De origem africana, o vírus da
febre amarela teve sua primeira epidemia em 1730, na Península Ibérica, quando
causou a morte de 2.200 pessoas. Nos séculos 18 e 19, os Estados Unidos foram
atingidos muitas vezes por epidemias devastadoras, pois a doença era
disseminada por embarcações vindas das índias ocidentais e do Caribe.
Em terras brasileiras, a febre
amarela apareceu pela primeira vez em 1685 no estado de Pernambuco, onde
permaneceu por dez anos. Na mesma época, a cidade de Salvador também foi
atingida, e contabilizou cerca de 900 mortes no período de seis anos. A
primeira constatação de morte por febre amarela é de 1692 em um navio, e nesta
situação, foi relatado o impacto profundo da doença na deterioração do fígado.
Após o surto no século 17 e com realização de campanhas de prevenção, os
períodos de epidemia da doença foram cessados por 150 anos no país, retornando
em 1850.
No período de 1980 a 2004, foram
confirmados 662 casos de febre amarela silvestre, com ocorrência de 339 óbitos,
representando uma taxa de letalidade de 51% no período, segundo informações do
Ministério da Saúde. Recentemente, se constatou que de 2017 a abril de
2018, o Brasil vive o maior número de casos e mortes desde o último surto da
doença em 1980.
Em dezembro de 2017, uma equipe
liderada por um professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(USP) realizou a primeira cirurgia de transplante de fígado em um paciente com
febre amarela no mundo. De lá para cá, foram realizados outros vinte
transplantes, em hospitais de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
O Hospital Felício Rocho,
localizado em Belo Horizonte (MG), foi o segundo no mundo a realizar o
transplante de fígado em casos graves de febre amarela, com sucesso, alcançando
o melhor resultado em sobrevida (50%). Pioneiro e inovador na ciência de
transplantação, nos últimos dois anos, o Hospital realizou cerca de 442
transplantes. Os órgãos transplantados foram de fígado, rim, pâncreas, coração
e medula óssea. Já nos casos de transplantes de fígado por causa da febre
amarela, o Hospital transplantou quatro pacientes, e dois sobreviveram.
No mês de fevereiro, um grupo de
especialistas brasileiros envolvidos nos transplantes de fígado, em parceria
com o Ministério da Saúde, definiram critérios específicos para os casos de
troca de órgão em pacientes com a febre amarela. Conforme as novas normas, a
principal diferença entre os pacientes que sobreviveram e os que morreram foi o
momento de realização do transplante. Digo isso, pois os pacientes que tiveram
êxito com o procedimento, foram encaminhados para o transplante de forma
precoce, com apenas um ou dois dias de diferença, o que dá uma ideia do quanto
a situação é dramática.
Um dos critérios adaptados para
esses pacientes foi referente ao grau de comprometimento cerebral causado pela
falência do fígado, a chamada encefalopatia hepática. Em casos de hepatite
fulminante por outras causas, nós indicamos o transplante com comprometimento
(máximo) grau 3 ou 4. No caso da febre amarela, o paciente já pode ter
indicação com comprometimento grau 1, tamanha a agressividade da doença.
Antônio Márcio de Faria Andrade
- hepatologista e responsável técnico pelo transplante de fígado do Hospital
Felício Rocho
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