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Um dos trechos mais marcantes do famoso romance A redoma de
vidro,
da escritora norte-americana Sylvia Plath, é a cena em que a protagonista se vê
sentada sob uma figueira, morrendo de fome, simplesmente porque não conseguia
decidir qual figo escolher, já que, na verdade, queria todos. Escolher um
significaria abrir mão dos demais, o que para ela era paralisante. Ao final da
cena, vemos todos os figos apodrecerem e caírem ao chão. No livro, cada figo
representa um objetivo, como se casar, ter filhos, fazer uma viagem
internacional ou escolher uma profissão. O drama de Esther nos toca porque
poucas coisas são tão humanas quanto a dúvida diante de decisões inevitáveis,
sem qualquer garantia.
Há outra cena comovente no conto A terceira
margem do rio,
de Guimarães Rosa. Um dia, o pai do protagonista, de quem não sabemos o nome,
entra em sua canoa e passa a morar nela, navegando rio acima e rio abaixo, sem
nenhum mantimento. Muitos anos se passam, sua filha vai embora, casa-se e tem
filho. Com o tempo, a esposa também parte com a filha para curtir o neto. O
outro filho muda-se para longe. Apenas o protagonista permanece, já entrando na
velhice, acompanhando a jornada do pai. Ele faz um pedido ousado: que o pai
saia da canoa e que troquem de lugar. O pai aceita, mas a reação do filho
surpreende — ele é tomado por um tremor profundo, um arrepio de eriçar os
cabelos, um grave frio de medo e, então, corre e foge. O pai nunca mais é
visto. No fundo, ele não tinha ideia do que realmente estava pedindo e, ao
encarar o destino que evocava, acovardou-se e fugiu.
No primeiro caso, temos um exemplo da dificuldade
de tomar decisões; no segundo, como é duro sustentar o peso de uma escolha,
especialmente quando ela não conta com o respaldo do desejo decidido — ou seja,
quando queremos, mas na realidade não desejamos, como explica o psiquiatra e
psicanalista Jorge Forbes. Hoje, no mundo contemporâneo, uma das maiores
dificuldades enfrentadas pelas novas gerações é a de tomar e sustentar
decisões, sobretudo aquelas alinhadas com seus desejos e convicções mais
íntimos. Por isso, um dos maiores legados que um pai pode transmitir aos filhos
é ser, antes de tudo, um exemplo de coragem e, igualmente, ajudá-los a
construir uma personalidade ou caráter baseado não no medo, mas na coragem.
Zygmunt Bauman, em seu livro Medo
Líquido,
afirma que vivemos em uma época de temores, em que as oportunidades para ter
medo estão entre as poucas coisas abundantes, enquanto carecemos de certeza,
segurança e proteção. Talvez por isso a coragem, entendida como a capacidade de
superar o medo, seja a virtude mais universalmente admirada, conforme sustenta
o filósofo francês André Comte-Sponville, em seu livro Pequeno tratado das grandes virtudes.
Sem dúvida, a coragem de ser corajoso é um dos
maiores legados que um pai pode transmitir aos filhos nestes tempos de medos
líquidos, nos quais o risco é a única certeza presente em cada pequena ou
grande decisão. Como não é possível viver sem decidir, o que podemos ensinar a
nossos filhos não é evitar a dúvida e o medo, mas sim ter a coragem de
superá-los e tomar boas decisões, guiadas pelas convicções mais íntimas,
alicerçadas na mente e no coração. Que a coragem — e não o medo — seja o legado
do admirável novo pai a seus filhos, como herança inestimável nessa jornada
singular de perseguir o próprio destino — com todos os riscos, mas também com muitas
boas surpresas e, quem sabe, com alta voltagem de felicidade.
Francisco Neto Pereira Filho - professor, escritor,
psicanalista e pai de dois filhos. Autor de “Olha aquele menino, mamãe!”,
utiliza a literatura como ponte entre a arte e a paternidade.

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