Em 2020, jovens
entre 16 e 17 anos com título de eleitor representaram menos da metade do
registrado em 2016; dado alerta sobre o direito à participação como exercício
da cidadania
O número de adolescentes votantes diminuiu nas
últimas eleições. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral, o número
de jovens entre 16 e 17 anos com título de eleitor caiu de 2.311.120 em 2016
para 1.030.563 em 2020, menos da metade do registrado na eleição municipal
anterior. O voto é apenas um dos instrumentos de participação de adolescentes,
porém, esse dado pode ser um alerta de como o interesse por fazer parte da
coletividade diminuiu, ainda mais no contexto de pandemia, que impôs outras
preocupações e prioridades.
A participação é um dos quatro princípios da
Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela ONU em 20 de novembro de
1989 e que define os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais
das pessoas com até 18 anos. Garantir o direito de crianças e adolescentes à
participação é condição fundamental para a efetivação do conceito de 'sujeitos
de direitos', do exercício de cidadania que deve ser garantido a eles. O Comitê
dos Direitos da Criança da ONU, inclusive, preconiza condições para que a
participação seja efetiva, o que inclui um processo voluntário por parte dos
adolescentes, respeitoso, inclusivo e amigável.
“É preciso garantir que esse direito à participação
aconteça e que esse processo seja cada vez mais aprofundado como habilidade
social desde a infância, continuando na adolescência e culminando na fase
adulta”, comenta o analista de projetos do Centro Marista de Defesa da Infância
(CMDI), Olavo Henrique de Souza Chicoski. Ele explica que essa habilidade pode
ser cultivada em todos os espaços, como escola, família e ambiente religioso.
Protagonismo juvenil
Lorena Costa de Almeida, de 16 anos, e Felipe
Gonçalves Roldão da Silva, de 17, já sabem a importância de participar. São
adolescentes que buscam informação e que participam dos espaços coletivos na
escola e na igreja. “Há uma visão errônea por parte da sociedade de que a
política serve apenas para governar e fazer politicagem, e o jovem acaba por
entender que política é complicada e “coisa de adulto”. Mas a política não está
só na forma de governar, mas também no nosso poder de decisão, como a
democracia e o voto”, conta Lorena.
Os dois são alunos da Marista Escola Social Santa
Mônica, na cidade de Ponta Grossa (PR), e participam de todas as discussões
sobre a escola e a comunidade onde vivem. Felipe faz parte do Clube de Direitos
Humanos da escola e já foi chamado, assim como Lorena, para discutir em fóruns como
o VIII Seminário Estadual da Criança e do Adolescente do Paraná, realizado em
outubro. “Participar é expor a opinião, o posicionamento. É colocar o que acha
para ser ouvido, falar o que é de acordo com seu jeito, estar junto a outras
pessoas e argumentar sobre aquilo que importa. A participação do adulto é
importante, mas ele também muda sua visão ouvindo um jovem que mostra a
realidade do que ele está vivenciando”, explica Felipe.
Transparência
Para que crianças e adolescentes se sintam
estimulados a participar, os fóruns de discussão devem ter uma linguagem
amigável e inclusiva - lembrando que eles se comunicam prioritariamente pelas
redes sociais - e trazer para as discussões formas próprias de interagir. “É
muito comum ouvir que crianças e adolescentes ´são o futuro da sociedade´ e
isso, de certa forma, é um problema porque, quando dizemos que são o futuro,
significa que não estamos os enxergando como presente. Quando se discute
políticas públicas que incluem esse grupo, não estamos discutindo o futuro, mas
sim, o hoje. Por isso, precisamos que esses sujeitos de direito, ou seja,
crianças e adolescentes, consigam participar da elaboração e controle social
dessas políticas públicas”, defende Olavo. Dentre os fóruns, estão os conselhos
de direitos das crianças e adolescentes que existem nos municípios, estados,
além do conselho nacional.
Em sintonia com a perspectiva internacional, no
Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê no artigo 16 que toda
criança e adolescente têm direito à liberdade de opinião e expressão; de
participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; bem como, de
participar da vida política, na forma da lei. Além disso, quando estabelece o
direito à educação que busca o preparo do exercício da cidadania, o artigo 53 prevê
o direito de organização e participação em entidades estudantis.
A participação pode ser incentivada por meio de
discussões interdisciplinares incluídas nos currículos escolares, ou ainda,
abrindo espaço para organização dos estudantes. “Não fazemos nenhum favor
deixando crianças e adolescentes participarem da gestão da escola, da definição
do currículo. É direito deles! A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, de 1996, estabelece como finalidade da educação escolar o preparo do
educando para o exercício da cidadania. Como formamos crianças e adolescentes
para agir de forma ética, na sociedade, na dinâmica de democracia e como eles
participam ativamente? Só se aprende a participar socialmente
participando”, explica Olavo.
Como colocar em prática
De acordo com a ONU, para que a participação seja
efetiva, deve ser um processo:
- Transparente
- criança e/ou adolescente devem receber informações completas
sobre a forma, finalidade e possível repercussão da participação.
- Voluntário -
ninguém deve ser obrigado a expressar opiniões contra sua vontade.
- Respeitoso -
opiniões devem ser tratadas com respeito, considerando-se também o
contexto socioeconômico, ambiental e cultural dos participantes.
- Relevante
- permitir que os participantes abordem questões que considerem
importantes de acordo com seus conhecimentos, habilidades e capacidades.
- Amigável
- ambientes e métodos adaptados e acessíveis.
- Inclusivo -
oferecer oportunidades iguais para todos, sem discriminação por qualquer
motivo, e incentivar a participação de crianças em contextos de
vulnerabilidade.
- Baseado
em formação - adultos precisam de preparação e
conhecimento prático para facilitar a participação, e as próprias meninas
e meninos também podem fazê-lo.
- Seguro -
tomar todas as precauções para minimizar possíveis riscos e consequências
negativas da participação.
- Responsável -
participantes devem ser informados sobre como suas opiniões foram
interpretadas e utilizadas, e como sua participação influenciou o
resultado.
Fonte: Comentário Geral n.º 12
do Comitê dos Direitos da Criança — órgão das Nações Unidas responsável pelo
monitoramento da implementação da Convenção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário