1. Governos
sistemicamente corruptos, mais dia, menos dia, levam as nações e a democracia
ao colapso. Democracia é “o governo do povo [eleito pelo voto
do povo], [exercido] pelo povo, de forma direta ou indireta, e para o povo” (Abraham Lincoln). Quanto mais a democracia esteja de acordo com esse paradigma (ideal),
mais substancial e qualitativa ela é. Quanto mais longe disso, menos cidadã ela
se apresenta.
2. Governo do povo. Nossa
democracia (Velha República, Democracia Populista e Nova Democracia) sem foi
puramente formal. Na democracia formal o povo, pelo voto, segundo Schumpeter,
legitima alguns dirigentes políticos a tomarem decisões em nome dele (nisso
residiria a “soberania do povo”).
3. Nas democracias formais, quando o voto ou até mesmo o parlamentar é
comprado ou quando a eleição é fraudada, fala-se em democracia venal. Esse é
nosso caso. Os donos corruptos do poder (grandes empresas, bancos e corporações
com acesso ao poder) financiam campanhas eleitorais (ilicitamente) e assim manipulam
o parlamentar ou o governante em benefício dos seus interesses. Com o dinheiro
do seu mecenas, frequentemente o político corrupto compra os votos dos
eleitores.
4. Governo pelo povo. Por
força da “lei de ferro das oligarquias” (Robert Michels, 1911), nenhuma
democracia é governada diretamente pelos eleitores, que são representados por
oligarquias (= governo de poucos). Trata-se de um elemento aristocrático dentro
da democracia. Só raramente a democracia é exercida diretamente pelo povo
(referendo ou plebiscito, por exemplo).
5. Dentro das oligarquias governantes e/ou dominantes há os honestos
(donos do poder) e os desonestos (donos corruptos do poder). Esse segundo grupo
é formado por uma facção delinquente ou aproveitadora que representa “um estado
dentro do Estado” (Hobbes). Fazem parte de um tipo de “clube” com seus acordos
expressos ou tácitos.
6. A facção criminosa ou espoliadora do dinheiro público (da população)
constitui a espinha dorsal da nossa cleptocracia (cleptos = ladrão; cracia =
governo). O Brasil, sem sombra de dúvida, é uma República Democrática
Cleptocrata (que conta, preponderantemente, com um governo de ladrões, mas
eleito pelo povo).
7. Se os que predominantemente
nos governam são, ademais de ladrões, incompetentes, então também somos uma
cacocracia (= governo dos piores). Os países governados por muitos ladrões e
pelos piores contam com instituições (econômicas, políticas, jurídicas e
sociais) muito frágeis. Os honestos e os melhores muitas vezes chegam a sentir
vergonha dessas qualidades (Rui Barbosa).
8. Governo para o povo. O
governo “para o povo” completa a noção da democracia de qualidade. O que
significa isso? Uma célebre frase de Bentham resume todo esse pensamento da
democracia liberal: “A maior felicidade para o maior número possível dos
habitantes”. Numa cleptocracia oligárquica, nada mais irreal que isso. Nossos
governos cleptocratas cuidam dos seus interesses, por meio do clientelismo, do
patrimonialismo e do favoritismo, regidos pelo afeto e pela “cordialidade” de
que fala Sérgio Buarque de Holanda.
9. Todo regime democrático venal (corrupto), oligárquico, cleptocrata,
cacocrata e antiliberal sempre corre risco de ruptura. Dois fantasmas habitam
neste momento as mentes dos brasileiros motivadamente revoltados com nossos
governos corruptos: golpe militar e oclocracia. No Planalto chegou pesquisa
dizendo que 36% dos brasileiros desejam “intervenção militar”. O general
Etchegoyen (ministro do governo) afirmou que “intervenção militar é assunto do
século passado”. Mas fantasmas não morrem.
10. Oclocracia, que é uma das
três formas deturpadas de governabilidade (tirania, oligarquia e oclocracia),
significa “governo das multidões, das massas” (Wikipedia). Os governos
populistas, onde um demagogo carismático combate as “elites governantes”,
pregando a “unidade” da nação e soluções fáceis para problemas complexos,
convertem-se em oclocracia quando as instituições governam ao sabor das emocionalidades,
dos medos e das perplexidades irracionais das multidões.
11. Sob o jugo delas o eleito (líder carismático) abandona a legalidade
para se submeter à vontade suicida das massas. A oclocracia, em suma, pode ser
definida como o abuso suicida que se instala em um governo eleito pelo povo;
ela acontece quando a multidão, sem apego ao Estado de Direito implantado (às
formas legais), se torna dona soberana dos destinos da nação, que passa a ser
governada pela autofagia.
LUIZ FLÁVIO GOMES - jurista. Criador do movimento Quero Um
Brasil Ético. Estou no f/luizflaviogomesoficial
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