Revisões internacionais mostram alta prevalência de assédio e violência em equipes de saúde; entidades pedem prevenção ativa e canais seguros de denúncia
A violência e o assédio no ambiente de saúde são
problemas globais que atingem de forma desproporcional as mulheres. Revisões
recentes apontam prevalência elevada entre médicas, enfermeiras e parteiras,
com impactos psicológicos, institucionais e na permanência na carreira. Uma
revisão publicada na The Lancet Global Health (2021) estimou que mais de 70%
das profissionais de saúde já sofreram algum tipo de violência ocupacional,
seja física, psicológica ou sexual.
Além de evidências internacionais amplamente divulgadas, estudos
recentes conduzidos por pesquisadoras brasileiras reforçam a gravidade do
problema. Um novo artigo liderado pela Profa. Dra. Marise Samama, publicado em
2025 na revista Human Resources for Health, analisou fatores estruturais associados
ao assédio e à violência de gênero no ambiente médico e identificou que padrões
de abuso institucionalizado e relações hierárquicas rígidas aumentam de forma
significativa o risco de violência psicológica e sexual contra profissionais
mulheres. O estudo também aponta que a ausência de protocolos claros de
denúncia e a tolerância institucional a comportamentos abusivos contribuem para
a perpetuação do ciclo de violência, o que favorece o adoecimento emocional e o
abandono precoce da carreira.
Para Samama, o fenômeno é estrutural. “O assédio mina a
confiança, corrói a liderança feminina e empurra profissionais talentosas para
fora de áreas competitivas. Sem ambiente seguro, não há equidade.”
Estudos brasileiros reforçam o padrão. Uma pesquisa conduzida na
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), em 2021, apontou
que 55% das médicas residentes relataram assédio moral e 28% relataram assédio
sexual durante a formação, com forte subnotificação por medo de retaliação.
Outro levantamento da Fiocruz, realizado em 2020, identificou que 76% das
trabalhadoras da saúde já vivenciaram episódios de violência psicológica,
especialmente humilhações, gritos e intimidação por pares e superiores.
O impacto não é apenas emocional. Pesquisas internacionais
mostram que o assédio influencia diretamente trajetórias profissionais. Estudo
do National Institutes of Health (NIH) e da AAMC, publicado em 2022, revela que
médicas têm o dobro de chance de abandonar posições acadêmicas em decorrência
de violência e hostilidade. Além disso, mulheres submetidas a episódios
recorrentes relatam menor confiança na liderança, menor produtividade e maior
intenção de migrar para áreas menos competitivas.
Especialistas apontam que a cultura hierárquica da saúde
amplifica o problema. A estrutura tradicional de residência, marcada por longas
jornadas e relações assimétricas, dificulta denúncias. Muitas profissionais
relatam que colegas e chefias normalizam comportamentos abusivos em nome da
ideia de formação rigorosa. Segundo Samama, essa lógica perpetua o ciclo.
“Naturalizar o abuso como parte da formação médica é uma falha institucional
grave. Violência não forma caráter. Só gera exaustão e desistência.”
A violência contra mulheres em saúde também tem um custo
invisível para o sistema, que é a evasão de talentos. Uma pesquisa publicada no
BMJ Open em 2022 mostrou que jovens médicas que sofrem assédio têm até 50% mais
chance de abandonar especialidades cirúrgicas, consideradas estratégicas e
historicamente dominadas por homens. O fenômeno aprofunda desigualdades e reduz
a presença feminina justamente em áreas onde sua participação é fundamental
para ampliar diversidade e inovação.
A AMCR defende que a mudança depende de governança. Entre as
recomendações da entidade estão protocolos obrigatórios de prevenção,
treinamentos periódicos, canais independentes de denúncia e indicadores
públicos de casos e desfechos, sempre com resguardo ao sigilo das vítimas. “É
preciso responsabilização. Sem consequências claras, a cultura não muda. E sem
cultura segura, perdemos lideranças femininas que o sistema levou anos para
formar”, afirma Samama.
A entidade também recomenda apoio psicológico gratuito e
políticas de tolerância zero para condutas de assédio em hospitais,
universidades e clínicas. Segundo a líder, programas de acolhimento reduziriam
a subnotificação e fortaleceriam o senso de proteção institucional. “A vítima
não pode carregar a culpa. A instituição precisa assumir o protagonismo na
reparação e prevenção.”
Programas de mentoria e redes de apoio entre médicas aumentam a
chance de denúncia e reduzem o isolamento, segundo estudos de implementação em
serviços de saúde. Um relatório da Organização Mundial da Saúde, publicado em
2020, mostrou que equipes que adotam mecanismos formais de suporte registram
aumento de 40% na notificação de violência ocupacional e redução do tempo de
resolução dos casos.
Diante desse cenário, a AMCR prepara um guia prático com fluxos
de acolhimento e denúncia para adoção por instituições públicas e privadas. O
material inclui modelos de protocolos, exemplos de métricas e orientações sobre
comunicação segura com vítimas.
“Assédio não é efeito colateral da alta performance. É falha de
governança. Cuidar de quem cuida é prioridade ética e de gestão”, conclui
Samama.

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