domingo, 30 de novembro de 2025

O que a reação dos tutores ao caso Braddock revela sobre a profundidade dos vínculos humano-animal

Especialista explica por que episódios extremos não definem um vínculo e como a convivência com pets envolve cooperação, adaptação e significado afetivo real

 

O caso envolvendo o influenciador Matheus Vandré, que perdeu parte do dedo mindinho do pé enquanto dormia e descobriu que o próprio cachorro, Braddock, havia mordido a região, ganhou repercussão nacional e levantou uma questão sensível: o que realmente define o vínculo entre pessoas e seus animais?

Para a psicoterapeuta e pesquisadora Renata Roma, da University of Saskatchewan (Canadá), especialista em interações humano-animal, entender essa situação exige separar instinto de intenção e olhar para a profundidade das relações afetivas com pets.


Instinto, e não violência

No episódio mais recente do seu podcast Mais que um Pet, Renata explica que o comportamento de Braddock não deve ser interpretado como agressão. “Os cães exploram o ambiente por meio da boca. Eles reagem a cheiros, texturas e estímulos que às vezes a gente nem percebe. Para o cão, aquilo não é violência intencional; é outra forma de interação com o mundo”, afirma.


Cooperação, não controle

Segundo ela, grande parte da confusão pública surge da visão equivocada de que relações com animais devem funcionar sob controle total. “Relações não são baseadas em controle. São baseadas em cooperação. Quando a gente ensina um cão a sentar, não é obediência cega, é criar uma linguagem comum, coordenar expectativas e ritmos. É uma conversa, não uma ordem”, explica.

Essa ideia de “hierarquia rígida”, afirma Renata, faz com que muitas pessoas defendam o rompimento imediato quando algo foge ao esperado.


Por que as pessoas ficam? Porque existe vínculo

Pesquisas mostram que 97% dos tutores consideram seus pets membros da família, número consistente em diversos países. “Isso não descreve fantasia, descreve cotidiano. Animais oferecem suporte emocional, reduzem o isolamento, organizam a rotina. Para muitas pessoas, eles ocupam um lugar equivalente ao de outros membros significativos da convivência”, diz Renata. 

Por isso, continuar com Braddock não é irracional: é coerente com uma história de convivência. “Esse vínculo não desaparece por causa de um acontecimento difícil. Certamente o tutor vai tomar medidas de prevenção e segurança. Isso é responsabilidade e responsabilidade não precisa ser punitiva”, afirma Renata.


Ser família também vale nos momentos difíceis

O caso, segundo a pesquisadora, expõe uma pergunta crucial: quando dizemos que o pet é família, isso vale sempre ou só quando tudo está bem? “Se ser família só vale quando está fácil, então não estamos falando de família, estamos falando de conveniência. Vínculos reais incluem desafios, frustrações, situações inesperadas. E, nesses momentos, a resposta raramente é simples ou punitiva”, destaca a psicóloga.

Renata reforça que vínculos verdadeiros se sustentam justamente na capacidade de reorganização, não de ruptura imediata. “Quando dizemos que o animal é mais que um pet, estamos dizendo que ele ocupa um lugar afetivo profundo. E é aí que entra a pergunta essencial: isso vale também quando dá errado?”, conclui ela. 



Renata Roma - psicoterapeuta e pesquisadora na University of Saskatchewan (Canadá), especialista na relação entre saúde emocional, infância e vínculos com animais. Ela desenvolve pesquisas há mais de 10 anos sobre os benefícios (e desafios) das interações entre humanos e animais.


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