Os lojistas instalados nos principais shopping centers do Brasil vêm sofrendo pressões enormes em manter os aluguéis das lojas em números saudáveis, em razão do poder de negociação desproporcional dos empreendedores em detrimento dos varejistas. Mesmo para as redes com crescimento nas vendas e em processo de expansão, não é razoável admitir um golpe desta maneira nas suas margens de lucro.
O
mercado de shopping centers é oligopolizado por natureza, com barreiras à
entrada significativas. Recentemente, observamos a fusão de dois grandes
players e continua uma tendência de consolidação. Ademais, é comum verificarmos
shoppings concorrentes praticando condutas idênticas no que tange ao trato
junto aos lojistas, o que comprova a fortíssima concentração de mercado.
Como
possuem capacidade única de atrair fluxo significativo de consumidores, os
centros de compras são essenciais do ponto de vista dos lojistas, ou seja,
existe uma clara relação de dependência entre os comerciantes e os locadores de
espaços. Somente esses elementos já indicariam o desequilíbrio do poder de
barganha entre as partes envolvidas, sendo que existem outros tantos, tais como
a assimetria de informações - por exemplo, quando os lojistas iniciantes
desconhecem seus direitos e obrigações na relação locatícia, bem como práticas
básicas e preços de mercado, situação que concede uma vantagem negocial aos
shoppings.
As
despesas com os aluguéis e encargos com operações em shopping centers sempre
representaram uma linha relevante na estrutura de custos dos lojistas,
lembrando que, ao contrário do que ocorre com os tributos e matérias-primas,
por exemplo, o custo de ocupação continua igual, mesmo em um cenário de queda
nas vendas.
A
explosão, a partir do final de 2020, dos índices IGP-M e IGP-DI, ambos
publicados pela Fundação Getúlio Vargas, adotados como indexadores de reajustes
dos aluguéis, jogaram os valores para patamares fora da realidade do ponto de
vista da capacidade dos lojistas em suportarem as majorações, considerando o
nível de vendas apresentado. Se já não bastasse, o atual cenário de inflação
alta, que impacta os valores dos insumos, e a estagnação econômica do Brasil,
que impede o repasse nos preços dos produtos destonados aos consumidores
finais, pressionam as margens dos varejistas, os quais não têm alternativas que
não sejam buscar diminuir o custo de ocupação ou fechar seus estabelecimentos,
visto que a “conta não fecha”. A prova disso é a grande quantidade de espaços
vazios nos centros de compras, inclusive os tradicionais e campeões de venda,
além do número recorde de ações judiciais ajuizadas pelos varejistas no sentido
de obterem a redução nos valores locativos.
Nessa
ótica, em que pese as negociações visando o ajuste nas bases contratuais
continuem naturalmente intensas, verificamos a resistência programada de uma
boa parte dos shoppings em concordar na redução definitiva do aluguel, com uma
clara intenção em manter a base geral de preços elevada, acarretando no
controle artificial dos preços.
Verificamos
no mercado, como regra, descontos temporários para viabilizar as operações,
mesmo alongadas, porém sempre com tempo de duração determinados. O incentivo
para este comportamento é manter a base de locativos alta para servir como
referência para novos lojistas e nas perícias judiciais realizadas em sede das
ações revisional de aluguel e renovatórias de contrato de locação. Ademais, os
comerciantes têm poucas opções, pois, ou permanecerem nos empreendimentos nas
condições colocadas pelos locadores, ou precisarão encerrar suas atividades e,
nesta hipótese, sob pena de incidência de pesadas multas.
Com
efeito, impõe registrar o fundamental papel da ação renovatória de contrato de
locação em equilibrar as forças na relação lojista-inquilino e
shopping-locador. Além de garantir a permanência no ponto comercial e, por
consequência, a proteção do fundo empresarial formado pelo lojista, a Lei
garante que o aluguel do novo período contratual seja fixado com base no preço
médio pago pelos outros lojistas do respectivo empreendimento instalados em
espaços similares.
A
Lei do Inquilinato determina que o locativo alvo de avaliação judicial, em sede
das ações revisional de aluguel e renovatória de contrato de locação, deve
representar o real e justo daquele momento, o que na prática quer dizer que o
aluguel deverá ser apurado através dos métodos estabelecidos nas normas
técnicas. Nesse contexto, nada mais correto que os Srs. Peritos Judiciais
considerem como paradigmas, para fins de comparação dos locativos, os valores
reais praticados pelas artes, à luz dos eventuais descontos temporários
acordados. No mais, é essencial que seja dada preferência aos novos lojistas na
seleção das amostras de aluguel a serem comparadas, na medida em que são estes
que representam a realidade de mercado, tendo em vista que ingressaram
espontaneamente nos centros de compras.
Cumpre
ressaltar, felizmente, que o Poder Judiciário, embora não de maneira unânime,
vem proferindo decisões, no que se refere a não aplicação do IGP nos reajustes
dos aluguéis, cruciais para a sobrevivência de uma gama relevante de
estabelecimentos.
Os
desafios nos curto e médio prazos são enormes e é fundamental uma mudança
cultural entre os agentes de mercado, no sentido de que a verdadeira união de
longo prazo entre os parceiros lojistas e empreendedores é que viabilizará
manter a pujança do setor.
Daniel Cerveira - sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Associados Advogados Associados, consultor Jurídico do Sindilojas-SP, autor do livro "Shopping Centers - Limites na liberdade de contratar", Editora Saraiva e pós-graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.
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