Em laboratório da USP, células do cordão umbilical foram tratadas com um composto capaz de ativar a primeira linha de defesa do organismo e se tornaram mais aptas a combater o vírus causador da Aids. Estratégia pode proteger contra outras doenças infecciosas e potencializar a resposta a vacinas (foto: Pixabay)
Estudo conduzido na Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) mostrou ser possível
potencializar a resposta imune de recém-nascidos contra o vírus HIV, causador
da Aids. A descoberta, realizada em cultura celular e descrita no Journal of Infectious Diseases, amplia a possibilidade
de novas intervenções terapêuticas para a proteção contra doenças infecciosas
nesse período da vida.
No experimento, os pesquisadores
estimularam a resposta inata (primeira linha de defesa imune, que não é
específica para um patógeno e envolve células como macrófagos, monócitos e
neutrófilos) em células oriundas do cordão umbilical de bebês cujas mães não
tinham HIV por meio de um composto sintético denominado CL097. Em seguida, a
equipe do Laboratório de Investigação Médica 56 incubou o vírus nas
células in vitro. O composto se mostrou eficiente em promover
respostas antiviral e inflamatória, inibindo a replicação do HIV nas células do
cordão umbilical.
“Os resultados reforçam o
conhecimento que já tínhamos de que os recém-nascidos têm uma imunidade
imatura, portanto, são mais suscetíveis a vírus como o HIV. No entanto,
descobrimos que eles não são tão imunodeficientes quanto se imaginava, pois
suas células são capazes de responder muito bem a esse tipo de estímulo com
agonistas de imunidade inata [substâncias que estimulam a primeira linha de
defesa]. Um dos diferenciais do estudo foi o uso desse tipo de agonista
[CL097], pois ele mimetiza o patógeno e permite reduzir a infecção viral”,
afirma Maria Notomi Sato,
professora da FM-USP e autora principal do estudo.
A pesquisa foi apoiada pela FAPESP
por meio de bolsa de mestrado concedida
a Anna Julia Pietrobon,
orientanda de Sato.
De acordo
com os pesquisadores, a estratégia de aprimoramento das vias de defesa pode ser
aplicada também no caso de outras infecções virais, bem como para melhorar
a eficácia das vacinas em neonatos.
“Esse
achado sem dúvida colabora para o desenvolvimento de tratamentos antivirais
alternativos para os bebês. Os testes foram realizados com o HIV, mas é muito
provável que isso se dê da mesma forma com outras doenças virais ou
bacterianas. Ainda precisamos de mais estudos, mas, no futuro, poderíamos
oferecer esses compostos para os nenéns a fim de ativar a resposta antiviral,
fazendo com que eles respondessem tão bem quanto adultos, a ponto de prevenir a
própria infecção e combater as células infectadas”, explica Sato.
A imunidade dos bebês
Por ainda
não ter a imunidade completamente formada, recém-nascidos são mais suscetíveis
a infecções por vírus, bactérias, fungos e outros patógenos. Isso ocorre
porque, em geral, os monócitos, macrófagos e as células dendríticas dos bebês
secretam quantidade menores de citocinas – proteínas reguladoras da resposta
imune e inflamatória.
Há ainda
outros fatores que contribuem para a imaturidade da resposta imune adaptativa
(específica para cada patógeno) nos recém-nascidos, como, por exemplo, a falta
de um microambiente para a interação entre as células T (linfócitos
responsáveis pela imunidade celular) e as células B (linfócitos produtores de
anticorpos).
“Leva
algum tempo até que a imunidade dos bebês esteja inteiramente madura. Isso
porque, embora muito dos anticorpos venha da mãe, a parte celular da
resposta imune surge mais devagar. Por isso, há essa maior suscetibilidade a
vários tipos de infecção no período pós-natal. Sabendo disso, fomos à procura
de adjuvantes que pudessem estimular essa resposta imune imatura”, explica
Pietrobon.
A
pesquisadora ressalta que, em bebês, a forma mais comum de transmissão do HIV é
a vertical – quando a mãe infectada contamina o filho durante a gravidez, o
trabalho de parto ou a amamentação. “Estima-se que esse tipo de transmissão
seja responsável por 9% dos casos de Aids no mundo”, informa.
Mas vale
ressaltar que, atualmente, tratamentos com AZT ou coquetéis antirretrovirais
durante a gravidez e o parto têm reduzido o risco de transmissão vertical. “No
Brasil, felizmente, quase 100% das mulheres que necessitam têm acesso. No
entanto, nem todos os países oferecem esse tipo de cuidado para gestantes HIV
positivo e é importante buscar alternativas terapêuticas”, afirma Sato.
Macrófago ativado
O estudo
conduzido na FM-USP teve como foco os macrófagos, que são células-alvo do HIV
e, ao serem infectados, tornam-se um reservatório para o vírus. “Isso acaba
sustentando a carga viral desses pacientes. Outro problema é que os macrófagos
são um pouco mais resistentes à ação dos antirretrovirais. Por esses fatores,
têm uma participação e uma contribuição muito grande na patogênese da doença e
na dificuldade de encontrar uma cura para o HIV”, explica Pietrobon.
No
experimento com células de recém-nascidos, a equipe demonstrou ser possível
ativar vias de combate viral nos macrófagos com adjuvantes potencializadores da
resposta imune inata a ponto de prevenir a infecção e a replicação viral.
“Como os
neonatos ainda não têm células T de memória, imagina-se que, ao entrar em
contato com um vírus – seja ainda dentro da barriga da mãe, durante o parto ou
após o nascimento –, os macrófagos sejam os principais alvos de infecção. Por
isso, é muito positivo ter essa alternativa para potencializar a defesa dos
bebês”, diz.
O artigo Antiviral Response Induced by Toll-Like Receptor (TLR) 7/TLR8
Activation Inhibits Human Immunodeficiency Virus Type 1 Infection in Cord Blood
Macrophages (doi: 10.1093/infdis/jiab389) de Anna J. Pietrobon,
Fábio S. Y. Yoshikawa, Luana M. Oliveira, Natalli Z Pereira, Tais Matozo, Bruna
C. de Alencar, Alberto J. S. Duarte e Maria N. Sato, pode ser lido em: https://academic.oup.com/jid/advance-article-abstract/doi/10.1093/infdis/jiab389/6342784?redirectedFrom=fulltext.
Maria
Fernanda Ziegler
Agência
FAPESP
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