Quanto mais Lula se desdobra em
artifícios retóricos, como quem trata de escapar, em ziguezague, da artilharia
dos fatos, mais parecido fica com o que se empenha em afirmar que não é. Assistindo trechos de sua inquirição
perante o juiz Sérgio Moro, lembrei-me de uma entrevista dele, em Portugal, à
jornalista Cristina Esteves, da RTP, em abril de 2014. Nos últimos momentos da
conversa, veio uma pergunta sobre o mensalão. A resposta de Lula tem tudo a ver
com seu comportamento dia 10 em Curitiba. Transcrevo: "O tempo vai se encarregar de provar que o mensalão teve
praticamente 80% de decisão política e 20% de decisão jurídica. O que eu acho é
que não houve mensalão. Também não vou ficar discutindo decisão da Suprema
Corte. Mas esse processo foi um massacre que visava destruir o PT e não
conseguiu". Em sequência, questionado sobre o fato de estarem detidas
pessoas próximas a ele - como o ex-ministro José Dirceu e o ex-deputado José
Genoino - saltou fora. "Não se trata de gente da minha confiança. Tem
companheiros do PT presos".
Esse "tchau queridos", proclamado em Lisboa,
antecedeu o "tchau querida" do telefonema sobre a mensagem do Bessil;
antecedeu o abandono dos parceiros encarcerados posteriormente, a quem e sobre
quem nada tem a dizer; e antecedeu a tentativa de transformar a pacata Marisa
Letícia em condutora de providências escandalosas que ele não tem como explicar
e que com ela sepultou.
Eis o homem que governou o país sem ninguém de sua confiança
por perto, cuja proximidade funcionava como um toque de Midas, gerando
inesperadas fortunas, mesadas, pensões, negócios, a quem os amigos davam tudo e
que nega lhes haver alcançado a menor vantagem. Eis o homem que se agita no
partidor, disposto a concorrer à presidência. Sua anunciada campanha para
desfazer as intrigas do mensalão e sua convicção sobre a natureza política do
referido processo nunca passaram de peças de discurso.
Tudo isso porque a Lula não interessam os fatos. Os desarranjos
políticos, econômicos e sociais a que dá causa se agravam e prolongam
precisamente porque sua conduta contamina o juízo e o discernimento moral de
dezenas de milhões de pessoas. A exemplo dos grandes ícones do populismo, ele
trata o povo que o segue como massa da qual usa e abusa para objetivos
pessoais, subtraindo do repertório mental dessas multidões valores sem os quais
é impossível operar adequadamente uma democracia constitucional. Os recentes
atos de violência contra o direito de ir e vir, a queima de pneus e de ônibus,
o abandono de preceitos essenciais à vida civilizada e os anátemas lançados
contra a Lava Jato são consequências do que acabei de descrever.
A patética inquirição levada a cabo em Curitiba pode ser
parodiada com apenas uma frase: "Doutor, vou lhe confessar. Eu não sou eu.
Eu sou um amigo meu, que, se conheço, não lembro".
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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