'Os Ministros só podem sair cercados
de seguranças, recebendo do povo o mesmo tratamento dos políticos, com apoio
daqueles que representam a linha por quem o STF demonstra preferência no
cenário político e críticas daqueles que não'IMAGEM: Pedro Ladeira
Folhapress
Formei-me em 1958 em Direito na
FDUSP e desde o início da década de 60, quando cinco dos atuais Ministros ainda
não tinham nascido, atuo perante a Suprema Corte.
À época, o Poder Judiciário só
podia dizer se uma lei era ou não constitucional, mas jamais elaborá-la e,
mesmo no regime de exceção (1964-1985), sempre assim agiu.
Sendo assim, a característica
maior do STF era ser um Poder Técnico e, portanto, um legislador negativo, em
absoluta consonância com o previsto no artigo 103, §2º da CF/88, de acordo com
o qual nem nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão poderiam os
Ministros elaborar a lei, no máximo podendo declarar sua omissão
inconstitucional e pedir ao Legislativo para fazê-la:
·
2º Declarada a
inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma
constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das
providências necessárias (...).
Hoje, entretanto, a Suprema
Corte adota uma linha diferente, atuando também como legislador positivo e, até
mesmo como corretor de rumos do Executivo, legisla e administra. Segue, pois,
linha doutrinária cujo nome varia de neoconstitucionalismo, consequencialismo a
jurisdição constitucional.
Significa dizer que, repetidas
vezes, o STF tornou-se Poder Político, legislando em matérias que deveriam ser
exclusivamente do Congresso, como no marco temporal, no aborto, na internet,
casamento entre pessoas do mesmo sexo, drogas, anencefalia, etc.
Ocorre que o Judiciário, por
não representar o povo, mas apenas a lei, ao exercer funções legislativas e
administrativas, condena o país a ter 3 Poderes políticos e não 2 políticos e 1
técnico, gerando, a meu ver, insegurança jurídica, com eliminação do juiz
natural, inquéritos intermináveis, alargamentos do foro privilegiado para um
universo de cidadãos comuns, o estabelecimento de uma única instância sem via
recursal, dificuldades de acesso às acusações, banalização das prisões
provisórias e preventivas.
Por esta razão, os Ministros só
podem sair cercados de seguranças, recebendo do povo o mesmo tratamento dos
políticos, com apoio daqueles que representam a linha por quem o STF demonstra
preferência no cenário político e críticas daqueles que não.
Lembro-me quando, nos 43º
Simpósios de Direito Tributário que coordenei no Centro de Extensão
Universitária, sempre trazendo Ministros do STF, STJ e desembargadores para
palestrarem, que saia com os Ministros Moreira Alves, Oscar Corrêa, Sydney
Sanches, Cezar Peluso, Cordeiro Guerra e outros para jantar, às vezes, andando
sozinhos pela rua, sem necessidade de nenhum segurança.
Com todo o respeito que os
eminentes Ministros da Suprema Corte, que são grandes juristas, merecem,
entendo não ter sido tal atuação a vontade do Constituinte claramente expressa
em dizer que caberia ao Legislativo zelar por sua competência normativa perante
os Poderes Judiciário e Executivo:
Art. 49. É
da competência exclusiva do Congresso Nacional:
XI - zelar
pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa
dos outros Poderes;
Nunca discuti o nível dos
Ministros, sua idoneidade moral e competência, mas permito-me, como um velho
professor, divergir doutrinariamente da linha por eles adotada, lembrando que
minha palavra serve, no máximo, para reflexões acadêmicas, enquanto que suas
decisões têm força de lei.
No entanto, no momento que, uma
vez examinados o Poderes Judiciários de 142 países, ficamos em 80º lugar no
Rule of Law Index (Índice de Estado de Direito), publicado pelo WJP (World
Justice Project), creio que muito há para meditar.
**As opiniões
expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não
coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio.
Ives Gandra da Silva Martins - É advogado, professor emérito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP e fundador e presidente honorário do Centro de Extensão Universitária do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS).
Fonte: https://dcomercio.com.br/publicacao/s/o-stf-de-ontem-e-o-de-hoje
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