O meu Mestrado junto à Faculdade de Medicina da
USP, em meados dos anos 90, foi sobre a Psiquiatria da Adolescência, com
enfoque no adolescente dentro de um Hospital Geral. No decorrer da minha
carreira, como psiquiatra e psicoterapeuta, preferi me dedicar a uma
Psiquiatria Geral, mas com ênfase no atendimento de adultos jovens até os
idosos.
Hoje em dia, me lembro do que era estudar e
trabalhar com adolescentes e como isso mudou no decorrer desses quase trinta
anos; como tudo foi ficando mais complexo com o advento da internet, dos
Smartphones, das Redes Sociais e dos canais de streaming.
Em 2017 a Netflix lançou a série “Thirteen Reasons
Why” (Os Treze Porquês), sobre uma menina, Hanna Baker que, após o seu suicídio
deixa uma caixa com treze fitas cassete apontando, uma a uma, as situações de
bullying, exclusão, traição, estupro e indiferença de professores e escola que
tinham provocado o seu ato. Na época, foi um forrobodó: imprensa noticiando,
pais desesperados, psiquiatras sendo convocados para orientação nas escolas,
hotlines sendo disponibilizadas por medo que aquela série deflagrasse uma onda
de comportamentos de imitação, o chamado “efeito Werther”(em 1774, Goethe
publicou um livro: “Sofrimentos do Jovem Werther”, sobre um rapaz que, diante
de um sofrimento amoroso e amor impossível, comete suicídio. Esse livro
desencadeou uma onda de suicídios na Europa. Duzentos anos depois, foi descrito
o “Efeito Werther”, que é esse comportamento de imitação que se segue a um
suicídio divulgado pela mídia). Depois de quinze dias do lançamento da série,
as reuniões das escolas foram canceladas, as hotlines desativadas e a tal
epidemia de suicídios não aconteceu. Estudos posteriores americanos
demonstraram sim um aumento na ideação suicida e no número relativo de
suicídios, mas a causa apontada não foi a Série nem o Netflix, e sim a
excessiva exposição do tema na mídia, que afetou pacientes vulneráveis.
No dia 12 de Agosto passado, um aluno bolsista de
um colégio importante e de elite da cidade de São Paulo, mandou uma mensagem de
voz a seus colegas anunciando seu suicídio iminente, mencionando, de maneira
factual e quase distanciada, que, por conta de exclusões, bullying e sensação
de humilhação por ser negro, pobre e abertamente gay, ele tomava aquela
decisão. Ele tinha 14 anos e, infelizmente, cumpriu seu anúncio. Era estudioso,
culto e sensível.
Não pude deixar de associar essa tragédia à série
da Netflix. Sobretudo o início da mensagem, em que ele dizia que “agora ele
iria colocar para fora tudo o que estava guardando”. Como as suas razões.
Nos dias que se seguiram, a imprensa não noticiou,
a escola mandou os professores ajudarem os colegas, mas sem a intensidade de
uma Posvenção, que são medidas de proteção à comunidade afetada por um suicídio.
O protocolo que teve início foi o de não dar manchetes nem destaque, para
evitar o contágio do efeito Werther. Os alunos fizeram uma manifestação com
críticas ao racismo, a homofobia e aos fatores que causaram essa perda. Não há
como ter esse protocolo em tempos de WhatsApp. A notícia foi dada, sem alarde,
na imprensa e com alarde nas Redes Sociais. Não dá para tentar suprimir o
assunto. É melhor conversar sobre ele. Conversar muito.
Somos uma espécie gregária e social. Fazer parte do
grupo e ser valorizado por ele é um instinto profundo e vital. Ficar de fora,
ou ser excluído, é uma ameaça direta à sobrevivência. Somos, todos, sensíveis à
necessidade de fazer parte. A exclusão ativa as áreas do Cérebro vinculadas à
dor, e isso é particularmente delicado na Adolescência. Vivemos numa Cultura
onde a exclusão virou uma espécie de terrorismo coletivo: um pequeno deslize,
ou um grande deslize, podem gerar linchamento virtual e cancelamentos. A ameaça
é de uma exclusão que parece eterna, inamovível. Para uma criança de 14 anos,
não existe essa perspectiva de que a dificuldade possa ser superada com o
passar do tempo. Por isso esse grupo, sobretudo no período entre os 10 e os 14
anos vem recebendo muita atenção de psiquiatras e psicoterapeutas infantis.
Eles parecem estar com maior risco de exposição a esse tipo de bullying.
Não vou terminar esse artigo com nenhuma
recomendação ou indicação de estratégia. O problema é muito complexo, como
complexo é nosso tempo. Mas precisamos levar a sério criar uma cultura de Paz e
de Inclusão que se oponha ao bullying mais venenoso de nosso tempo, que é o
bullying da exclusão. Essa é uma forma de crueldade que continua se
multiplicando debaixo de nosso nariz. E que se manifesta com o pavor de ser
excluído. O medo de ficar de fora.
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