Resultados dos experimentos com animais
acabam de ser divulgados na Nature Communications. Pesquisadores
aguardam aval da Anvisa para dar início ao ensaio clínico (foto: Klaus
Hausmann/Pixabay)
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Uma nova vacina contra a COVID-19 desenvolvida no Brasil pode começar a ser testada em humanos ainda este ano. O imunizante apresentou bons resultados nos estudos com animais, que foram divulgados este mês na revista Nature Communications. Os cientistas já receberam autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para dar início ao ensaio clínico e aguardam, agora, o sinal verde da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Já entregamos à Anvisa toda a
documentação necessária. A expectativa é que a resposta saia nas próximas
semanas. Estamos prontos para começar”, conta à Agência
FAPESP Ricardo Tostes Gazzinelli,
coordenador do Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) e pesquisador sênior da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Para desenvolver a formulação
vacinal, o grupo coordenado por Gazzinelli fundiu duas diferentes proteínas do
SARS-CoV-2: a N (do nucleocapsídeo, estrutura que abriga o material genético do
vírus) e uma porção da S (espícula ou Spike) usada pelo
patógeno para se ligar e invadir a célula humana. A molécula quimérica
resultante recebeu o nome de SpiN. A estratégia teve o objetivo de induzir no
organismo a chamada resposta imune celular, ou seja, a produção de células de
defesa (linfócitos T) especializadas em reconhecer e matar o novo coronavírus.
Em tese, esse tipo de proteção permaneceria eficaz mesmo diante do surgimento
de novas variantes.
“As
vacinas para COVID-19 atualmente em uso têm como objetivo principal induzir a
produção de anticorpos neutralizantes contra a proteína S, que impedem o vírus
de infectar as células humanas. Essa é a chamada resposta imune humoral. Mas, à
medida que foram surgindo variantes com muitas mutações na proteína S, os
anticorpos foram perdendo a capacidade de reconhecer esse antígeno. Já a
proteína N se manteve mais conservada nas novas cepas”, explica a doutoranda
Julia Castro, que conduziu os ensaios pré-clínicos sob a orientação de
Gazzinelli.
Como
explica o pesquisador, que também é professor visitante da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), a vacina
baseada na proteína quimérica SpiN não induz, por si só, a produção de
anticorpos neutralizantes. No entanto, se usada como dose de reforço, pode
estimular tanto a imunidade humoral gerada por vacinação prévia quanto a
imunidade celular, conferindo uma dupla proteção.
Testes de desafio
Os experimentos com animais foram
feitos em um laboratório com alto nível de biossegurança instalado na FMRP-USP,
graças a uma colaboração com os professores João Santana da Silva e Luiz Tadeu Figueiredo.
O trabalho contou com apoio da
FAPESP. A pesquisa também recebeu recursos da Rede Vírus do Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), da Prefeitura de Belo Horizonte
e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
Em uma
primeira etapa, a eficácia vacinal foi testada em camundongos geneticamente
modificados para expressar a proteína humana ACE2, à qual o vírus se conecta (via
proteína S) para infectar a célula hospedeira. Esse modelo mimetiza a forma
grave da COVID-19.
Parte dos
animais recebeu duas doses do imunizante, com intervalo de 21 dias, enquanto os
demais receberam apenas placebo. Um mês depois, os roedores foram expostos a
uma alta carga viral por via intranasal. Diferentes experimentos foram feitos
para testar a proteção da vacina contra a cepa selvagem dos SARS-CoV-2 (isolada
na China em 2019), contra a variante delta (Índia, 2020) e contra a ômicron
(África do Sul, 2021).
“No grupo
que recebeu placebo, 100% dos animais infectados com a cepa de Wuhan [China] ou
com a delta morreram. Já os camundongos expostos à ômicron não evoluíram para
óbito, mas desenvolveram uma patologia significativa no pulmão. No grupo dos imunizados,
todos os animais sobreviveram às três cepas e o tecido pulmonar estava muito
mais preservado. Além disso, observamos uma redução na carga viral que variou
entre 50 e 100 vezes”, conta Castro.
O passo
seguinte foi testar a vacina em um modelo de doença moderada. Para isso, foram
usados hamsters, que são naturalmente infectados pelo vírus, mas de forma não
muito eficiente. Os animais receberam duas doses do imunizante e, após um mês,
foram expostos à cepa de Wuhan ou à delta. Em comparação ao grupo-controle [que
recebeu apenas placebo], os vacinados tinham uma carga viral aproximadamente
dez vezes menor e menos sinais de dano pulmonar.
Estabilidade e segurança
No Centro
de Tecnologia de Vacinas da UFMG foi criada uma plataforma para produzir a
proteína quimérica SpiN em culturas de bactérias geneticamente modificadas. Lá
também foram feitos os testes de pureza – para garantir que não há
contaminantes na formulação – e de estabilidade, que visam descobrir a
durabilidade do imunizante em diferentes temperaturas.
“Os
resultados indicam que a vacina se mantém viável por até duas semanas quando
armazenada em temperatura ambiente. Se mantida a 4 oC, porém, ela dura ao menos
seis meses”, conta Gazzinelli.
Ainda
segundo o pesquisador, a segurança e a toxicidade do imunizante foram testadas
em experimentos com ratos. “Já temos o lote clínico e concluímos todos os
testes necessários para obter a aprovação na Anvisa. Por isso temos a esperança
de começar o ensaio clínico em meados de setembro”, diz.
Os testes
de fase 1 e 2 – para avaliar a segurança em humanos e a capacidade de induzir a
resposta imune – serão feitos na Faculdade de Medicina da UFMG, sob a
coordenação dos professores Helton Santiago e Jorge Pinto. A proposta é
imunizar indivíduos previamente vacinados contra a COVID-19 (que tenham
recebido qualquer um dos imunizantes disponíveis no Brasil há no mínimo seis
meses).
“Será uma
dose de reforço. Os voluntários do grupo-controle vão receber a vacina da
AstraZeneca. Depois vamos comparar a produção de anticorpos neutralizantes,
anticorpos totais contra o SARS-CoV-2 e a resposta de linfócitos T. A
expectativa é que a nossa formulação induza uma resposta celular ainda mais
forte”, adianta Gazzinelli.
O artigo Promotion of neutralizing antibody-independent immunity to
wild-type and SARS-CoV-2 variants of concern using an RBD-Nucleocapsid fusion
protein pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41467-022-32547-y.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/vacina-contra-covid-19-desenvolvida-por-grupos-da-ufmg-usp-e-fiocruz-esta-pronta-para-testes-em-humanos/39467/
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