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terça-feira, 2 de agosto de 2022

Pesquisa aponta que 68% dos pais brasileiros não tiraram a licença paternidade mínima de cinco dias prevista por lei.

Especialistas da Filhos no Currículo apontam o que motiva os medos em pausar o trabalho para acompanhar os primeiros dias dos filhos, e qual o papel da liderança nessa mudança de mentalidade.


A segunda edição do relatório “Situação da Paternidade no Brasil” realizado pelo Instituto Promundo em 2019, aponta que 82% dos pais brasileiros concordam que fariam tudo o que fosse necessário para estarem muito envolvidos com o cuidado do filho recém-nascido ou adotado nas primeiras semanas.  Em paralelo, a realidade surpreende, mostrando que 68% dos pais não tiraram sequer a licença paternidade de cinco dias prevista por lei após o nascimento ou adoção.  

Somado a isso, dados da Receita Federal de 2019, coletados e divulgados em 2021 no estudo “Licença paternidade estendida” (também do Promundo), apontam que apenas 13% das empresas brasileiras aderiram ao Programa Empresa Cidadã (Lei nº 11.770/2008), que permite prorrogar por até sessenta dias a duração da licença-maternidade (podendo totalizar seis meses) e por quinze dias (totalizando vinte dias) a duração da licença paternidade. O estudo também aponta uma resistência dos homens em usufruir da licença, mesmo daqueles colaboradores das empresas que aderiram ao benefício. 


O que eles temem?

Michelle Terni, CEO da Filhos no Currículo, consultoria parceira da parentalidade dentro das organizações, e que acompanha de perto o dilema das empresas na construção de políticas de viabilidade para as novas medidas parentais, aponta alguns dos principais motivos para a baixa adesão masculina à licença paternidade estendida. Entre eles, o desconhecimento sobre os ganhos do vínculo, o que significa que para muitos homens ainda não está clara a importância de seu papel ativo nos cuidados com a criança. “Muitos não estão habituados em ocupar um papel de protagonismo nesse cuidado, e sim de coadjuvante", salienta.  

Essa percepção é evidenciada em estudos, entre os quais o "Atitudes globais em relação à igualdade de gênero", desenvolvido pela Ipsos e pelo King’s College, Londres, que aponta que um quarto da população brasileira acredita que homens que ficam em casa para cuidar dos filhos são “menos homens”. 

Além disso, para a especialista parental, grande parcela dos pais não enxerga a licença estendida como um direito, mas sim como um benefício opcional a qual eles podem ou não adquirir. Outro ponto é a preocupação com a carreira, sobretudo em cargos gerenciais, e o medo de parecer irresponsável por se afastar por um longo período, de sofrer retaliação no trabalho, de perder o emprego ou ser substituído no cargo. 

Em nossa sociedade a ausência paterna é naturalizada. Muitos têm medo de provocações sexistas, ainda no ambiente de trabalho. O que vemos são homens em conflito quando assumem o papel de cuidadores, por sentirem que estão exercendo uma função não natural”, destaca Michelle, que abre debates dentro das empresas por meio de trilhas de conteúdo e painéis que incluem temas como ‘Como perceber a paternidade como gatilho de desenvolvimento’ e ‘Por que cuidar dos filhos é assunto de todas as pessoas’. 


Papel das Lideranças

De acordo com a porta-voz da Filhos no Currículo, a viabilidade da licença paternidade dependerá principalmente da visão das empresas em formar uma liderança engajada. A consultoria se prepara para lançar no mês dos pais um guia informativo nomeado “Liderança pró-paternidade”, a fim de incentivar as lideranças a criarem um ambiente de colaboração e respeito para figuras parentais masculinas da organização a exercerem a paternidade responsável e presente. 

Como exemplo, Michelle aponta a necessidade de criar uma rede de apoio no ambiente de trabalho, onde colegas e pares sejam convidados a compartilhar suas experiências de como conciliar filhos e carreira, o que pode ser feito em reuniões específicas sobre o assunto. E ainda, possibilitar que o colaborador seja participativo na vida de seu filho, permitindo horários de trabalho flexíveis de modo que ele possa estar mais presente em marcos importantes, reuniões de pais ou mesmo em consultas, exames e vacinas. A implementação do trabalho híbrido, principalmente no retorno da licença, (Lei MP 1108/22 garante a prioridade de trabalho remoto aos pais de crianças até quatro anos) também é uma medida fundamental citada pela especialista.  

Em se tratando de comportamento especificamente, outro exemplo é eliminar piadas e comentários distorcidos sobre o tema como ‘Licença estendida? Também quero tirar férias!’ ou ‘Vai ficar de babá hoje?’. “Isso nos afasta cada vez mais de uma sociedade equilibrada nos papeis parentais. Frases como essas nunca devem sair da boca de uma liderança, e devem ser repreendidos dentro da equipe quando observadas”, frisa. 


Quem implementou

A Diageo, fabricante de bebidas destiladas do mundo, foi uma das pioneiras na implementação de uma política de licença familiar que permite qualquer funcionário da empresa que se torne pai ou mãe a se ausentar por até seis meses, a serem gozados da forma contínua ou fragmentada dentro do primeiro ano da criança. Após três anos de implementação foi registrada uma aderência de 95% à nova política, sendo que desses, 78% tiraram a licença completa de seis meses. Houve também uma redução de 50% na taxa de turnover (taxa de rotatividade) de mulheres no ano seguinte à licença maternidade. A empresa também viu um aumento de 12% no índice que mensura a satisfação com diversidade e inclusão dentro da pesquisa de engajamento. 

Vinicius Bretz, gerente de Diversidade e Inclusão na Companhia, acompanhou a implementação do programa. Ele conta que o processo passou por conversas entre pais, líderes e RH e que o diretor da empresa foi o primeiro a tirar a licença completa e acabou inspirando outros pais. “Até então, poucos conseguiam prever os benefícios que seriam colhidos no futuro. As preocupações dos homens eram as mesmas que as mulheres sempre tiveram perto de suas licenças. Mas como a empresa estava focada na mudança dessa mentalidade, isso permitiu que as angústias aparecessem nos momentos de conversa com a liderança e com o RH e fossem trabalhadas a ponto de finalmente o colaborador arriscar tomar decisão. A partir daí foi uma bola de neve positiva, um ciclo virtuoso”, relata.  

Vinícius acrescenta que foi preciso criar um novo ecossistema de benefícios e incentivos para que a política se mantivesse sustentável. A empresa utiliza o sistema de vaga temporária – uma espécie de intercâmbio de talentos, na qual a vaga de uma pessoa que está para sair de licença familiar fica aberta para ser ocupada por quem tem interesse de ir para aquela área, tendo uma experiência diferenciada, e muitas vezes com incrementos salariais que fomentam esse incentivo. 

Foi o que aconteceu com Hector Aguiar, 34 anos, hoje gerente comercial regional na empresa. “Em 2020, fiquei seis meses cobrindo a licença paternidade do gerente regional da minha área. Quando eu e minha parceira engravidamos em 2021 e eu já estava perto de sair para a minha licença paternidade, esse gerente foi promovido. Como eu já tinha o substituído, me chamaram para o processo seletivo para concorrer a sua vaga. Consegui a promoção antes mesmo de iniciar minha licença”, conta o gerente que diz não ter sido intimidado em nenhum momento do processo de seleção pelo fato de estar prestes a ficar ausente por seis meses. “Quando voltei, assumi a nova posição sem nenhum tipo de problema”, completa. 


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