Vários governos municipais e estaduais estão
recomendando o fechamento de estabelecimentos como escolas, lojas, shoppings e
academias para tentar conter o surto de coronavírus no país. A maioria dos
estabelecimentos estão aderindo aos pedidos. Isso faz com que possam ocorrer atrasos
de entrega de mercadorias, alongamento de obrigações ou a paralisação de
atividades previstas em contrato.
Não é só no mundo do comércio varejista. No cenário
empresarial, o mesmo acontece. Contratos firmados entre empresas, fornecimento,
importação, exportação, distribuição, e diversos outros certamente sofrerão
impactos em seu cumprimento em decorrência da Covid-19.
A questão é: como ficam as regras contratuais
previamente estabelecidas?
No mundo do Direito Civil brasileiro, existem dois
institutos já bastante antigos chamados “caso fortuito” e “força maior”,
detalha a sócia da Innocenti Advogados, Karina Penna Neves. Apesar de
certa divergência teórica em relação à definição, na prática os conceitos
definem uma excludente de responsabilidade decorrente de situação inevitável,
imprevisível ou não, decorrente de ato humano ou da natureza, suficiente para
que uma obrigação não possa ser cumprida, como por exemplo a eclosão de uma
guerra, de uma greve geral, uma grande tempestade, um tsunami, um terremoto,
ordens de autoridades ou finalmente, uma grave epidemia.
Ambos, caso fortuito e força maior, estão previstos
em nosso Código Civil e funcionam como uma espécie de justificativa plausível
para eventual inadimplemento de uma obrigação. É o caso da Covid-19.
A sócia da Innocenti Advogados lembra que episódios
como o coronavírus podem assim ser classificados, garantindo que empresas não
sejam penalizadas por eventuais descumprimentos de prazos ou obrigações
contratuais, desde que, claro, relacionados diretamente às consequências do
surto da pandemia. “Muitos contratos já trazem a previsão de excludente de
responsabilidade em situações de caso fortuito ou força maior, mas, ainda que
não esteja no papel, o Código Civil possui essa previsão expressamente. No entanto,
a excludente não poderá ser suscitada de forma geral e sem critério. É
necessário comprovar que não houve negligência e demonstrar a relação direta do
inadimplemento da obrigação com a epidemia”.
Para Karina, é preciso analisar caso a caso, agir
com bom senso e evitar litígios não razoáveis entre as partes. “É um momento
excepcional. Assim, ainda que se busque incansavelmente a estabilidade dos
contratos e das relações comerciais e empresariais, é certo que fornecedores e
consumidores, ou mesmo empresas entre si, devem estar conscientes das
restrições e limitações que estão sendo impostas pela dinâmica da
Covid-19”. Isto quer dizer que suscitar pura e simplesmente inadimplemento
contratual não faz sentido, afinal o não-cumprimento do contrato não se dá por
opção, sendo o melhor caminho uma renegociação entre os contratantes.
Karina Penna Neves - mestre em Direito Civil,
professora colaboradora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo) e presidente da 20ª Turma Disciplinar do Tribunal de Ética e
Disciplina da OAB-SP. Com expressivo trabalho em São Paulo, Rio de Janeiro
e Brasília, ela é advogada inscrita na OAB-SP, na OAB-MG e na OAB-RJ. É,
ainda, palestrante no TEDx e em institutos jurídicos e universidades. Pós-graduada
e graduada pela PUC-SP, também é pós-graduada em Direito Societário pela GVLaw
e especialista em Previdência Privada. É sócia na Innocenti Advogados
Associados, coordenando as áreas de Direito Privado e Previdência Privada.
Conduz temas envolvendo consultivo e contencioso cível (especialmente ligados
ao Direito Empresarial) e grandes associações. Possui experiência de mais de 15
anos atuando em questões ligadas aos maiores fundos de pensão brasileiros e
seus beneficiários. Autora dos livros “Deveres de Consideração –
Responsabilidade Pré e Pós-Contratual” (ed. Almedina Brasil, 2015) e “Estatuto
da Advocacia e Novo Código de Ética e Disciplina da OAB Comentados” (ed. GEN,
2016), este último em sua 5ª edição. Possui publicações em jornais e revistas
jurídicas especializadas.
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