dos tutores
consideram seus pets membros da família, número consistente em diversos países.
“Isso não descreve fantasia, descreve cotidiano. Animais oferecem suporte
emocional, reduzem o isolamento, organizam a rotina. Para muitas pessoas, eles
ocupam um lugar equivalente ao de outros membros significativos da
convivência”, diz Renata.
Por isso, continuar com Braddock não é
irracional: é coerente com uma história de convivência. “Esse vínculo não
desaparece por causa de um acontecimento difícil. Certamente o tutor vai tomar
medidas de prevenção e segurança. Isso é responsabilidade e responsabilidade
não precisa ser punitiva”, afirma Renata.
Ser família também vale nos momentos difíceis
O caso, segundo a pesquisadora, expõe
uma pergunta crucial: quando dizemos que o pet é família, isso vale sempre ou
só quando tudo está bem? “Se ser família só vale quando está fácil, então não
estamos falando de família, estamos falando de conveniência. Vínculos reais
incluem desafios, frustrações, situações inesperadas. E, nesses momentos, a
resposta raramente é simples ou punitiva”, destaca a psicóloga.
Renata reforça que vínculos verdadeiros se sustentam justamente na capacidade de reorganização, não de ruptura imediata. “Quando dizemos que o animal é mais que um pet, estamos dizendo que ele ocupa um lugar afetivo profundo. E é aí que entra a pergunta essencial: isso vale também quando dá errado?”, conclui ela.
Renata Roma - psicoterapeuta e pesquisadora na University of Saskatchewan (Canadá), especialista na relação entre saúde emocional, infância e vínculos com animais. Ela desenvolve pesquisas há mais de 10 anos sobre os benefícios (e desafios) das interações entre humanos e animais.
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